As melhores coisas da vida a gente faz não por nenhuma necessidade, mas pura e exclusivamente porque se quer. Quanto mais supérfluo mais gostoso.
Quando fui chamado pela EL HOMBRE para cobrir o V Raid Solidário Alfa, um passeio filantrópico de carros antigos do Alfa Romeo Clube do Brasil a Campos do Jordão, fiquei um pouco indeciso. Claro que carros antigos são muito charmosos coisa e tal, mas será que valeria o sacrifício do meu final de semana?
Então veio uma informação que fez meu coração disparar: o trato é que eu iria pilotando um Jaguar XE S 2017 e degustaria um dos melhores whiskies do mundo, o The Macallan (não ao mesmo tempo, claro).
Para ser bem honesto, eu nutro uma ligeira indiferença pelos veículos de quatro rodas. Gosto mesmo é das motos. Mas “hombre” nenhum diz não para ícones como um Jaguar. Assim, sem a menor hesitação e com muita sede, me joguei nessa empreitada.
Depois de tanto tempo me dedicando somente às motos, eu tinha esquecido do quão divertido pode ser pilotar um carro desses fora do trânsito.
Que prazer inenarrável é se sentir envolto por um carro sport; sentar a poucos centímetros do solo, acelerar 350 CV de potência, fazer de 0-100 KM/H em parcos 5,1 segundos e sentir o corpo sendo jogado para trás contra o banco enquanto o motor ronca forte e com o canto do olho acompanho o ponteiro de giro subir; o coração acelera e uma sensação de poder toma conta da gente.
Mesmo vivendo numa realidade emprestada, esses momentos são muito reais. E deliciosos.
O Jaguar XE S é um carro incrível em vários aspectos, mas seus requintes eletrônicos dignos de nota, dois em especial, são quase que saídos de um filme de ficção científica.
Um deles é o head-up display, que projeta a laser as informações principais, como marcha e velocidade, diretamente no para-brisa, à altura dos olhos. Coisa de uma avião de caça.
E ainda mais impressionante que isso é o Adaptive Cruise Control com Queue Assist, que utiliza um radar para monitorar os movimentos do carro da frente, acelerando o veículo até uma velocidade pré-determinada, e freando sempre que ele se aproxima mais do que o programado do carro da frente.
Portanto, você quase não precisa usar os pés, já que o carro acelera e freia praticamente sozinho.
Sábado saímos oito horas da manhã, apesar da convenção de Genebra, que trata de crimes de guerra, proibir explicitamente que se acorde a uma hora dessas num final de semana, e fomos para um café da manhã do Alfa Clube no Shopping Iguatemi.
Senhores muito alinhados e suas máquinas maravilhosas povoavam o estacionamento, bebericando café e saboreando quitutes. Eram Mercedes, Porshes, Alfas dos mais variados tipos e até uma Corvette.
Tudo muito interessante, mas o que eu queria mesmo era rodar. E foi com alívio que soube que não precisaria andar junto com o pessoal da “Corrida Maluca”, afinal eu tinha 350CV para experimentar.
O começo foi meio tenso. Eu estava enferrujado. Era muito motor e muita eletrônica embarcada num carro extremamente baixo. Sério, devem existir lowraiders mais altos que o Jaguar XE S. Mas vendo São Paulo ficar no retrovisor os meus ombros foram relaxando e o meu apetite por velocidade aumentou.
Me dei conta que a sensação de pilotar a 120km/h num carro como esse é quase a de não sair do lugar. A emoção ficava toda para a saída do pedágio, e durava uns poucos segundos, pois de novo lá estava eu na velocidade máxima outra vez.
No que deu para fazer entre os pedágios, radares e retas da Ayrton Senna e da Carvalho Pinto, eu posso dizer que o carro anda, e freia muito, além de ser muito estável. A vontade mesmo era de levá-lo para uma pista e tentar encontrar o meu limite. Talvez numa próxima. Desta vez tive que me contentar com os limites de uma direção responsável na estrada.
Outra coisa digna de nota é que se você quiser sair acelerando é só colocar o câmbio no modo Dinâmico e todo o desempenho e a esportividade ficam à sua disposição. Mas para quem quer relaxar, o XE S 2017 também é ótimo. Você acerta o Adaptive Cruise Control e o Queue Assist, esquece os pés, põe fé no radar e segue em frente despreocupado.
E assim fomos, o Maurício Souza Leme da The Macallan e eu, conversando sobre whiskies e carros até o local do almoço.
Se de um lado o Jaguar é pura tecnologia e velocidade, do outro a The Macallan segue o caminho da tradição, e, sem pressa nenhuma, vem fazendo whiskies excepcionais desde 1824. Não é à toa que ela produz o single malt mais premiado do mundo e detém o recorde de garrafa mais cara de whisky já vendida, que alcançou a bagatela de 628 mil dólares em um leilão.
Nossa missão era levar uma garrafa do The Macallan Rare Cask para o Haras Polana, onde haveria um leilão beneficente. Quando soube quão especial era essa garrafa (que custa por volta de R$2 mil) tentei, sem muito sucesso, convencer o Maurício a deixar o leilão para lá e enxugar a garrafa imediatamente.
Para sorte do pessoal da terceira idade atendido pelo Sanatório Nossa Senhora das Mercês, que o leilão beneficiava, ele não deu muita atenção para minha grande ideia.
Já no final do dia, com o Jaguar seguramente estacionado no Grande Hotel Campos do Jordão, tive o prazer de participar do mentoring (uma espécie de aula-degustação) do whisky.
Lá provamos (e repetimos inúmeras vezes) três versões do The Macallan: o Fine Oak 12 anos, envelhecido em três tipos de barris de carvalho diferente; o Sienna, que só usa barris que já foram amaciados com Jerez espanhol; e o Ruby, uma verdadeira joia, usa somente barris especiais de carvalho espanhol amaciados com Jerez.
No mentoring, aprendi umas tantas coisas, mas para não me alongar demais vou contar só uma. O The Macallan é um dos poucos whiskies que não usam nenhum tipo de corante para atingir sua cor característica.
Isso mesmo. Aquele wiscão que você tanto preza na prateleira do seu bar tem uma grande possibilidade de ter sido tingido com caramelo. E para ter certeza o teste é simples. Mergulhe dois dedos no whisky aperte um contra o outro e deixe secar, se eles ficarem grudados é por que tem caramelo.
Mas como tudo que é doce acaba ou evapora, no dia seguinte já era hora de voltar para minha vida mundana, onde preciso me preocupar com o condomínio e tantas outras coisas desinteressantes.
Como é bom fazer tudo somente porque se quer, não?
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