No ano de 1923, Pablo Picasso compartilhou com seu colega, o proprietário de galeria mexicano Marius de Zayas, uma reflexão profunda sobre a arte: ela é, em essência, uma ilusão.
Contudo, essa ilusão tem o poder único de nos revelar verdades, ou pelo menos as verdades que já estamos preparados para entender. Os artistas, com sua intuição inata, mergulham nos mistérios da existência através de diversos meios – a tinta, a argila, as gravuras e os filmes. Suas obras muitas vezes se afastam grandemente de nossas noções e perspectivas preconcebidas, despertando emoções através da surpresa ou, conforme Picasso dizia, reconfigurando nossa percepção.
Essa capacidade inerente de evocar sentimentos indescritíveis desperta uma curiosidade generalizada entre o público.
As pessoas são movidas pela vontade de descobrir quem cria a arte e por que, buscando detalhes dos bastidores sobre obras de arte amadas. Memórias, manifestos e histórias estéticas oferecem vislumbres do que, de outra forma, jamais deixaria de ser inexprimível e intraduzível, incluindo o mistério envolvido na criação de uma peça.
Os 6 títulos apresentados a seguir exploram diferentes aspectos da arte visual: os materiais, os conceitos e as pessoas. Juntos, eles reiteram o que Picasso disse há um século: o trabalho criativo nos revela o que está oculto; é fundamental para a maneira como processamos o mundo.
Muitas narrativas sobre a história da arte começam com a maneira como os humanos primeiro adquiriram os materiais que criam cores. Em seu livro, Finlay desvenda a origem das tonalidades familiares. O resultado revela o quão política é a paleta de um pintor. O ocre, subproduto da argila e óxido férrico, leva Finlay até a Austrália e seu povo aborígene, que o utiliza há milhares de anos em práticas cerimoniais.
O vermelho tem um passado sangrento. Milhões de besouros cochonilhas foram mortos para produzir o lucrativo pigmento carmim, e a Espanha invadiu violentamente o México, onde era tradicionalmente extraído. E, entre todos, o mais macabro é o marrom. Finlay foca no “marrom múmia”, tonalidade extraída de múmias egípcias esmagadas e supostmente usada em obras românticas como “A Liberdade Guiando o Povo”, de Eugène Delacroix.
A investigação de Finlay adiciona profundidade à nossa interpretação da história da arte: as cores não apenas saem de um tubo. Além de sua função a apelo, elas carregam memórias – algumas vezes violentas.
A novela de Balzac, que influenciou modernistas como Paul Cézanne e Picasso, trata dos sacrifícios que os artistas estão dispostos a fazer por sua arte e se a beleza universal realmente existe.
Na Paris do século XVII, as vidas de três pintores se cruzam brevemente: um jovem Nicolas Poussin visita o estúdio de um homem que admira, François Porbus. Frenhofer, um velho conhecido de Porbus, também encontra-se lá. Juntos, os três refletem sobre o significado de sua profissão e contemplam técnicas.
Frenhofer compartilha sua luta para criar a pintura perfeita. Seu objetivo é fazer com que a arte em si desapareça — para sentir como se “o ar fosse tão real que vocês não pudessem mais distingui-lo do ar ao seu redor”. Mas, quando Frenhofer finalmente exibe sua obra-prima, Balzac expõe a lacuna entre as esperanças de um criador e a recepção do público. Mais notavelmente, a cena desafia as suposições de que toda arte deve ser feita para o consumo público e de que uma obra é alguma vez finalizada. Um artista pode trabalhar toda a sua vida apenas para aceitar que a perfeição é uma ilusão.
Carrington, figura significativa do movimento surrealista dos anos 1930 no México, explorou em suas pinturas uma série de paisagens oníricas, criaturas inusitadas e encontrados bizarros. Ela desafiou como ninguém o “reinado da lógica” que o escritor francês André Breton criticou em seu influente Manifesto Surrealista de 1924.
Em seu romance, os eventos são igualmente ilógicos. Um assassinato, o legado de uma abadessa medieval e várias buscas ocultas somam-se a uma exploração autoafirmativa da loucura e da sanidade frágil. A protagonista, Marian Leatherby, uma estrangeira de 92 anos vivendo no México, recebe inesperadamente de presente de uma amiga um trompete de ouvido. Ao usar o acessório, ela ouve que sua família deseja enviá-la para uma instituição privada para idosos; ela é levada a essa espaço desconhecido e quase sectário, e deve adaptar-se a rituais diários completamente novos.
