Moda e cinema têm dialogado ao longo de décadas, estabelecendo, de certa forma, uma parceria que constrói identificações, cria tendências, inspira comportamentos e propõe relações.
Sim, as relações se constituem a partir da leitura de signos, e muitos deles se traduzem na forma como nos vestimos e, consequentemente, nos expressamos diante do outro, marcando um grau de aceitação ou rejeição. Este olhar parece frio e seletivo? O ser humano é seletivo por natureza! Estaríamos enganando aos outros e a nós mesmos se dissessemos que o campo visual construido pelas vestimentas não é produto e produtor de nossas referências e reações.
Algumas épocas eram definidas por um ou dois padrões de comportamento masculino, ou seja, de modelo do homem que exercia uma efetiva atração ou, no minímo curiosidade, diante do universo feminino. Hoje os padrões se desfizeram, se sincretrizaram ou se caracterizam por uma certa autonomia criativa. Mas criatividade à parte, ou inserida no contexto, cada homem compõem sua personalidade e a expõe (sutil ou declaradamente) através do que veste.
Tudo bem! Você é daqueles que acaba de levantar a sobrancelha ou torcer o nariz, simplesmente porque seu guarda-roupa é eclético? Eu não disse que um homem não pode ser vários homens, dependendo da ocasião. Calma, também não estou dizendo que você tem múltiplas personalidades. Apenas que você pode ser versátil, com uma incrível capacidade de se adaptar a cada momento, e se vestir de acordo com a sua postura diante dele. Afinal, aquilo que veste você é, na verdade, aquilo que o despe diante dos outros, sinalizando sua forma de ser e estar.
O cinema é uma comprovação disso, pois o figurino trabalha na construção da verossimilhança de três elementos que atuam na sua narrativa, marcando a personalidade do personagem, a época em que a trama se insere, e o espaço geográfico onde a cena acontece.
Ainda assim, nem sempre os figurinos do filme assinam uma fidelidade histórica, retratando com exatidão o tempo em que se desenvolve o enredo. Às vezes eles, embora inspirados na moda da “data” do filme, sofrem umas pinceladas de estilo, dado pela figurinista, com intenção de priorizar a beleza cênica. Outras vezes, o figurino funciona simplesmente como uma ferramenta simbólica, e atua como linguagem de fragmentos de estado de espírito ou da dramaticidade da cena.
Bem, eu tenho uma proposta a fazer: vou levar você a um passeio pelos registros das telonas, para que se divirta, observe e se inspire! Sabe, eu penso que nada se cria, tudo se recria a partir do que colhemos do universo externo, e adptamos ao nosso universo interno. Você concorda? Então vamos:
Não dá para negar que uma das grandes “revoluções” na forma de vestir masculina, como linguagem da emersão de um novo comportamento, está simbolizada em dois filmes da década de 1950. Lucinda Ballard (indicada ao Oscar de Melhor Figurino), veste o personagem Stanley Kowalski (Marlon Brando), um homem que, apesar de grosseiro, pulsa uma certa sensualidade, de jeans e camiseta, em Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire, 1951), sob a direção de Elia Kazan.
Mas é com James Dean, em Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955), dirigido por Nicholas Ray, que o topete de Jim (seu personagem), a t-shirt branca, o blue jeans e a jaqueta de couro (figurino de Moss Mabry), se tornam parte da linguagem dos jovens descolados.
Por ser um tecido resistente, de baixo custo, o jeans apenas era usado pelos trabalhadores das minas e das fazendas, até que James Dean lhes deu uma cara de rebeldia fashion, e então eles foram invadindo o guarda-roupa masculino, aderidos também pelas mulheres, com o tempo.
Ainda sob a bandeira da rebeldia, o cult Os Selvagens da Noite (Warriors, 1979) é um espetáculo à parte onde os trajes das gangues (sob a batuta de Bobbie Mannix e Mary Ellen Winston) dominam a tela. Ainda temos os jeans e as camisetas, mas aqui eles se apresentam velhos e rasgados. O couro aparece nos coletes, com a clássica caveira nas costas identificando a gangue. E os uniformes e tacos de baseball?
