InícioEntretenimentoFilmes & SériesComo J.J. Abrams popularizou "Star Trek"

Como J.J. Abrams popularizou “Star Trek”

Nunca fui um grande consumidor da cultura geek. Sou fã de Harry Potter, Lost e dos novos Batman. Me encantei com a adaptação cinematográfica de Watchmen e decidi ler o material original. Achei o Scott Pilgrim de Edgar Wright uma aula de cinema. Considero Douglas Adams, o criador de O Guia do Mochileiro das Galáxias, um gênio incontestável. Mas não passo disso. Não leio HQs ou graphic novels; não entendo da mitologia de O Senhor dos Anéis ou de Guerra nas Estrelas; não aguardo ansiosamente os filmes do Super-Homem, dos Vingadores ou a próxima temporada de The Walking Dead; e não conhecia praticamente nada do universo de Jornada nas Estrelas antes do filme de J.J. Abrams, de 2009.

Historicamente, a franquia de Jornada nas Estrelas nunca recebeu muita atenção das pessoas que não fossem trekkers — e havia muito tempo que não atraía nem a de seus seguidores. A obra era mais tratada com saudosismo ou para explorar características cômicas de personagens nerds, como Sheldon Cooper e seus amigos de Big Bang Theory.

Até que a Paramount resolveu investir pesado em um reboot. Era até óbvio. Se as continuações cinematográficas ou as séries já não mais atraíam tanto, nada melhor do que usar uma das armas secretas de Hollywood para quando uma franquia não está mais tão em forma. E, assim como Batman já havia mostrado, para se realizar um bom reboot, não basta reiniciar a história, é preciso rever os conceitos da obra.

Chamando J.J. Abrams, a empresa mostrou que não estava para brincadeira. O diretor/roteirista/produtor já havia mostrado talento para lidar com o universo nerd cheio de fãs xiitas (Lost), assim como para comandar uma franquia cinematográfica com bastante ação (Missão Impossível III). Sabendo da pressão que viria pela frente e dos riscos que corria, de maneira inteligente, Abrams usou o artifício de uma viagem no tempo para poder escapar dos acontecimentos cronológicos da série, mas sem destruir o universo construído ao longo de 47 anos. Era uma clara tentativa de agradar aos antigos fãs sem deixar de tentar ganhar novos.

Como eu disse, eu não conhecia praticamente nada de Jornada nas Estrelas até 2009. E como um novo fã da franquia, os Star Trek de J.J. Abrams representam, para mim, filmes de ficção científica com ação muito bem inserida, tramas inteligentes, personagens cativantes e interessantes toques de humor.

Mas a primeira aventura contava com toda a apresentação do universo e dos personagens, e envolvia o perigoso, porém atraente, tema de viagem no tempo. Ainda seria difícil julgar o sucesso da franquia para com seu novo público antes de vê-los em uma nova missão.

Além da Escuridão – Star Trek (Star Trek Into Darkness) conta com todas as qualidades do primeiro filme. Uma interessante relação entre os personagens; importantes decisões estratégicas sendo tomadas em questão de segundos; as competentes atuações (com destaques para Chris Pine e Zachary Quinto); e até os tão criticados flares (reflexos luminosos na lente), que eu entendo como um conceito estético perfeito para um filme passado numa nave espacial cheia de imagens que surgem em telas transparentes.

Porém, acrescentando mais profundidade na relação entre Kirk (Pine) e Spock (Quinto), questões éticas, e uma sensação geral de desconfiança e insegurança, o segundo filme dá um charme a mais à série.

Outro novo ponto forte é Benedict Cumberbatch, utilizando uma expressão facial pouco alterada; um tom de voz sereno e grave; e um olhar sério que se encaixam perfeitamente em um personagem tão misterioso e imprevisível quanto John Harrison, criminoso que, após um atentado terrorista na Terra, foge para Kronos. Kirk, então, vai atrás dele com a missão de matá-lo na primeira oportunidade que puder, sem julgamento. E é aí que entram dilemas éticos tão em voga no mundo contemporâneo, discutidos pelo Capitão e por Spock.

John Harrison é um personagem interessante, com uma habilidade física incrível, inteligência invejável e uma capacidade de fazer o espectador duvidar constantemente de suas verdadeiras intenções. O grande defeito dele é não ter tempo para mostrar mais a fundo suas qualidades.

O que nos leva aos pontos negativos do filme. Em termos técnicos, poucas coisas contrapõem o sucesso artístico do filme. O uso excessivo e, aparentemente, despropositado, de dutchs (quadros inclinados); e a montagem rápida com muito movimento, que, por vezes, cansam e confundem o espectador (ainda mais na versão 3D). No roteiro, algumas coisas ficam mal explicadas – como as motivações do vilão – e outras inseridas bastante artificialmente – como o sangue do John Harrison.

De qualquer modo, Além da Escuridão é um grande filme. Tal qual o Batman de Christopher Nolan, o Star Trek de J.J. Abrams é um recomeço inteligente e complexo, que consegue agradar aos fãs mais antigos e aos mais recentes. E, assim, audaciosamente indo onde nenhum outro Star Trek jamais esteve.

CD Vallada
CD Vallada
Formado em cinema pela FAAP, o paulistano CD Vallada foi colunista do Portal Higi e hoje traz suas análises da indústria cinematográfica ao El Hombre.