Quando se fala em Alemanha, algumas coisas já nos vêm logo à cabeça: cerveja, carros, loiras e ultimamente um tenebroso 7 a 1 que vai demorar a ser esquecido.
A disciplina e a eficiência germânica são mundialmente reconhecidas e visivelmente aplicadas em quase tudo o que o povo alemão faz. Em se tratando de carros, não poderia ser diferente. As marcas alemãs são invariavelmente associadas à qualidade e admiradas por todo entusiasta que entenda do assunto.
Mas a Alemanha não é conhecida apenas por sua austeridade. Para aqueles que são aficionados por carros e velocidade ela é quase uma terra prometida. Afinal de contas, além de ser o país que fabrica grande parte dos carros mais incríveis que existem, também tem o maior “playground” do mundo para testá-los: as míticas Autobahns.
Andar em uma estrada acelerando uma BMW M5 a furiosos 300 km/h sem receber nem ao menos uma advertência das autoridades rodoviárias é o sonho de muita gente e, por muito tempo, as autoestradas alemãs levaram esta fama de terra sem lei.
No entanto, a realidade das Autobahns é bem diferente disso. Elas têm regras rígidas que são seguidas à risca por todos que a utilizam e a polícia não mede esforços para mantê-las assim. Por este motivo é que, além de serem as autopistas mais rápidas do mundo, também são as mais seguras.
Enfim, vamos conhecer um pouco mais sobre elas:
Um pouco de História
“Bahn” em alemão significa “pista”. Logo, fica fácil deduzir o resto. Na verdade não se trata de apenas uma, mas sim de um conjunto de estradas que corta o país de ponta a ponta somando um total de 12.800 km. É a quinta maior malha rodoviária do mundo, ficando atrás apenas de China, Estados Unidos, Canadá e Espanha. Elas foram idealizadas e construídas por ordem de ninguém menos do que Adolf Hitler.
No começo, eram chamadas de “Reichsautobahn” ou “As estradas do Reich”. Hitler entendia que a construção de uma rodovia que cruzasse o país facilitaria, dentre outras coisas, a movimentação de suas tropas. Assim que tomou o poder ele ordenou que as obras – que haviam começado ao final da primeira grande guerra – fossem retomadas a todo vapor.
Pouco antes do início da segunda guerra, o exército nazista já fazia uso delas. Tratava-se, enfim, de uma excelente solução. De fato, todo o projeto das interestaduais americanas (as famosas “highways”) foi desenvolvido seguindo as diretrizes utilizadas na construção das Autobahns justamente porque tinham os mesmos objetivos: agilizar o tráfego interno.
Elas têm aumentado desde então e atualmente se encontra em discussão no governo uma nova ampliação que estenderia as rodovias por toda a costa do mar Báltico. No momento, o projeto tem encontrado obstáculos por conta de controvérsias ambientais e econômicas.
Sobre os limites de velocidade
Sim, é verdade que se pode acelerar até o ponteiro grudar no canto do velocímetro. E sim, tudo dentro da lei. No entanto, a “diversão” só é permitida em alguns trechos da estrada. Na maior parte da rodovia o limite sugerido é o de 130 km/h, que já é uma velocidade respeitável.
Isso é sinalizado da mesma forma que aqui no Brasil: com uma placa redonda, de cor branca com bordas vermelhas e com o número escrito em preto ao centro. Essas placas determinam os limites.
Por ser uma estrada que passa por várias cidades, o limite tende a cair próximo aos entroncamentos, podendo chegar inclusive a parcos 60 km/h como em qualquer outra estrada. Inclusive, não é raro ver imensos congestionamentos nestes trechos, iguais aos que o paulistano observa quando vai ao litoral no final de semana.
Sinais eletrônicos espalhados por toda a rodovia avisam sobre as situações que o motorista vai encontrar mais a frente, dessa forma, ninguém é pego de surpresa. Ao ler o aviso de “Autobahn stau”, deve-se imediatamente reduzir a velocidade. Esta mensagem significa “possível tráfego pesado à frente”. E é melhor obedecer.
Os trechos onde o acelerador pode ser pisoteado sem piedade são sinalizados por placas brancas redondas e com bordas pretas, preenchidas com 5 linhas diagonais que cortam o número que indica a velocidade mínima permitida. Esse sinal indica que o motorista está entrando na área sem limite. E é sem limite mesmo!
Se você entrar nela e não estiver ao volante de um BMW, Audi ou qualquer outra fera que faça você grudar no banco do motorista, então é melhor sair da faixa da esquerda. E se mesmo andando na faixa da direita você estiver abaixo da velocidade mínima, vai ter problemas.