E já que falamos em gangues, vamos para o new look de Amor, Sublime Amor (West Side Story, 1961), onde os Jets e os Sharks (gangues rivais) além de nos embalarem com uma belíssima trilha no traço de coeografias que são expressivos diálogos, pontilha as cenas com o colorido figurino de Irene Sharaff. Dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins, este filme, criador de um novo padrão para os musicais (incríveis movimentos de câmera), arrebatou nada mais nada menos do que 10 Oscar, incluindo o de Melhor Figurino.
Cores, coreografia, figurinos, Sharaff, Oscar… Juntamos tudo, e o que temos? A fantástica transição de cores, artisticamente aplicada aos cenários e figurinos do número final de Sinfonia de Paris (An American in Paris, 1951).
Há a brilhante coreografia de Gene Kelly (protagonizada por ele e Leslie Caron) conduzida pela composição orquestral de George Gershwin, a impecável direção de Vincent Minelli, as telas inspiradas em renomados pintores e, é claro, o genial talento de Sharaff na criação dos figurinos, o que a contemplou com um dos 6 Oscar que este filme recebeu.
Iniciando e finalizando esta sequência, temos Gene num preto total (note que embora as calças fossem mais folgadas, normalmente o tronco era desenhado por camisetas justas), apenas cortado pela gola da blusa e pelas meias brancas, conceito que, mais tarde é repetido por Michael Jackson.
Calças e sapatos pretos, com meias brancas? Ou de qualquer outra cor que quebre a paleta construida pelas outras peças. Basta que você tenha atitude para isso. Mas é claro que num conceito mais moderno e irreverente, jamais para os clássicos.
Quando se fala em elegância clássica, o cinema nos presenteia com várias referências inesquecíveis, mas talvez você se lembre imediatamente, assim como eu, do agente 007, cujos ternos cheios de estilo eram a parceria perfeita para a sua personalidade sedutora. E talvez, assim como eu já sonhei esbarrar num James Bond, você tenha incorporado todo o charme que o identifica.
Sean Connery foi o primeiro a interpretá-lo, em 1962, no 007 Contra o Satânico Dr. No, com um visual confeccionado pelo inglês Anthony Sinclair, cujo terno mais acinturado e com dois botões, apesar de elegante não tinha ainda uma linha fashion.
Entre 007 – Viva e Deixe Morrer (Live and Let Die, 1973) e 007 – Na Mira dos Asassinos (A View To a Kill, 1985) o agente esteve sob a atuação de Roger Moore, sem perder a elegância nos gestos ou nos trajes, mas os ternos apareciam com menos frequência, dando espaço para jaquetas e blazers, predominando os tons castanhos e esverdeados.
O fashionismo apareceu com George Lazenby, nota-se uma paleta de cores mais diversificada, e os ternos começam a dividir a cena com peças mais esportivas, como jaquetas e blazers.
Tivemos ainda Timothy Dalton, adotando um look mais discreto, e onde muitas vezes a gravata era substituida pela sedutora descontração da camisa levemente desabotoada.
Mas foi no ano de 1995, com Pierce Brosnan em 007 – Contra GoldenEye, que a figurinista Lindy Hemming resolveu adotar a alfaiataria italiana de Brioni.
Não considero nenhum destes figurinos ultrapassados, afinal clássico e estilo é uma fórmula infalível, mas um estouro mesmo, daqueles que hipnotiza os olhares femininos, e marca presença (mesmo que disfarçada) no sonho de consumo masculino, é a grife Tom Ford, que passa a vestir Daniel Graig a partir de Quantum of Solace (2008), com uma modelagem mais ajustada ao corpo.
Em 007 – Operção Skyfall (2012), Bond exibe no pulso um Omega Seamaster Planet Ocean, nos pés, Crockett&Jones Alex, óculos escuros, abotuaduras e ternos Tom Ford.
A propósito de grifes, não podemos esquecer Al Capone (Robert De Niro), vestido por Giorgio Armani, (Marilyn Vance foi a responsável pelo figurino, e recebeu uma nomeação ao Oscar) na magnífica obra de Brian De Palma, Os Intocáveis (The Untouchables, 1983).