Enquanto isso, o trompete de ouvido torna-se uma extensão da intuição de Leatherby. conduzindo-a a um mundo fantástico de mitos e magia. O romance é especialmente notável por oferecer ao seu público uma maneira de reavaliar as outras obras de Carrington. Como em suas telas, nada faz sentido à primeira vista, até que uma inspeção mais atenta mostre como a irracionalidade – em todos os tipos de trabalho criativo – é uma expressão de possibilidade ilimitada.
Através de perfis cativantes e entrelaçados de Lee Krasner, Elaine de Kooning, Grace Hartigan, Joan Mitchell e Helen Frankenthaler, Gabriel ilustra, nesta biografia de grupo pioneira, como a cidade de Nova York suplantou Paris como a capital mundial da arte moderna nas décadas de 1940 e 1950.
Ao fazer isso, caracteriza as mulheres do Expressionismo abstrato, um dos movimentos visuais mais significativos dos Estados Unidos de meados do século XX. Seus praticantes (na maioria homens) vieram de uma geração marcada pela Grande Depressão e pela guerra, e o estilo que escolheram foi uma forma de resistência e renascimento. Já para as mulheres do “AbEx”, pintar era também sobre viver a vida de maneira diferente, rejeitando ideais misóginos e pressões sociais.
Os leitores se identificação com sua luta para existir como artistas talentosas, especialmente quando relacionamentos abusivos restringiam seu potencial criativo. O retrato de Gabriel de alguns quarteirões ao redor do Washington Square Park, um “trecho de calçada criticamente importante”, recontextualiza a visão formidável dessas mulheres e reafirma que seu legado permanece central para a arte contemporânea.
A arte literalmente mudou a vida de Saltz: outrora um “artista fracassado” que se tornou caminhoneiro, transformou posteriormente sua paixão em uma carreira, como crítico influente no The Village Voice e na New York Magazine. O autor compartilha esse ardor com seus leitores por meio de uma seleção de escritos abrangentes dos últimos 20 anos.
Ele examina as as diversas crises e a cena artística da cidade de Nova York – o rescaldo do 11 de Setembro, a crise de 2008, a pandemia do coronavírus – e retrata um mundo efervescente, porém frágil, em constante reinvenção. Saltz escreve retratos formidáveis de pessoas como Beauford Delaney, e descreve o esplendor das pinturas rupestres em Niaux, França. Ele venera a obra de arte ao mesmo tempo em que denuncia os excessos de seu negócio, deleitando-se em ridicularizar os frequentemente obscenos leilões teatrais da indústria e o ciclo inflado de aberturas, bienais e feiras.
Mas, animando essa lucrativa máquina comercial global, Saltz sublinha, está a inestimabilidade da visão do artista. Sem ela, a vida seria bastante monótona.
A tão esperada autobiografia de Ai WeiWei é uma carta de amor a seu pai, o poeta Ai Qing, e a seu filho, Ai Lao, bem como um guia sobre o que motiva a arte de protesto. Ai revisita, em palavras e ilustrações pessoais, sua infância, sua maturação como cidadão e artista, e sua eventual decisão de deixar a china.
Ele relata como seu pai, outrora cortejado por Mao, foi desonrado, e como seu desentendimento com as autoridades se estendeu a toda a sua família. Ai passou um tempo significativo em campos de trabalho forçado e instalações durante a Revolução Cultural. A partir daí, o livro segue em grande parte o curso da história contemporânea da China, uma coisa que sublinha a indivisibilidade da política e da arte de Ai.
A narrativa é interrompida por sua estadia nos Estados Unidos na década de 1980. Lá, viveu em condições precárias fazendo bicos, incluindo desenhar retratos de pessoas nas ruas de Nova York. E, então, seu retorno à China pouco após o massacra da Praça de Tiananmen. Então, a dissidência de Ai acendeu mais assédio e detenção; ele agora vive no exílio com sua família.
O uso pioneiro de Ai do blog e seu alcance viral demonstram novas maneiras de a arte existir na era digital. O seu livro ilustra o poder da obra chocante, satírica e insolente como um instrumento para resistir à opressão e ao autoritarismo.
Leitora ávida, aficcionada por chai latte e por gatos, a socióloga Camila escreve sobre desenvolvimento pessoal aqui no El Hombre.
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