InícioAtitudeComo a rivalidade entre Thomas Jefferson e Alexander Hamilton mudou a história dos EUA

Como a rivalidade entre Thomas Jefferson e Alexander Hamilton mudou a história dos EUA

O seguinte texto foi  publicado pela revista Time, foi escrito pelo historiador e professor universitário John Ferling Jefferson, autor do livro Jefferson and Hamilton: The Rivalry that Forged a Nation, que explora a rivalidade entre os pais fundadores Alexander Hamilton e Thomas Jefferson.

Ao pensar em grandes rivalidades americanas, as disputas entre Abraham Lincoln e Stephen Douglas, Lyndon B. Johnson e Robert F. Kennedy, ou mesmo entre Bill Gates e Steve Jobs, podem vir à mente. No entanto, nenhuma destas — ou qualquer outra rivalidade da história americana, aliás — foi tão fervorosa e causou mais transformações dentro do país do que a coexistência extremamente competitiva entre Alexander Hamilton e Thomas Jefferson.

Pois, por mais que tenham debatido questões de política econômica e externa como muitos políticos que os sucederam, o que estava em jogo não era nada menos que a formação de uma nova nação. E ambos estavam cientes disso.

Antes de George Washington nomeá-los para seu gabinete — Hamilton como secretário do Tesouro e Jefferson como secretário de Estado — eles mal se conheciam. Inicialmente, os dois mantiveram uma relação cordial. Jefferson convidou Hamilton para jantar em algumas ocasiões, e raramente entraram em conflito durante seu primeiro ano na administração. No entanto, nunca foram amigos. Com uma diferença de doze anos — Jefferson tinha 47 e Hamilton 35 em 1790 —, eles não poderiam ser mais diferentes em temperamento. Hamilton era extrovertido e franco; dominava qualquer sala. Jefferson, amável e erudito, era calmo e reservado.

Profundas diferenças filosóficas, contudo, rapidamente os colocaram em oposição e deram início a uma rivalidade histórica.

Na visão de Jefferson, um governo centralizado era simplesmente uma tirania à moda europeia prestes a ressurgir. Influenciado por sua criação na agrária Virgínia, ele sonhava com uma sociedade de proprietários agricultores que controlavam seu destino. Enquanto uma economia manufatureira era impulsionada pela ganância, uma república baseada no agricultor proprietário manteria “acesa aquela sagrada chama” da liberdade pessoal e virtude.

Hamilton, claro, ascendera meteoricamente no mundo do comércio urbano. Naturalmente, acreditava que uma economia mercantil próspera semearia oportunidades para todos. Além disso, produziria um povo filantrópico, conhecedor e empreendedor. Jefferson chegou a equiparar cidades a “grandes feridas”, mas, aos olhos de Hamilton, elas eram pontos focais da saúde societal, fornecendo uma base para a criação de riqueza, consumismo, artes, inovação e iluminação. Um embate entre os dois Pais Fundadores era inevitável.

O programa econômico instituído pelo secretário do Tesouro desencadeou as suspeitas de Jefferson, mas não foi até ele descobrir o que Hamilton havia pregado na Convenção Constitucional que ele montou todo o quebra-cabeça. Jefferson encarou como perigoso o impulso de Hamilton em fortalecer o governo central e a presidência e detectou uma intenção de garantir a influência do “interesse financeiro” sobre o Congresso e promover o crescimento de uma classe burguesa emergente. Tudo isso ameaçaria o republicanismo e o modo de vida agrário. Jefferson estava convencido de que, em breve, o hamiltonianismo produziria na América as mesmas causas e efeitos malignos que ele testemunhara na Europa: estratificação social rígida levando a uma pobreza massiva e vasta miséria urbana.

Ele respondeu organizando o Partido Republicano. Jefferson também contratou Philip Freneau, um talentoso escritor com uma inclinação para a sátira, para dirigir um jornal de oposição, o National Gazette. E denunciou Hamilton a Washington, relatando que seu rival elogiou o governo britânico enquanto chamava a Constituição de algo “indeciso” destinado a ser substituído por algo melhor. Hamilton, Jefferson alertou, secretamente planejava restaurar a monarquia na América. Já havia um “esquadrão corrupto” de hamiltonianos no Congresso envolvidos em especulação financeira, desprezando os limites constitucionais do poder governamental. Washington, contudo, não se comoveu; ele acreditava em seu ex-assistente e no caminho econômico que este havia traçado, um que deixaria o país “próspero e feliz”.

Hamilton contra-atacou os avanços de Jefferson estabelecendo seu próprio partido, os Federalistas. Ele negou estar planejando uma monarquia americana, dizendo que apenas um “louco” tentaria tal coisa, e sugeriu a Washington que Jefferson era o que tinha planos vis: tornar-se presidente e erradicar o atual programa econômico. Era também Jefferson, movido por “paixões violentas” e uma filosofia “insana e perigosa”, quem queria substituir a Constituição.

Apesar de suas infindáveis disputas, ambos concordavam em dois pontos cruciais. Quando Washington expressou o desejo de se aposentar após um mandato, ambos o incitaram a continuar. E, quando a Revolução Francesa evoluiu para uma guerra europeia mais ampla, estiveram unidos na opinião de que a América deveria se manter neutra. No entanto, em 1793, com a Grã-Bretanha sendo arrastada para o conflito, um fervor emergiu nos Estados Unidos que, nas palavras de Jefferson, questões domésticas “nunca poderiam despertar”. Hamilton, reconhecendo a essencialidade do comércio com a Inglaterra para a economia nacional, aconselhou o apoio à Grã-Bretanha. Já Jefferson viu Hamilton como “tomado pelo pânico” devido ao sentimento pró-francês dominante na América. Ele, por outro lado, se sentiu revigorado por tal apoio, interpretando-o como um sinal de que “o antigo espírito de 1776 estava sendo reacendido”, o que, em essência, interpretou como prova de que os dias do hamiltonianismo estavam contados.

