Há pouco, li aqui no El Hombre a matéria de meu colega Felipe Lex a respeito de bonecas japonesas surrealmente parecidas com mulheres de verdade. Uma ideia ousada, realizada com maestria por um povo conhecido por sua genialidade e perfeccionismo.
A cadeia associativa em minha mente prosseguiu, e imagens saltaram aos meus “olhos”. Lembrei-me das Lolitas – mulheres que se vestem como bonecas de desenhos Animes – e também de outra matéria, aqui do ELH, sobre pessoas espalhadas pelo mundo que, por meio de processos cirúrgicos e outras bizarrices, procuram parecer-se com bonecos e personagens da ficção.
Não mais são os “brinquedos” que se assemelham ao humano, mas sim mulheres e homens que procuram pela beleza plástica de um boneco.
Em uma rápida pesquisa pela internet, deparei-me com um número espantoso de pessoas que se empenham em parecer personagens da ficção.
No Brasil, o mineiro Celso Pereira Borges (mais conhecido nas mídias sociais por seu nome artístico, Celso Santebañes), de 20 anos, já fez quatro cirurgias plásticas para se tornar parecido com o boneco Ken, “namorado” da Barbie. Em Nova York, Justin Jedlica tem a mesma meta de Celso.
Enquanto isso, a russa Lolita Richi e a ucraniana Valeria Lukyanova disputam o posto de mulher mais parecida com a própria Barbie. Já o estilista filipino Herbert Chavez passou por várias intervenções cirúrgicas para ficar parecido com heroico Superman. Para atingir seu propósito, conseguiu até mesmo clarear o tom moreno de sua pele.
Mesmo sem a pretensão de sugerir diagnósticos para pessoas que não me pediram isso, parece impossível não associar esses comportamentos a uma espécie de variação do quadro de dismorfia (ou dismorfofobia, caracterizada pelo medo da feiura), no qual a pessoa se torna patologicamente preocupada com uma característica física imaginada ou pouco perceptível de seu corpo, mas que ganha enorme destaque.
A atenção excessiva voltada à própria aparência costuma ser associada ao transtorno obsessivo compulsivo (TOC), à ansiedade e à depressão e, nos casos mais graves, ao risco de suicídio.
Surpreendentemente, o problema é bastante comum. Estima-se que, em variados graus, atinja aproximadamente duas em cada dez pessoas. Aqui não pensarei naquele que, apesar de seu nariz ser absolutamente comum, acha-o abominável e o “conserta” cirurgicamente; mas sim nas pessoas que se empenham tanto (empregando tempo e dinheiro) para se transformar em seus modelos de beleza e perfeição, que se tornam verdadeiros bonecos, quando não figuras deformadas.
O diagnóstico de dismorfia pode ser um desafio, pois os sintomas se assemelham a uma vaidade excessiva, atualmente comum a homens e mulheres. Uso excessivo de cosméticos para disfarçar imperfeições, dietas inconsequentes, bulimia, anorexia, exercícios descomedidos, uso de anabolizantes, inúmeras intervenções cirúrgicas para melhora exclusivamente da estética são algumas das características destes que sofrem com o transtorno da imagem corporal.
Sua causa é bastante discutível e propõe-se que tenha origem em traumas psíquicos. Pode ser gerada por uma baixa auto-estima, vivências traumáticas de abandono e grande necessidade de aprovação, levando a uma autocrítica destrutiva.
O tratamento está no rápido diagnóstico e, com isso, procura por auxílio específico como: consultar-se com um médico (é comum o uso de medicamentos para apoio dos sentimentos depressivos que acompanham o quadro), realizar psicoterapia para descoberta das causas, frequentar grupos de apoio especializados.
É importante estar atento, pois grande parte das pessoas que sofrem de dismorfia não se aceita portador deste diagnóstico. Justificam-se como “vaidosos” e classificam-se positivamente quanto a cuidar da aparência.
No entanto, a condição é fonte de grande sofrimento e angústia. É como se, apesar de todas as intervenções cirúrgicas, físicas (malhação e emagrecimento) e cuidados estéticos, nada fosse o bastante. Haverá sempre um grave erro a ser consertado.
Outra importante característica de pessoas que sofrem com o transtorno da imagem corporal é que a opinião deste a respeito de sua própria aparência não é compartilhada pela opinião geral do meio em que vive. O paciente não se enxerga como normal, e insiste em sua ideação de inadequação física, resistente a argumentações.
Talvez até exista alguma beleza nas expressões forjadas e simétricas dos bonecos (ou pessoas?). Mas lhes falta algo fundamental: vida.
Há graça nas nuances e imperfeições de nós mesmos. É claro que não abomino a busca pelo melhor que há em nós. Eu mesma confesso que anseio escrever textos cada vez mais interessantes do que os anteriores, ouvir com mais precisão o que é dito pelas pessoas que atendo em meu consultório e, de forma geral, ser mais tolerante comigo e com os outros.
O problema surge quando o desejo de se superar se transforma em obsessão e o que temos (ou podemos construir subjetivamente) não basta, tornando-se preciso buscar referenciais externos – e, em certos casos, transformar-se neles.
O problema não está no apelo social para que sejamos sempre belos, jovens e felizes. É sempre ser belo, sempre estar jovem e sempre ser feliz. O sempre sempre cansa e desencanta.
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