Como a fofoca pode arruinar uma carreira

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Imagine uma típica família reunida em torno da mesa para uma refeição. Antes de se deliciar com o prato do jantar, o casal ocupa vários minutos a falar sobre o estilo de vida dos vizinhos. Críticas mordazes são disparadas sob o olhar atento do pequeno filho de sete anos. Essa é a rotina daquela casa. Falar mal da vida alheia é o esporte favorito deles. A criança cresce enquanto absorve esse modelo de relações humanas. Para ele, fofocar é tão natural quanto comer, dormir ou tomar banho.

Passados vários anos, o menino de sete anos viram um jovem de vinte e dois. Diploma superior devidamente conquistado, ele conseguiu a tão desejada vaga de trainee numa multinacional. Começar a carreira de forma tão vitoriosa e promissora é privilégio de poucos.

Mas o sonho se viu arruinado, após cerca de 18 meses. Infelizmente, o ditado popular que afirma que o “costume de casa vai à praça” fez-se mais uma vez verdadeiro. Aquele jovem trainee se viu enredado no olho do furacão de uma complexa rede de intrigas e fofocas que contaminava o ambiente de trabalho, tal qual doença infecto-contagiosa. (Alguns gostam de chamá-la de “rádio corredor” outros de “rádio peão”. Também já me deparei com a “peao.net”, preferida pelos mais chegados à tecnologia.)

O RH da empresa ainda tentou por várias vezes tratar o problema, através de sucessivos feedbacks. Todas as vezes ele se comprometia a encerrar o assunto, mas era difícil parar de se preocupar com a cirurgia plástica da colega, a vida amorosa do diretor recém-separado ou ainda o novo carrão importando do gerente de compras. Mas a gota d’água foi vazar informação sigilosa para amigos que trabalham na concorrência.

Demissão foi a saída — e por justa causa.

É dificílimo fazer um ser humano adulto se livrar do vício da fofoca. Tal qual as drogas que povoam matérias policiais, a fofoca é capaz de provocar síndrome de abstinência e recaídas constantes.

Passados vários meses, aquele profissional de quase 24 anos ainda luta para se recolocar. Agora, ele não se enquadra mais no perfil de trainee, pois já tem mais de dois anos de formado. Algumas oportunidades surgem, mas nenhuma tão boa como aquela primeira. Sente-se arrasado ao concluir o vigésimo processo seletivo, sem conseguir uma vaga. Acha que o universo está conspirando contra. Mas foi uma vítima de suas atitudes, alimentadas por uma herança perversa aprendida em sua casa, em volta da mesa.

Espero que esse relato fictício das desventuras de mais um locutor da “rádio corredor” sirva de alerta para aqueles que ocupam tempo produtivo, dando ouvidos e repassando boatos, fofocas e rumores. A tolerância das empresas está minguando rapidamente. Fofoqueiros contaminam o clima, sabotam o espírito de equipe e espalham a discórdia. Para não arruinar seu futuro profissional, é melhor se afastar da fofoca e de seus praticantes.

Ser mais um locutor da “rádio corredor” muitas vezes resulta nisso
Flávio Emílio Cavalcanti

Flávio Emílio Cavalcanti é professor universitário, consultor organizacional, administrador e mestre em Gestão de Recursos Humanos.

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