Veja a lista que a escritora e crítica literária britânica Amanda Craig publicou, no site Five Books, acerca de 5 livros que, em sua opinião, mudaram o mundo e a nossa maneira de encará-lo.
1# BELEZA NEGRA, ANNA SEWELL
Beleza Negra, de Anna Sewell, foi o primeiro livro que concedeu consciência e personalidade a um animal – neste caso, o cavalo Black Beauty, ou Beleza Negra. É narrado em primeira pessoa, e é supostamente uma autobiografia do animal, que começa a vida com uma mãe amorosa, felicidade e um bom dono. Depois, ele é vendido de uma pessoa para outra e é uma história trágica terrível sobre a erosão da felicidade e saúde – até que, finalmente, quando está desgastado e perto de morrer devido a maus tratos, é resgatado. É, portanto, uma história sobre o paraíso perdido e reencontrado.
Esse livro dramatizou o movimento dos direitos dos animais. As pessoas tendem a esquecer que William Wilberforce, o parlamentar britânico responsável por abolir o tráfico de escravos, também fundou em 1824 a RSPCA (“Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals”, ou “Sociedade Real para a Prevenção à Crueldade Contra os Animais”). O movimento pelos direitos dos animais existia há uma geração, mas foi “Beleza Negra” que tornou o sofrimento dos animais imediato e vívido como apenas a literatura imaginativa pode fazer. Até hoje, existem várias fontes de água para cavalos que foram erguidas porque o público ficou horrorizado com a crueldade contra os animais. Portanto, esse livro mudou a maneira como as pessoas viam outra espécie. Fez-nos crescer como seres humanos, pois a antiga ideia medieval de que o homem era imensuravelmente distinto e superior aos outros seres vivos começou a desmoronar.
Milhões de crianças ainda leem este livro, e eu acredito que seja importante como uma obra formativa da literatura. Psicopatas sempre começam sendo cruéis com animais e depois progridem para seres humanos, então, se aprendermos que devemos ser gentis com os animais, é muito provável que aprendamos também a ser gentis com os outros seres humanos.
2# ORGULHO E PRECONCEITO, JANE AUSTEN
Este livro é um dos poucos livros perfeitos já escritos. Seu estilo, enredo e personagens estão todos em equilíbrio, sem nada supérfluo. Por causa disso, acredito que é fácil ignorar quão revolucionária Austen foi quando sua heroína insistiu no direito de uma mulher de se casar por amor. A sociedade georgiana era ainda mais materialista e obcecada por dinheiro do que a nossa atual, e naqueles dias as mulheres deveriam escolher prudentemente, como a melhor amiga de Elizabeth Bennet, Charlotte. Mal Elizabeth rejeita o Sr. Collins e Charlotte rapidamente o aceita, mesmo que esteja ciente de que jamais poderá amá-lo.
É interessante lembrar que Jane Austen recusou uma proposta de casamento de um cavalheiro de grandes meios que queria se casar com ela, porque ela não poderia se casar sem amor. Embora seja verdade que Elizabeth se saiu muito bem ao se casar por amor quando finalmente casou-se com o Sr. Darcy, ela é repreendida por sua mãe por rejeitar o Sr. Collins. Essa decisão dramatizou um ponto de viragem na emancipação das mulheres, pois, antes de se poder alcançar outros tipos de emancipação no mundo exterior, é preciso ser emancipada internamente e se ver como alguém digno de amor e liberdade. O casamento ainda é uma das escolhas mais importantes que as pessoas fazem, e o romance de Austen muda o mundo para pelo menos metade da população ao dramatizar seus dilemas. Sei que seus temas ainda são muito populares e amplamente debatidos entre as garotas asiáticas.
Não é apenas uma história encantadora, mas algo que faz as pessoas questionarem seus próprios valores.
3# JANE EYRE, CHARLOTTE BRONTË
Claro, Charlotte Brontë detestava Jane Austen e pensava que ela era demasiadamente fria. Mas ambas as escritoras foram revolucionárias ao sue modo, e “Jane Eyre” o foi, em particular, porque insistiu não apenas que uma heroína poderia ser pequena, pobre e sem atrativos, mas que ela poderia de fato ser digna de respeito porque tinha uma mente profunda, uma inteligência que fora treinada – e, ao contrário das heroínas de Austen, ela poderia ter um emprego.
Lembro-me de encontrar isso extremamente impactante quando o li, porque mesmo na minha geraçã ainda não era automático que uma mulher teria um emprego e uma carreira. A audácia de Jane, sua autoconfiança e sua resiliência permanecem profundamente inspiradoras.
