A arte de saber demitir – e ser demitido

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Nada pior, na vida corporativa, do que demitir. Ou melhor: a única coisa pior que demitir é ser demitido.

A literatura de negócios é plena de conselhos sobre como despedir alguém. Em meus tempos na Exame, publicamos várias reportagens sobre o tema. Não apenas as editei como as li pedagogicamente para mim.

Um ponto tem que ser destacado. Contrate com extremo cuidado que as chances de que você tenha que demitir alguém se reduzem consideravelmente. Converse uma, duas, três vezes. Fale, ouça, preste atenção nos detalhes.

Em minha carreira, tive que demitir mais vezes quando estava refazendo alguma revista. “Não se faz revolução sem revolução”, disse Robespierre. Mexidas na equipe, caso você queira mudar a alma de uma publicação, são inevitáveis.

Agir com humanidade é o passo essencial. Considere que você poderia estar do outro lado e este será um bom começo. Não humilhe, não diga mais que o necessário. Quase sempre, a razão efetiva de uma demissão é a troca de rumo da publicação. O demitido poderia estar perfeitamente ajustado ao projeto anterior e apenas não caber, por questões de perfil ou mesmo de convicção, no novo.

Nenhuma demissão que fiz foi, dentro das circunstâncias, tão positiva quanto a de André Singer. André, um jornalista de alto gabarito e um homem lhano e correto, era diretor de redação da Superinteressante em 2000 quando a revista foi entregue a minha supervisão. Meu plano era torná-la mais pop e abrir o leque de temas, a meu ver demasiadamente concentrado em pautas de divulgação científica.

Conversamos, tão logo assumi, algumas vezes. André e eu. Ao cabo de algum tempo, percebemos os dois que tínhamos visão diferente e inconciliável. A nova Super tinha que ser feita por uma redação que acreditasse no projeto que estava em minha mente — e que seria executado brilhantemente depois por Adriano Silva.

Cumpri todos os rituais corporativos antes de ter a conversa definitiva com André. Expus a meus chefes e ao RH os motivos de minha decisão, ouvi as ponderações e segui em frente.

“Temos um projeto diferente para a Super”, disse a André.

Ele, serena e firmemente, aquiesceu. Sabia que não faria sentido em prolongar uma história que acabaria trazendo insatisfação a ele e a mim. Contei para várias pessoas, depois, a conversa com André — para mim um exemplo de conduta altiva e sábia numa situação complicada como é a demissão.

Conhecia bem o André jornalista. Ali pude conhecer o ser humano, que passei a admirar imediatamente.

Preparei o melhor pacote de saída que me foi possível, e o apresentei a André. Ele pareceu satisfeito, e fez um único pedido adicional. Queria levar com ele o celular fornecido pela empresa. Sua agenda estava nele. Todos os seus conhecidos sabiam onde procurá-lo. André levou, evidentemente, o celular.

O número ainda estava com ele quando, alguns anos depois, nos reencontramos. Ele era o porta-voz de Lula e eu o diretor editorial da Editora Globo. André fora convidado para um almoço no prédio da editora pelos responsáveis pela área de política da revista Época. Fiz questão de participar do almoço, muito mais para rever André do que por qualquer outro motivo.

Eu tinha acompanhado, feliz, a sua ida para o governo. Sabia que, com ele, Lula se cercava de um auxiliar probo, íntegro, exemplar. Tivemos, na mesa, a conversa camarada e desenvolta de duas pessoas adultas que compartilharam um momento complexo da melhor maneira possível.

Montaigne escreveu que nada testa tão bem o caráter de um homem como sua atitude na morte. Os anos corporativos me consolidaram a convicção de que nada testa tão bem o caráter de um chefe como sua atitude ao demitir. Um líder apaixonado vai fatalmente elevar a voz em algumas ocasiões. Mas saberá empregar o tom adequado ao demitir alguém, caso seja digno. Os piores chefes que vi na vida tinham a fala mansa, mas foram capazes das maiores abjeções na demissão de funcionários.

Vi pessoas que em determinado momento se julgaram mestres de RH demitir da pior maneira possível. Jorge Nóbrega, alto executivo da Globo, mandou embora o diretor geral da Editora Globo Juan Ocerin entre o Natal e o Ano Novo. Nelson Blecher, diretor de redação da Época Negócios, despediu seu redator-chefe Ivan Martins quando ele acabara de entrar em férias e levava a sua velha mãe para uma viagem sentimental para a Espanha. (A equipe da revista foi avisada antes que Ivan, que soube na Espanha num telefonema de um amigo.) Cynthia de Almeida, então diretora editorial adjunta da Editora Globo, demitiu Hélio Gomes, editor da Galileu, poucos meses depois de tê-lo segurado quando ele recebera um convite de fora.

Líder, se eu fosse simplificar, é quem sabe demitir.

Os cortes são inevitáveis na carreira; o importante é saber lidar com eles
Paulo Nogueira

Paulo Nogueira (1956-2017) é o pai de Pedro Nogueira, editor-chefe do El Hombre. "Ele foi meu herói", diz Pedro. "E continua sendo." Ao longo da carreira, dirigiu várias revistas da Abril e da Globo. Também escreveu artigos para o El Hombre que, frequentemente, reeditamos e republicamos no site.

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