No panorama da história de Roma, uma figura se destacou não por suas conquistas em batalhas ou vastas extensões de territórios anexados, mas pelo poder e influência de suas palavras: Marcus Tullius Cicero, conhecido simplesmente como Cícero.
Nascido em 106 a.C. em Arpino, uma cidade do Lácio, e morto em 43 a.C., Cícero foi uma figura pública de primeira linha em um período crucial da história romana, transitando entre os últimos dias da República Romana e o alvorecer do Império Romano.
Formado em direito e filosofia, Cícero não demorou para ser reconhecido como o orador mais talentoso de sua época, e sua habilidade retórica é celebrada até os dias de hoje. Ele utilizou essa habilidade não apenas no tribunal, defendendo ou acusando em processos judiciais, mas também no Senado Romano, onde suas orações se tornaram conhecidas tanto por sua eloquência quanto por sua capacidade de persuasão.
Sua importância histórica é múltipla. Primeiramente, Cícero foi um defensor ardoroso da República Romana e dos princípios de justiça e governança equilibrada, que acreditava estar ameaçados durante sua vida (e estavam, diga-se bem de passagem). Esse posicionamento o colocou frequentemente em conflito com figuras poderosas de sua época, como Júlio César, Marco Antônio e Otaviano. Além disso, ele foi uma ponte vital entre a sabedoria da Grécia antiga e a cultura romana. Através de suas obras filosóficas, ele introduziu os romanos ao pensamento grego, especialmente o estoicismo e o academicismo, e adaptou essas ideias aos desafios de sua época.
As obras de Cícero são vastas e variadas, refletindo as diversas fases de sua carreira e os muitos desafios que enfrentou em sua vida. Entre suas principais obras, destacam-se as orações (como as Catilinárias e a Pro Milone), em que Cícero usou todo o poder de sua retórica para persuadir seus contemporâneos. Sua contribuição à filosofia, por outro lado, é igualmente notável, com destaque para De Re Publica, De Legibus, De Officiis e Tusculanae Disputationes. Tais obras não apenas oferecem insights profundos sobre a filosofia moral e política da época, mas também servem como valiosos registros históricos dos eventos e personagens de sua época.
Em um mundo onde a força bruta muitas vezes prevalecia, Cícero é lembrado como alguém que acreditava no poder das palavras para moldar a sociedade e influenciar o curso da história. Sua vida e obra são até hoje um testemunho duradouro da importância da retórica e do pensamento crítico, qualidades que são tão relevantes hoje quanto eram na Roma Antiga. E, com base nisso, preparamos esse pequeno guia sobre como a obra de Cícero nos auxilia no intuito de escrevermos o melhor e mais persuasivo discurso possível. Usamos como base a sua obra Pro Archia.
Segundo Cícero, o orador deve possuir as seguintes qualidades: criatividade, disposição, elocução, memória e boa pronunciação.
Mas o que são cada uma dessas coisas?
A criatividade, segundo ele, consiste na descoberta de coisas verdadeiras ou verossímeis que tornem a causa provável. A disposição é a ordenação e distribuição dessas coisas, mostrando o que deve ser colocado em cada lugar. A elocução é a acomodação de palavras e sentenças que se adequem à invenção. A memória é a firme apreensão das coisas e palavras e, por fim, a pronunciação é a moderação, com encanto, de vez, semblante e gesto.
Muitas pessoas nascem com o dom da oratória, mas outras podem alcançar a excelência nessa arte pode ser desenvolvida à longo prazo, através de três meios: a arte, a imitação e o exercício. A arte é o preceito que dá método e sistematização ao discurso, a imitação é aquilo que nos estimula a que logremos ser semelhantes a outros no dizer, e o exercício é a prática assídua e o costume de discursar.
Vamos esclarecer ponto a ponto.
Quando queremos desenvolver a nossa capacidade oratória, precisamos em primeiro lugar exercer o apreço estético que dá forma a um discurso persuasivo e atraente (arte), aprendermos com outras pessoas que se destacaram nesse assunto antes de nós (imitação) e a prática constante (exercício), que leva à perfeição.
Cícero distingue entre três gêneros de discurso: o demonstrativo, o deliberativo e o judiciário. O primeiro destina-se ao elogio ou vitupério de determinada pessoa; o judiciário contempla a controvérsia legal e comporta acusação pública ou reclamação e juízo com defesa; e o deliberativo se efetiva na discussão, que inclui aconselhar ou desaconselhar.
Qualquer um desses três gêneros de discurso pode ser dividido em seis partes, sendo elas: o exórdio, a narração, a divisão, a confirmação, a refutação e a conclusão. Escrever o discurso perfeito exige que aperfeiçoemos o nosso conhecimento de cada uma dessas partes.
Falemos de cada uma delas.
Pensemos no exórdio. O que precisamos fazer, então, no início de um discurso, no intuito de conquistarmos a atenção e a simpatia de um ouvinte? Diz Cícero:
Teremos ouvintes atentos se prometermos falar de matéria importante, extraordinária e nova, ou que diz respeito à República, ou aos próprios ouvintes, ou ao culto dos imortais. Podemos tornar nossos ouvintes benevolentes de quatro modos: baseados em nossa própria pessoa, na de nossos adversários, nas dos próprios ouvintes e na matéria de que tratamos.
Se optar por basear-se em sua própria pessoa, siga o conselho de Cícero: “Obteremos benevolência se louvarmos nosso ofício sem arrogância e se mencionarmos o que fizemos para o bem da República, de nossos pais, de nossos amigos ou daqueles que nos ouvem, desde que isso tudo seja acomodado à causa que defendemos”.
Quanto à pessoa do adversário, diz Cícero, a melhor maneira de grajear a benevolência dos ouvintes é os levando ao ódio, à indignação ou ao desprezo:
Ao ódio havemos de arrebatá-los caso alegarmos que nossos adversários agiram com crueldade, perfídia e depravação. À indignação, falando da violência dos adversários, da tirania, das facções, da riqueza, dos laços de hospitalidade, da intemperança, da notoriedade, da clientela, e alegarmos que eles se fiam mais nesses recursos do que na verdade. Ao desprezo os conduziremos se expusermos a inércia de nosso adversário, sua covardia, ociosidade e luxúria.
Segundo Cícero, três coisas marcam um bom discurso: que seja breve, claro e verossímil. Somos breves quando começamos de onde é necessário e evitamos retomar o assunto desde a mais remota origem. Evitar a prolixidade, portanto, é essencial na construção de um discurso de qualidade. Devemos narrar resumida e não detalhadamente, não fazer transições e não nos afastarmos do assunto. Para Cícero é até preferível “deixarmos de lado não somente o que atrapalha, mas também o que em nada ajuda, mesmo que não atrapalhe”.
A clareza, por sua vez, obtemos quando expomos em primeiro lugar a primeira coisa que aconteceu, e conservamos a ordem cronológica dos acontecimentos tal como ocorreram ou podem ter ocorrido. Assim, evitamos discursar de modo confuso e não passarmos a outro assunto. Por fim, a verossimilhança é a coerência e a busca por situações plausíveis.
Da próxima vez que for construir um discurso, ou mesmo um texto acadêmico, busque colocar em prática as técnicas oratórias de Cícero e conte para a gente como se saiu.
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