Oscar Wilde passou para a história não apenas como um dos maiores escritores de todos os tempos, mas como um esteta ocioso.
Essa foi uma imagem cuidadosamente cultivada por ele. Por exemplo, quando lhe foi sugerido retirar uma cena de “A Importância de Ser Prudente” pelo ator e diretor George Alexander, ele respondeu: “Essa cena que acha supérflua me causou um terrível e exaustivo trabalho, acompanhado de uma tensão nervosa dilacerante. Pode não acreditar em mim, mas te asseguro que escrevê-la deve ter me custado no mínimo cinco minutos”.
No entanto, a verdade é que durante a maior parte de sua carreira ele foi extremamente dedicado. “A Importância de Ser Prudente”, por exemplo, passou por cerca de oito rascunhos; começou com cerca de duas vezes e meia o tamanho de sua versão final. Wilde aprimorou cada palavra.
Mas ele adorava dar a impressão de que simplesmente redigira o texto todo em um lampejo de genialidade preguiçosa, talvez em partes por ser fortemente contrário à ética de trabalho vitoriana que valorizava o dever. Portanto, se por um lado a estética da beleza, ociosidade e genialidade de Wilde sugere que ele é tão brilhante que não precisa se esforçar em seu trabalho, há também uma resistência ao utilitarismo e ao ethos competitivo.
Celebre conosco a obra desse gênio apreciando 5 de seus livros mais imperdíveis de acordo com Sos Eltis, professora universitária de Oxford e biógrafa de Wilde. A lista encontra-se originalmente no site FiveBooks.
Em diferentes momentos de sua vida, Wilde descreveu-se como socialista e mesmo como anarquista. Ele assinou uma petição pedindo a suspensão da pena de morte de alguns anarquistas condenados injustamente em Chicago. Ele pagou a fiança de John Barlas, um jovem revolucionário que foi preso por disparar um revólver perto da Câmara dos Comuns. E expressou sua admiração pelos niilistas russos e por muitos socialistas famosos.
E, embora ele não tenha sido um sociaista assíduo como George Bernard Shaw, chegou a escrever um tratado sobre o assunto.
Intelectualmente, a marca de socialismo que ele propôs em “A Alma do Homem sob o Socialismo” é bastante diferente da comum: para ele, o Estado deveria fornecer tudo o que precisamos, e então estaríamos livres para fazer o que bem entendêssemos. Essa é a ideia de que todos deveriam ter a oportunidade de ser um dândi-esteta, se desejassem. Para Wilde, ninguém deveria ser obrigado a trabalhar arduamente em comitês locais nem de abdicar de seu gosto pessoal pelo luxo.
Wilde, em toda a sua vida, foi um idealista. Nesse livro, ele escreve que “[um] mapa do mundo que não unclui a Utopia não vale nem mesmo um olhar fugaz”. Este é o elemento utópico de sua política. Ele propõe uma visão na qual não há mais qualquer obrigação do indivíduo de trabalhar para sustentar-se ou submeter-se a qualquer tipo de autoridade.
Com isso, Wilde em partes subverteu muitas das expectativas piedosas acerca do socialismo. O socialismo de Wilde não é sobre poucos privilegiados renunciando ao seu luxo em favor de muitos sofredores. Não se baseia em qualquer tipo de ideia de filantropia, caridade ou igualdade de divisão para todos. Em vez disso, é baseado no princípio do prazer. Ele é fundamentado na ideia de que há o suficiente para todos. Máquinas farão o trabalho.
Ignorando como tudo isso seria de fato alcançado, Wilde prossegue argumentando que a simpatia pelo sofrimento não é enobrecedora, mas dolorosa e aviltante. O que se deve ter em vez disso, ele diz, é simpatia pelo prazer. Deveríamos querer que todos fossem tão alegres, felizes e livres quanto nós. Ele defende que toda autoridade é degadrante. Que os sistemas legais, judiciais e prisionais degradam as pessoas que impõem o poder tanto degradam quanto os prisioneiros e os condenados. Ele também argumenta contra o casamento e a família, que vê como restrições ao indivíduo.
