O sobrenome Armstrong por muito tempo foi referência admirável em três dos maiores universos da humanidade: a arte com Louis; a ciência com Neil; e o esporte com Lance. Mas parte dessa admiração foi revertida (ou terminou de ser revertida) em sentimentos nada positivos após a entrevista que Lance Armstrong realizou nessa quinta-feira junto da apresentadora americana Oprah Winfrey. Nela o atleta admite que usou doping durante boa parte de sua vida profissional, inclusive na época em que venceu sete etapas do Tour de France (1999-2005), a competição mais prestigiada no mundo das bicicletas.
Em outubro do ano passado, a União Internacional de Ciclismo já havia retirado as sete vitórias de Armstrong no Tour de France e também o proibiu de participar de provas oficiais dali para a frente devido às provas de doping apresentadas contra ele. Esse foi verdadeiramente um boom. Talvez não tenhamos a noção do que Lance significa para o esporte, mas, fazendo um paralelo barato, é como se Michael Phepls, o gigante das piscinas, fosse descoberto usando substâncias proibidas para competir. É algo realmente significativo.
Lance de herói passou a vilão.
Como ele pôde fazer isso? Como pôde ter usado substâncias proibidas sem “se sentir errado”, de acordo com suas próprias palavras? E quanto aos milhões de admiradores ao redor do mundo? O que dizer para eles?
A atitude que Lance adotou representa um profundo desrespeito – ou falta de consciência – de sua parte. Eu reconheço isso. Como poderia pensar diferente? Mas reconheço também que Lance é um ser humano. E como tal, está sujeito a erros. A responsabilidade do escândalo que a atitude do atleta causou não é somente dele, mas também de quem promoveu a sua figura de ídolo.
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A cultura da criação de ídolos pode ser extremamente prejudicial à humanidade, pois normalmente eleva-se a esse status pessoas com diferenciais técnicos e artísticos, mas com consciência moral que não se sobressai, que não vai além do vulgar. E então, na primeira escorregada ética mais expressiva que o herói dá, ele logo é rebaixado à categoria de lixo humano. Mas, me diga, quem não vive em visitas frequentes ao lixão moral? Por que o ídolo deveria ser um super-homem da consciência pura? “Porque, como ídolo, ele é um exemplo para as pessoas”, alguém pode responder. Sobre isso eu tenho duas coisas a dizer.
Primeiro, é igualmente um desrespeito elevar um ser humano com desejos e paixões como todos os outros à categoria de exemplo e exigir dele o que nem mesmo nós conseguimos realizar. Segundo, você provavelmente é ídolo de outras pessoas. Filho, sobrinho, neto, afilhado, enfim, é possível que um outro alguém veja em você um exemplo a ser seguido. À personalidade do filho certamente cabe mais responsabilidade aos exemplos de um pai do que aos de um ciclista. Certo? Mas, e aí, você se preocupa com a imagem que está passando? Já reparou que seus deslizes podem influenciar enormemente o caráter de outros seres? A diferença é que sua falha não vai ser manchete no Globo Esporte – a semelhança é que será na sua consciência.
Lance, apesar do erro gigantesco – e também do que muitos pensam – ofereceu um bom material para reflexão e inspiração para todos nós: errou e assumiu.
“É lógico, depois que tudo foi descoberto”
Para mim, não importa. O que importa é que ele bateu no peito e falou: “A culpa é minha e eu mereço isso”, coisa que não se vê com facilidade. Por quê, ao invés de olhar seus equívocos, não observamos suas qualidades? A luta que ele travou ao câncer de testículo diagnosticado no meio da década de 90 (portanto, antes de se envolver com doping) é um exemplo de como superar uma dificuldade. Esse exemplo, para muitos, já é suficiente.
Enganar as pessoas em nível mundial é algo passível de críticas, com certeza. Mas o atleta, por sua natureza humana, merece perdão pelos erros cometidos. “Vou passar o resto da minha vida tentando recuperar a confiança e pedindo desculpas aos meus fãs”. A minha, se é que isso me cabe, Lance, você já tem.
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