Jefferson deixou o gabinete e se aposentou da vida pública em 1794, seguido por Hamilton um ano depois. Este, convencido de que o “filósofo de Monticello” (nota da tradutora: Monticello era o nome da propriedade de Thomas Jefferson na Virgínia) permanecia obcecado pela presidência, nunca esperou que a aposentadoria de Jefferson perdurasse. Contudo, durante seus três anos de reclusão, Hamilton pouco falou publicamente sobre a rivalidade dos dois, mantendo-se silencioso mesmo perante rumores sobre o suposto relacionamento de Jefferson com uma de suas escravas. Jefferson, por sua vez, também não comentou quando o caso extraconjugal de Hamilton com Maria Reynolds veio à luz em 1797.

Tal como Hamilton previra, Jefferson se candidatou à presidência em 1796. Durante a campanha, ele sofreu incessantes ataques dos Federalistas, que o retratavam como um hipócrita — um elitista que falsamente propagava noções de igualdade. Jefferson acabou derrotado por John Adams, tendo que se contentar com a vice-presidência. Dois anos depois, acontecimentos perturbadores emergiram, mais alarmantes para ele do que as políticas econômicas de Hamilton. Incentivado pelo “conflito frio” entre América e França, o Congresso promulgou os Atos de Alienação e de Sedição, medidas repressivas desenhadas pelos Federalistas, incluindo Hamilton. Jefferson rotulou a legislação como “detestável” e “digna dos séculos VIII ou IX”, descrevendo o governo Federalista como um “reinado de bruxas”. Esse “reinado” tornou-se ainda mais ameaçador quando o Congresso determinou a criação de um grande exército permanente, comandado por Hamilton, com o auxílio de Washington. Ao proclamar Hamilton como “nosso próprio Bonaparte”, Jefferson previu que as tropas federais seriam usadas contra dissidentes domésticos.

Jefferson concorreu à presidência novamente em 1800, e Hamilton, mais preocupado em derrotar John Adams, com quem nutria uma relação de animosidade e não podia explorar, falou pouco contra seu eterno adversário. Contudo, quando a eleição resultou em um empate com Aaron Burr, Hamilton apoiou Jefferson, argumentando que ele era “capaz e sábio”, embora sua filosofia política fosse “tingida de fanatismo”. Quase imediatamente após o desempate em favor de Jefferson, Hamilton voltou ao seu tom combativo, alegando em diversos artigos que o novo presidente tinha intenções de destruir a Constituição. Jefferson ignorou as acusações, talvez por acreditar que Hamilton e seu grupo estavam perdendo força.

Dentro de quatro anos, Hamilton estaria morto, mas Jefferson não se regozijou. Até o final, ele só falou generosamente sobre o homem com quem nutrira tão longa e intensa rivalidade. Eles “pensavam bem” um do outro, disse ele. Além disso, Hamilton era um “personagem singular” de “compreensão aguda”, um homem que fora “desinteressado, honesto e honrado”.

A vitória eleitoral de Jefferson em 1800 foi um marco significativo, por ele apelidada de “revolução de 1800”. Nos 25 anos seguintes, muitas de suas visões iniciais de 1776 se concretizaram. Os Estados Unidos emergiram como uma democracia igualitária, abrindo caminho para a eliminação das hierarquias sociais que marcaram a era colonial. Com terras federais agora mais acessíveis para compra, uma porção significativa da força de trabalho migrou para a agricultura.

Entretanto, Hamilton provavelmente teria ficado desconfortável com algumas dessas mudanças. Em sua última carta, ele expressou sua visão pessimista da democracia, referindo-se a ela como “nossa verdadeira doença” e chegando a descrevê-la como um “veneno” (nota da tradutora: Hamilton apoiava o sistema republicano, que se diferencia da democracia pura e simples). No entanto, é provável que ele tivesse se regozijado com a transformação da América em uma sociedade capitalista moderna. Em duas décadas após sua morte, as cidades americanas cresceram em ritmo acelerado, e os bancos proliferaram. Em diversas cidades do nordeste, a paisagem econômica mudou drasticamente; as pessoas eram agora mais propensas a trabalhar em uma fábrica do que a possuir e cultivar terras.

É indiscutível que, excetuando-se George Washington, ninguém teve um impacto tão profundo na fundação e desenvolvimento da nação americana quanto Hamilton e Jefferson. Suas visões contrastantes são como as duas hélices de uma molécula de DNA, interligadas e entrelaçadas através da história americana. Jefferson, com seu espírito revolucionário, imortalizou o ideal dos direitos humanos na Declaração de Independência, servindo de inspiração para inúmeras nações ao longo dos séculos. Hamilton, por outro lado, construiu a base para um Estado moderno e centralizado, dirigido por um poderoso executivo.

As influências de ambos, Hamilton e Jefferson, são palpáveis até hoje, não só na América, mas também em diversas partes do mundo. No entanto, observando a América contemporânea, é possível identificar uma marca mais pronunciada de Hamilton, com sua ênfase no poder central, economia capitalista e modernização.

Camila Nogueira Nardelli
Camila Nogueira Nardelli
Leitora ávida, aficcionada por chai latte e por gatos, a socióloga Camila escreve sobre desenvolvimento pessoal aqui no El Hombre.