“Jane Eyre” também foi revolucionário ao insistir que ela deveria ser respeitada e que seus valores morais fossem aceitos por alguém de uma classe social mais alta. Quando é exposto como bígamo em potencial, o Sr. Rochester oferece a Jane uma vida na Itália como sua amante. Embora ela esteja apaixonada por ele, ela rejeita essa oferta porque sente que é errado e quer manter seu rigoroso senso do que é certo. Sendo o tipo de conto de fadas que é, ela finalmente vence. A própria tia que a maltratou quando criança deixa-lhe uma herança.
O romance é todo sobre aprender a ver as coisas como elas realmente são: novamente, isso é uma das coisas que os grandes livros insistem que façamos. Você se apaixona por Jane muito antes do Sr. Rochester!
4# 1984, GEORGE ORWELL
Esta é a distopia suprema, escrita por alguém que não apenas foi um dos maiores de todos os jornalistas, mas um dos mais perspicazes. Orwell é de interesse perene para mim porque, assim como Dickens, ele equilibra o mundo do jornalismo investigativo com a ficção. Ele também escolheu deliberadamente experimentar diferentes níveis da sociedade, o que acredito ser essencial para um romancista interessado na verdade sobre como vivemos atualmente.
Ele escreveu este livro em 1948, quando estava morrendo de tuberculose, em um grande impulso de determinação apaixonada, porque podia ver, muito antes de outras pessoas, para onde o totalitarismo estava caminhando. “A Revolução dos Bichos” havia apresentado isso como uma espécie de conto de fadas sombrio, mas este foi o ápice, no qual Orwell teve a coragem de confrontar tanto seus amigos quanto seus inimigos.
Orwell viu a morte do sonho em primeira mão na Espanha. Ele esteve em contato com muitos comunistas e lutou ao lado deles contra o Fascismo, mas, à medida que a Rússia de Stalin ganhou poder sobre o mundo, ele pôde ver que este sonho de igualdade que tantos jovens e idealistas compartilhavam resultou em um pesadelo, assim como o Fascismo. Qualquer coisa, exceto a democracia e a verdade, deixa a bota militar esmagando eternamente o rosto humano, como Winston percebe.
Seu herói, Winston, nomeado, claro, em homenagem a Winston Churchill, é traído até mesmo pela única pessoa que ele pensa que pode amar e confiar plenamente. Ele é quebrado para sempre pelo Big Brother, ou Grande Irmão, e o terrível desfecho do romance é inesquecível.
“1984” é um romance que mudou o mundo ao alertá-lo sobre as consequências de blocos de poder cada vez maiores, mais e mais mentiras, e cidadãos sendo espionados pela autoridade.
5# O DIÁRIO DE ANNE FRANK, ANNE FRANK
Sou meio judia, e quando li este livro pela primeira vez tinha cerca de dez anos e era totalmente alheia ao que ocorrera na guerra. O Holocausto é algo que mesmo na década de 1960 as pessoas relutavam em falar, especialmente na frente de crianças. Como Jane Eyre, Anne é alguém por quem você se apaixona como pessoa. Seu entusiasmo, sua inocência e o desabrochar dessa jovem terna, sensível e curiosa nas condições mais adversas falam diretamente com você.
Como consequência de ler o diário dela, comecei a manter o meu próprio e continuei fazendo isso todos os dias desde então. Também sempre tive interesse em testemunhos diretos e na importância de dar testemunho.
Ela expressa o horror completo do medo constante de ser descoberta, mas também a claustrofobia e irritação de estar trancada com um monte de pessoas que não têm nada em comum com você. As pessoas que compartilharam o pequeno apartamento escondido com os Franks eram irritantes, preconceituosas e entediantes, e ainda assim, em meio a tudo isso, ela conseguiu se apaixonar pela única outra pessoa que estava lá de sua idade.
Este é ao mesmo tempo um livro inspirador e angustiante, que mexe com a visão de mundo de qualquer pessoa. Acredito que mostra às pessoas a humanidade que dividimos, e nos lembra, como adultos, o que é ser jovem e apaixonado pela vida. Todos nós esperamos tentar ser tão nobres quanto ela foi na adversidade, para lembrar que há algo indomável sobre o espírito humano e a juventude.
Esse texto foi publicado originalmente no site Five Books [Cinco Livros]. Caso seja fluente em inglês e deseje ler o original, clique aqui.