A arte da bajulação nas empresas

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Ninguém sabe ao certo como surgiu o puxa-saquismo, mas há uma corrente de estudiosos que põe a culpa de tudo nos chimpanzés.

Organizados por hierarquia de comando desde que surgiram na Terra, até hoje os primatas mais fraquinhos passam dias e noites paparicando os mais fortes. Para esses primos dos humanos o ritual inclui beijar os pés do chefão, levar oferendas meio bestas como folhas e gravetos e até entrar em fila para fazer cafuné nos nobres pelos do mandatário.

Seja por gene ou observação direta, o fato é que a chegada desse comportamento bizarro ao universo dos homens foi só um pulo. O “processo adaptativo  para garantir a sobrevivência”, como alguns cientistas sociais costumam rotular a bajulação aos poderosos, segue os mesmos princípios da era das cavernas, mais tarde repetidos na adoração aos faraós e na adulação aos reis absolutos dos séculos seguintes, até se disseminar hoje como uma praga na forma de babas-ovo aos dirigentes do mundo corporativo.

O jornalista americano Richard Stengel, editor da revista Time, escrever um tratado sobre a bajulação. Com o título You’re Too Kind (Você é muito gentil), ele considera essa prática uma epidemia social, embora amenize o estrago sob a classificação de “mentiras inofensivas que fazem o gerador e receptor se sentirem melhor”.

Assim, no universo empresarial, o puxa-saquismo não seria nada além de um mal necessário indispensável ao equilíbrio das relações profissionais. Para o autor, a soma de elogios exagerados esconde a estratégia do profissional de buscar um resultado prático — desde se tornar o mais querido dos subordinados até garantir um escritório com janela ou turbinar a carreira. Trilhando o caminho da ambigüidade, o ato de bajular se confunde com educação e respeito à etiqueta social.

Stengel se animou tanto com o conceito que esenvolveu que chegou a elevar o puxa-saquismo à condição de arte. Uma forma de sedução, em que a meta é nunca cair no lugar-comum. É saber elogiar a beleza se a pessoa for inteligente. E destacar a inteligência se a pessoa for muito bonita. Com isso, o autor acabou fazendo em sua obra uma megagentileza tão grande aos puxa-sacos que o livro se esgotou. A experiência demonstrou a essência da bajulação, que é obter um benefício direto dos que concentram o poder através de um tratamento privilegiado por quem precisa do favor.

Convenhamos: a tese de Stengel passa um pouquinho além da conta.

Enquanto na vida social a noiva está sempre linda, o recém-nascido é sempre uma gracinha e o morto era uma ótima pessoa, nas empresas é o chefe que está sempre elegante e bem vestido, as suas idéias são inovadoras e criativas e as suas iniciativas não deram certo por serem muito avançadas em relação ao tempo. Os princípios que regem a bajulação são os mesmos em qualquer contexto.

Só que, enquanto no campo social mostram-se em geral inofensivas, nas empresas carregam um interesse oculto, sempre na expectativa do “toma lá da cá”. Ao oferecer um ambiente acolhedor que permite aos puxa-sacos crescer e se multiplicar, as empresas se tornaram santuários modernos para o exercício da adulação. Pode-se falar até em carreira para eles, que começa por simplórios juniores que riem de piadas sem graça, elogiam atos insanos, e concordam com qualquer asnice dita pelo chefe, até os mais seniores, que aprendem a se anular como indivíduos para viver a vida daqueles que mandam no pedaço, e num desprendimento inédito, praticam um mimetismo que os faz se confundir com os superiores como se ambos fossem uma única alma.

Sutis, os mais tarimbados não cometem erros primários de chamar o chefe de gênio, pois sabem que o contrário é que soaria como autêntico. No entanto, adotam métodos subliminares de identificação com o dirigente da vez: copiar cortes de cabelo, hobbies, preferências, hábitos, linguagens, modo de vestir, e até assumir o mesmo time de futebol. Sem limites à submissão moral, um adulador radical é capaz de proclamar que seu filho tem a cara do chefe.

Em retribuição à eliminação da personalidade e vontade própria e o alinhamento absoluto e fidelidade canina ao patrão, ele espera dele a retribuição, de singelos sorrisos de aprovação até demonstrações explícitas como aumento de salário e promoção de carreira. Como parasita, o puxa-saco só existe porque encontra quem patrocine o seu comportamento. Isso se explica pela solidão do poder, que isola e fragiliza seus detentores e, ironicamente, os tornam emocionalmente dependentes de mercenários que topem se ajustar aos seus caprichos, opiniões e atos.

O final a gente já conhece: de tanto viver à custa da hospedeira, os parasitas acabam por matá-la. E, sem ter mais do que se nutrir, também vão para o brejo.

Fábio Steinberg

Fábio Steinberg é formado em Administração e Jornalismo. Com 35 anos de vida corporativa, atuou em cargos executivos de empresas como IBM, AT&T e TV Globo, até tornar-se consultor em comunicação. Atualmente assina colunas e escreve para diversas publicações. É autor dos livros "Ficções Reais", "Viagens de Negócios" e "O Maestro".

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