Multas e advertências
Sim, você pode ser multado em uma Autobahn, como em qualquer outra estrada do planeta. O que muda lá são os critérios, ou seja, a pena não recai apenas para quem for pego em alta velocidade. Quem correr nos trechos limitados ou andar abaixo do limite mínimo nos trechos livres, com certeza será multado.
A rigidez na aplicação da lei e a conscientização dos usuários faz a diferença e é por isso que a taxa de acidentes é baixa – e a mortalidade menor ainda. Toda a malha é ostensivamente policiada, tanto por viaturas padrão quanto por veículos à paisana (fora as milhares de câmeras de segurança instaladas por todos os lugares).
A faixa da esquerda é limitada apenas para ultrapassagens. Logo, todo motorista que for pego trafegando por tempo demais nessa faixa é parado e advertido. Dessa forma, garante-se que todas as pistas estarão sempre em uso e, ao mesmo tempo, haverá uma faixa livre para polícia e ambulâncias se deslocarem rapidamente em casos de acidentes.
Nunca, mas nunca mesmo, deve-se ultrapassar pela direita, mesmo que haja um carro bloqueando a faixa da esquerda. Isso só é permitido em velocidades de até 20 km/h. Caso aconteça, os dois motoristas são parados e multados.
O famoso “sinal de luz” para o carro da frente só é permitido de longe. O sujeito que “cola” na traseira do automóvel da frente piscando as luzes para forçá-lo a trocar de faixa se dá muito mal. Para as autoridades, isso é considerado coerção e quem fizer, além de pagar uma multa gigante, ainda vai para o tribunal e pode terminar preso.
Ficar sem gasolina ou deixar o carro enguiçar no meio da estrada também é considerado infração sujeita a multa. Até porque não tem desculpa para ficar sem combustível quando há postos espalhados a cada 55 km ao longo de toda a rodovia e mais de 700 oficinas que funcionam 24 horas por dia a cada 50 km.
Existem telefones de emergência instalados a cada 2 km (isso mesmo, 2 km) e se não tiver jeito mesmo, deve-se colocar um triângulo a 200 metros do carro e chamar logo por socorro. De fato, tirando os casos de pane ou acidente, é expressamente proibido parar em qualquer ponto da rodovia.
Curiosidades
Nenhum veículo que ande a menos de 60 km/h pode trafegar na Autobahn. A menos que este seja um caminhão muito grande e que transporte cargas muito pesadas. Eles são permitidos, desde que levem consigo um adesivo com o número “62”, informando a todos sobre seus limites de velocidade.
Aliás, caminhões são os únicos veículos que pagam pedágios nas Autobahns. As demais máquinas são liberadas.
Todos os automóveis na Alemanha precisam estar equipados com um kit de primeiros socorros (um de verdade, diga-se de passagem) e, para conseguir uma habilitação, o condutor tem de passar por um curso de primeiros socorros.
Omissão de socorro é crime grave e fica ainda pior se quem se omitir for médico. Lá, por lei, em caso de acidente, todos têm o dever de ajudar – ao menos até a equipe de socorro chegar.
Talvez a maior curiosidade de todas seja a maior velocidade já registrada em uma Autobahn. Se alguém se arriscou e apostou que o recorde foi cravado por algum foguete moderno, se enganou. O número foi estabelecido em 1938 (é, isso mesmo), quando um maluco chamado Rudolf Caracciola, dirigindo um Mercedes Benz W125 equipado com um motor V12, bateu impressionantes 432,59 km/h.
Quer se impressionar ainda mais? O segundo colocado, que chegou logo atrás deste aí, era um outro louco chamado Rosemeyer que dirigia um Auto Union Streamliner construído por Ferdinand Porsche. Ele tinha um motor V16 com mais de 400 cavalos de potência que o levou a encostar nos 432 km/h.
Depois disso, o carro, que era muito leve, pegou um vento cruzado de frente fazendo Rosemeyer perder o controle e se espatifar às margens da pista. Para quem não acredita, aí vai o link com os 10 “recordistas”.
Muito mais do que autopistas modernas, as autobahns são exemplos do que é possível ser feito quando se tem um time de engenheiros de primeira trabalhando ao lado de um povo instruído e consciente.
São exemplos como estes que mostram que não basta apenas multar, apinhar as estradas com radares ou derrubar limites de velocidade pelo país afora, mas sim investir na única ferramenta que nos possibilitará, no futuro, chegar até este nível de excelência: a educação.