É possível ler “A Importância de Ser Prudente”, o livro é seguir, à luz de tal mensagem política, porque naquela peça todos de alguma forma desafiam os limites da autoridade. Todos os jovens fazem exatamente aquilo que desejam, e se justificam à medida que avançam. Tudo termina de forma completamente feliz, com todos conseguindo o que querem. São todos maravilhosamente egoístas.
“A Importância de Ser Prudente” poderia ser lido como uma farsa um tanto frívola. Wilde descreveu-a como escrita “por uma borboleta para borboletas”. Essa expressão se alinha à autoimagem de Wilde como um esteta intelectual. Mas, de fato, creio que seja uma peça anárquica.
De certa maneira, ela se conforma a uma estrutura convencional de farsa. A maioria das farsas começa com alguém mentindo ou cometendo um erro. Depois, mentem para encobrir. Dessa mentira, surgem mais e mais complicações. Porém, ao final de muitas farsas, a mentira ou o pecado original é revelado e perdoado.
No entanto, em “A Importância de Ser Prudente”, as mentiras revelam-se verdadeiras. Todos podem continuar a mentir. Na verdade, é impossível separar mentira e verdade de uma maneira significativa. Os personagens se tornam quem estavam fingindo ser. Enquanto Lady Bracknell é a personificação da autoridade e etiqueta da sociedade, ela não detém poder ao final.
Inclusive, através dessa personagem, Lady Bracknell, a peça revela como a sociedade controla o indivíduo. Quando Lady Bracknell entrevista Jack, ela usa a etiqueta para exercer controle sobre ele. A peça está repleta de regras, que vão desde regras sobre como comer um muffin corretamente, até regras sobre dinheiro antigo e novo e a necessidade de ter pais para comprovar sua linhagem familiar.
Anos atrás, meu tutor universitário, Christopher Butler, falou sobre a peça como uma matriarquia, e esse foi o ponto de partida do meu trabalho sobre Wilde. Não é apenas Lady Bracknell que está no comando, mas também as personagens femininas principais, Cecily e Gwendolen. Elas assumem a liderança em seus relacionamentos e são elas que propõem casamento. Então, nesta peça, são as mulheres que detêm o verdadeiro poder e autoridade.
Nas peças de Wilde, há uma superfície linguística de trocadilhos, ditos espirituosos, epigramas e paradoxos que às vezes é descartada pelos críticos como absurda. Mas, por baixo, há uma análise fenomenal do poder — de quem tem poder econômico e de como a moralidade está embutida em sistemas de poder que controlam o comportamento das pessoas e regulam a admissão à sociedade.
As mulheres estão claramente sujeitas a essas formas de poder. Elas não têm meios econômicos independentes: tudo depende de quem elas casam e que tipo de poder detêm dentro desse casamento. A moralidade é tanto um sistema usado contra as mulheres quanto um sistema que certas mulheres sabem como usar.
Inclusive, algumas de suas peças tratam de mulheres inteligentes o suficiente para jogar o jogo e contornar tal sistema. Mrs. Erlynne em “O Leque de Lady Windermere” e Mrs. Allonby em “Uma Mulher Sem Importância” são mulheres que jogam o sistema de forma muito consciente. Há um trecho maravilhoso em “Uma Mulher Sem Importância” a respeito de como é essencial brincar com o fogo, pois são aqueles que brincam com o fogo que nunca se queimam.
Novamente, há um momento em que Mrs. Allonby fala sobre como a vida é muito melhor para as mulheres do que para os homens porque há muitas mais regras impostas a elas, então há muitas mais regras que elas podem quebrar. Mrs. Allonby é um personagem que consegue se colocar acima do sistema e encontrar seu caminho através dele.
Wilde também retrata a vida de pessoas que aceitaram a moralidade convencional e mostra como essas vidas correm o risco de serem destruídas. Mrs. Arbuthnot em “Uma Mulher Sem Importância” é um estudo fascinante de uma mulher cujos instintos são claramente contrários à moralidade em que ela acredita. Ela é torturada pela culpa, porém essa sua culpa se torna um tipo de poder.
