Gosto da lógica do samurai: cada dia pode ser o último. Pego essa lógica e a transporto para o mundo amoroso. Acho que os que amam deveriam viver cada dia como se pudesse ser o último.
Até porque, como tudo, um dia isso vai mesmo acontecer. Ou porque um dos dois vai se cansar do outro, ou porque ambos se cansarão do caso, ou por morte, ou pelo que for. Nada é para sempre.
Li um livro com o estranho nome de Memento Mori. É de uma escritora escocesa chamada Muriel Spark. Memento mori, em latim, significa: lembre-se de que vai morrer.
O romance gira em torno de um grupo de anciões ingleses. Uns deles recebem telefonemas anônimos em que é dito simplesmente: “Lembre-se de que você vai morrer”. Memento mori.
Um velhinho, ou uma velhinha, diz que essa reflexão deveria ser feita diariamente por quem é jovem. Parece mórbido, mas é exatamente o oposto. Quanto mais se pensa na morte, quanto mais se medita sobre ela, menos aterrorizadora ela nos parece.
Memento mori. Lembrarmo-nos de que vamos morrer é um antídoto contra esse terror de cada minuto.
E então volto ao campo das relações sentimentais. Viver cada dia como se fosse o último vai fazer você não deixar para dizer amanhã as coisas que tem para dizer para ela. Vai fazê-lo dar um beijo não automático nem monocórdio, mas intenso e definitivo.
Vai estimular um gesto de conciliação depois de uma das tantas brigas sem sentido que travamos com quem amamos. Vai conduzir você a uma floricultura para comprar flores que há tanto tempo saíram do seu decrescente repertório de gentilezas.
Vai talvez levar você até a ver com um certo encanto o ato de empurrar um carrinho de supermercado no sábado de manhã enquanto ela trata de enchê-lo lenta mas seguramente.
Viver cada dia como se fosse o último vai fazer você dar o devido valor às pequenas coisas boas que juntos os dois conquistaram e também o devido valor às pequenas coisas ruins para as quais acabaram atribuindo um tamanho desmedido.
Talvez faça você viver um eterno verão sentimental até que, e isso é inevitável, gostemos ou não, surjam diante do casal os tempos frios e cruéis do nunca mais, nunca mais, nunca mais.
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