O seguinte texto, que gira em torno da estratégia estoica desenvolvida pelo filósofo Epicteto para superar um coração partido, foi publicado originalmente no site The Marginalian, pela redatora Maria Popova. Caso seja fluente em inglês e deseje ler o texto original, ele se encontra aqui.
Do contrário, continue conosco e esperamos que aproveite o aprendizado.
Séculos antes do filósofo americano Ezra Pound escrever um tratado sobre como escrever poesia, e do também poeta Edward Hirsch escrever outro sobre como lê-la, o escritor e filósofo francês do Iluminismo, Voltaire (21 de Novembro de 1694 – 30 de Maio de 1778) elencou conselhos inestimáveis sobre a arte da escrita poética em uma carta dirigida ao seu então protegidom, um jovem galante e cosmopolita chamado Claude Adrien Helvétius.
Duas décadas depois, Helvétius viria a escrever o livro De l’esprit, cujo materialismo cru despertaria grande aversão em Voltaire. Contudo, na sua juventude, Helvétius almejava viver como poeta. Após publicar um livro de poemas sobre felicidade e amor, intitulado Epistles, que recebeu uma recepção crítica bastante desfavorável, Helvétius procurou Voltaire em busca de feedback e encorajamento, os quais seu mentor prontamente forneceu.
A carta, encontrada na compilação de 1919 Voltaire in His Letters: Being a Selection from his Correspondence, é uma obra-prima de conselhos, não apenas sobre como escrever poesia ou como escrever bem em geral, mas também, como Ursula K. Le Guin advertiu três séculos depois, sobre os perigos de escrever em busca de ganhos comerciais e para agradar uma audiência, em vez de seguir a própria visão criativa:
Meu caro amigo – amigo da Verdade e das Musas -, sua “Epístola” está repleta de um raciocínio audaz, à frente de sua época e muito mais avançado do queo daqueles tímidos escritores que rimam para os livreiros e se limitam ao escopo de um censor real que ou é ciumento deles, ou mais medroso do que eles próprios.
O que são eles a não ser aves miseráveis, com as asas aparadas, que, desejando voar, estão sempre caindo de volta à terra, fraturando as patas! Você tem um gênio destemido e sua obra cintila com imaginação. Prefiro, de longe, seus generosos defeitos às mediocridades encantadoras com as quais estamos saturados. Se me permite dizer onde acredito que possa aprimorar-se em sua arte, diria: cuidado, ao tentar o grandioso, para não ultrapassar a marca e cair no exagerado: use apenas metáforas verdadeiras e tenha certeza de usar sempre a palavra exata.
Posso lhe dar uma pequena regra infalível? Aqui está ela. Mesmo quando um pensamento é justo e nobre, algo ainda resta a ser feito com ele: verifique se a forma como você o expressou em verso seria eficaz em prosa; e se o seu verso, sem o ritmo da rima, parece ter uma palavra a mais, se há algum defeito na construção ou se uma conjunção foi esquecida. Se, em suma, a palavra certa não é usada, ou não está no lugar certo, deve-se concluir que a joia do seu pensamento não está bem engastada. Tenha certeza de que versos com algum desses defeitos nunca serão memorizados e nunca relidos: e os únicos bons versos são aqueles que se releem e se lembram, mesmo contra a própria vontade. Há muitos deste tipo em sua “Epístola” — versos que ninguém mais nesta geração poderia escrever em sua idade como foram escritos cinquenta anos atrás.
Não tenha medo, então, de levar seus talentos ao Parnassus [centro de atividade poética e criativa]; eles certamente redundarão em seu crédito, porque você nunca negligencia seus deveres para com eles: são, em si mesmos, deveres muito agradáveis. Por que você deveria ser privado da liberdade de pensamento só porque é um arrendatário-geral? Ático era um arrendatário-geral, os antigos romanos eram arrendatários-gerais e eles pensavam – como romanos. Siga em frente, Ático.
Porém, Helvétius mostrou-se, em última instância, relutante ou talvez incapaz de acatar o conselho de seu mentor. Vinte anos mais tarde, seu livro foi queimado pelo Estado. Embora Voltaire detestasse privadamente e denunciasse publicamente o livro de Helvétius, ele, que foi um oponente declarado da censura e defensor da liberdade de expressão, imediatamente saltou em sua defesa. Ao fazê-lo, ele fez jus à famosa paráfrase de sua filosofia que sua biógrafa oficial e editora de suas cartas, Evelyn Beatrice Hall, mais tarde escreveria de forma memorável, um sentimento tão evocativo do espírito de Voltaire que muitas vezes é erroneamente atribuído ao próprio filósofo: “Não concordo com nada do que diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.