A elegância sóbria do estilista italiano também fez (em parceria com Louise Forgley) de George Clonney, seu garoto propaganda, através do personagem Danny Ocean, em Treze Homens e Um Segredo (Ocean’s Thirteen, 2007).
Poderíamos dizer que o figurino de Robet de Niro (em Intocáveis) é, de certa forma datado, já que este foi copiado com exatidão dos ternos que Al Capone usava nos anos 1930. Eu continuo insistindo que elegância e estilo são atemporais, mas se você quer algo que possa trazer à risca para os dias de hoje, sem qualquer receio de se sentir out, vamos dar uma olhada nos Armani que vestiram o personagem Julian Kaye (Richard Gere) em Gigolô Americano (American Gigolo, 1980).
Sim, eu sei que já se vão quase 4 décadas, mas repare como os ternos desestruturados (em linho italiano), as lapelas e gravatas mais finas, e a diversidade na combinação de tons, são presenças constantes nas vitrines atualissímas.
E já que andamos pelas avenidas do casual chic, podemos visitar a Itália do pós-guerra, para ver o trabalho que Ann Roth e Gary Jones fizeram, ao vestir Tom Ripley (Matt Damon) em O Talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley, 1999). As roupas, na maioria tendendo mais para uma temática náutica, são marcadas por uma elegância voltada para a simplicidade, e percebe-se que, à medida que Ripley vai incorporando a cultura europeia, suas escolhas vão se tornando mais clássicas.
Observando Ripley, eu vejo alguns traços do estilo hipster (ainda que não seja proposital), e percebo que não posso cometer a falha de deixar de convidar você a passear por Ela (Her, 2013) e, quem sabe, inspirar-se no look um tanto desalinhado (embora certinho) de Theodore (Joaquin Phoenix).
Repare como sua personalidade onde se mescla a introspecção com uma incrível sensibilidade, está perfeitamente espelhada nas peças retrô que compõem seu vestuário, com toda a discreta e criativa elegância dos blazers, suéters, camisas xadrez, óculos de armação grossa, calças de alfaiataria (neste caso com cintura alta, modelagem que já podemos constatar na assinatura Brioni) e, é claro, o cabelo desalinhado em parceria com o bigode não aparado completam este visual.
Num estilo mais minimalista (cores neutras e formas sem muitos detalhes), nós temos a parceria do diretor Quentin Tarantino com Betsy Heimann, em Cães de Aluguel (Resevoir Dogs, 1992), e dois anos depois vestino Vincent (John Travolta) e Jules (Samuel L. Jakson) no famoso Pulp Fiction: Tempos de Violência.
Apressando o passo… aliás, pulando e um extremo ao outro, chegamos ao excêntrico guarda-roupa da gangue Drugues em Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), icônico filme de Stanley Kubrick, com figurino de Milena Canonero. Em todo o trabalho de criação desenha-se uma atmosfera de contradições, assim como são contraditórios alguns comportamentos da gangue e suas roupas.
Há a predominância do branco nas camisas e nas calças, insinuando uma certa pureza, ao mesmo tempo que existem outros elementos simbólicos, denotando violência e sexualidade explícita. No entanto, neste figurino futurista, inspirado no pré-punk da transição dos anos 1960 para 1970, vários acessórios podem dar um ar de excentricidade a um visual mais contemporâneo, como os suspensórios, a bengala, o chapéu de côco…
Ainda num visual, digamos, ousado e aventureiro, chega Indiana Jones (Harrison Ford), com seu chapéu Fedora, jaqueta de couro, camisa safari, calças no modelo usado pelos oficiais na marinha dos Estados Unidos durante a Seguda Guerra Mundial, e nos pés Boot Indy.
Para arrematar, uma peça que vem sendo remodelada ao longo dos tempos, passando por Casablanca, Blade Runner e Dick Tracy (entre outros), respectivamente com Humphrey Bogart, Harrison Ford e Warren Beattly: o sobretudo (ou capa) estilo investigador. Um elemento básico, para você que mora (ou visita) em regiões com invernos mais rigorosos.
O cinema é uma inesgotável fonte de referências em moda e comportamentos, um amplo roteiro de viagens pelo diverso e complexo universo masculino. Aproveite para se divertir, observar e se inspirar!