Muitas pessoas leram “O Retrato de Dorian Gray” como uma representação dos perigos de tratar a vida puramente como arte, como Dorian faz. Ele encara experiências fundamentais da vida — como uma mulher cometendo suicídio porque ele a rejeitou e partiu seu coração — como se fosse uma peça de teatro, ou meramente um espetáculo estético. Para essas pessoas, o romance poderia, então, ser lido como um aviso contra a visão da beleza como a única qualidade valiosa na vida.
O problema com tais interpretações é que é impossível ler o romance sem tirar prazer estético dele. O livro, ao longo de toda a narrativa, delicia-se com a superfície e aparência das coisas.
Há um momento em que Dorian planeja tomar algumas drogas; justo quando ele está prestes a fazer essa ação maligna, a narrativa para e dá uma descrição maravilhosamente detalhada do armário florentino que contém as drogas. Ela pausa para apreciar o armário antes que a história continue. O próprio romance exige do leitor uma apreciação estética semelhante. Se você deseja participar do romance, precisa apreciá-lo da maneira que Dorian aprecia armários, tapetes, tapeçarias e joias.
Chegamos, enfim, aos contos de Oscar Wilde. Gosto de todos eles, mas selecionaria dois para atenção especial: “O Pescador e sua Alma” e “O Retrato de Mr. W. H.”. Enquanto muitas das narrativas de Wilde são aparentemente simples, mas têm uma reviravolta, estas duas são obviamente e inescapavelmente complicadas.
“O Pescador e sua Alma” combina maravilhosamente com “Dorian Gray”. A história se assemelha à “Pequena Sereia” de Hans Christian Andersen, mas às avessas: o pescador se apaixona por uma sereia e, para entrar no mar e tê-la ao seu lado, tem que cortar sua alma.
Em certo sentido, é uma versão do pacto faustiano. Na interpretação de Wilde, a alma torna-se outro personagem na história depois de ser cortada. Ela parte e tem essas aventuras extraordinárias, e volta e busca tentar o pescador com as experiências.
A história é frequentemente interrompida. Contrariando a trajetória simples de muitos contos de fadas, há descrições enormemente detalhadas das cidades exóticas, mercadores e bandos de vagabundos que a alma encontra em suas aventuras. Essas descrições, como as de “Dorian Gray”, são simplesmente belas de se ler. Elas estão lá por si mesmas.
Já “O Retrato de Mr. W. H.” é difícil de ser enquadrado em um único gênero. Talvez ele ofereça uma das primeiras leituras do desejo homossexual nos sonetos de Shakespeare. Contém análise detalhada da imagética de Shakespeare e de como você pode interpretar os sonetos, mas tudo isso está inserido em uma história.
Em termos simples, Wilde escreveu “De Profundis” como uma carta para Lord Alfred Douglas enquanto estava preso em Reading Gaol. Ele estava burlando um pouco as regras: ele tinha permissão para escrever cartas na prisão, então escreveu uma carta que tinha quase cem páginas quando foi publicada.
Se Lord Alfred Douglas era realmente o público-alvo pretendido, é altamente duvidoso. Depois de terminar de escrever o manuscrito na prisão, Wilde pediu que várias cópias fossem feitas, que trechos fossem enviados a outras pessoas e que cópias fossem guardadas por More Adey e Robert Ross, pois eram seus executores literários e, portanto, deveriam ter todos os seus trabalhos. Todas essas coisas sugerem que não é simplesmente uma carta para um ex-amante.
Wilde sempre brinca com o gênero. O gênero é tanto como as obras são comercializadas e vendidas, quanto forma as regras e expectativas de como lemos as obras. Como acontece com muitas das obras de Wilde, é difícil saber como categorizar “De Profundis”. É chamado de carta da prisão, mas também é uma espécie de apologia — mas, no caso, uma autojustificação em vez de um pedido de desculpas. É também uma forma de biografia, um manifesto sobre arte, uma rejeição desafiadora dos padrões e julgamentos da sociedade e uma declaração de propósito para seus planos futuros de autodefinição artística.
Wilde teve um sucesso extremo em moldar sua futura reputação com “De Profundis”. Por exemplo, ele escreveu que “Eu era um homem que se posicionava em relações simbólicas com a arte e a cultura de minha época”, e isso ajudou a moldar a maneira como ele tem sido pensado desde então.
Após sua condenação, ele não negou ter feito as coisas pelas quais foi preso. Mas ele diz que enviar alguém à prisão por amar meninos ou homens — e a ideia de que a prisão o impedirá de fazê-lo — é patentemente ridícula. Ele diz explicitamente em “De Profundis” que as leis que o condenaram eram leis erradas e injustas. Ele continuou a ser desafiador depois que saiu da prisão, com “A Balada de Reading Gaol”, e suas cartas ao Secretário do Interior e aos jornais. Ele fez campanha pela reforma prisional, denunciando o tratamento de crianças e doentes mentais na prisão.
A única vez em que ele se submeteu à lei foi quando apelou ao Secretário do Interior para ser libertado antecipadamente com o argumento de que estava perdendo a sanidade. Naquele momento, ele caracterizou sua homossexualidade como uma doença. Ele realmente citou como autoridades pessoas como Cesare Lombroso e Max Nordau, que patologizaram o criminoso e condenaram a homossexualidade. Esse foi o ponto mais baixo de sua vida.
Em “A Balada de Reading Gaol” e “De Profundis”, ele critica severamente o sistema prisional e a hipocrisia da sociedade. Em ambas as obras, ele inverte a ideia da hierarquia prisional, assim como fez em “A Alma do Homem sob o Socialismo”. São os prisioneiros que são compassivos e têm imaginação, e são aqueles que exercem autoridade sobre eles que são degradados e tornados cruéis por essa autoridade.
O único ponto em que Wilde mudou depois da prisão — que é mais filosófico do que político — foi sobre o valor do sofrimento. Em “A Alma do Homem sob o Socialismo”, ele diz que a simpatia pelo sofrimento é simplesmente degradante. Em parte, ele estava reagindo contra a sentimentalização vitoriana do sofrimento e a ideia de que os pobres e fracos são de alguma forma purificados ou enobrecidos por seu sofrimento. Em “De Profundis”, ele se retrata dessa visão. Ele diz que o sofrimento realmente tem valor. O sofrimento é onde a emoção e a forma se encontram.
Algumas das experiências mais intensas, como ser preso onde o tempo para e tudo o que você tem são seus pensamentos, significam que você pode ver toda a sua vida: você vive cada momento no tempo simultaneamente. Isso proporciona um tipo diferente de profundidade emocional; compaixão e imaginação crescem a partir disso.
Wilde mudou suas alianças nacionais ao longo de sua vida, em parte por conveniência. Em momentos, ele minimizou sua irlandesidade. Por exemplo, ele perdeu seu sotaque irlandês quando foi para Oxford. Ele poderia falar sobre “nossa terra inglesa” e se alinhar com Shakespeare, Milton, Wordsworth, Shelley e Keats como um dos grandes da literatura inglesa. No entanto, quando sua peça de teatro “Salomé” foi censurada na Inglaterra, ele deixou bem claro que ele não era inglês, mas irlandês. Em um momento ele falou sobre a possibilidade de solicitar a cidadania francesa, porque os franceses apreciavam o verdadeiro valor da liberdade artística.
Dito isso, ele foi extremamente crítico do domínio britânico na Irlanda e foi um firme defensor do nacionalismo irlandês ao longo de sua vida. Acredito que sua origem irlandesa fez com que ele estivesse muito ciente do poder — o poder que era exercido sobre seu país e as narrativas autojustificativas desse poder.
Mas e a irlandesidade em suas obras? Há um enorme debate sobre isso entre os críticos de Wilde. Ele apropria-se do material de contos de fadas irlandeses, lendas e histórias populares. Há também um sentido no qual, embora ele se apresentasse como parte da alta sociedade inglesa, ele o fez de uma maneira que era toda sobre performance. Muitas de suas obras desnaturalizam e desconstróem a imagem que a sociedade inglesa tem de si mesma. Seu humor era maravilhosamente subversivo e corrosivo.
Assim como sua sexualidade, sua origem irlandesa colocava-o fora do mainstream. Ele era um “insider-outsider” com gênero, e era um “insider-outsider” com o estabelecimento literário. Ele aprendeu as regras e soube jogá-las, mas absolutamente em seu próprio benefício.
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