A maior das ilusões é achar que o que acontece aos outros não pode acontecer a nós. Quando entendemos que todos têm seus problemas, que não somos apenas nós que carregamos um peso considerável, as adversidades perdem pelo menos parte de seu impacto.
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Talvez nada nos apavore tanto quanto a ideia de que estamos sendo traídos. É engraçado. Sentimos pânico dessa hipótese. E no entanto nós mesmos, homens, tratamos de dar uma dimensão patética a isso ao usar desenfreadamente palavras como corno e chifrudo.
O homem gosta de trabalhar contra ele mesmo, eis uma das máximas de tio Fábio, um homem sábio do interior. Poucos insultos têm, para nós, o poder destruidor de corno ou chifrudo. Quando estamos com raiva de alguém, mas com muita raiva mesmo, gritamos, nem que seja mentalmente, que se trata de um corno.
Corno manso, então, alcança uma escala ainda maior, eu diria mesmo inatingível pela concorrência, na lista das ofensas.
Você. Você mesmo. Alguém o irritou? Claro: o cara é um chifrudo. Vocês gosta até de, com as mãos, armar chifres imaginários nas piadas com amigos.
Mas espere um pouco: eu também faço isso. (Que papel ridículo e hipócrita o meu de dar sermão sobre um vício que pratico.) Todos nós, na verdade, fazemos o mesmo. Ou quase todos nós, salvo os santos e os iogues.
Tudo bem. Quer dizer, tudo bem até que você descubra que foi traído. Que todas aquelas piadas parecem ter sido feitas para você.
Não basta a realidade de um outro homem invadindo a nossa namorada ou a nossa mulher. Logo acrescentamos as imagens produzidas por nossa mente, destrutivamente criativa nessas horas.
Todos os detalhes aparecem diante de nós. É também difícil deixar de ver o cara com o cigarro, encerrado a maratona sexual que nossa mente criou tão vivamente, com o triunfal sorriso de escárnio dos soldados conquistadores depois de vencida a batalha definitiva. É o inferno na versão masculina.
Não é de espantar a desesperada agonia que costuma nos tomar de assalto quando sabemos que fomos traídos. Surge imediatamente aquela indagação perplexa e infantil, em geral acompanhada de um chute na parede: justo eu?
Eis o paradoxo: achamos incrível, inaceitável algo que é tão comum, tão velho quanto comer bananas. No instante em que escrevo esta frase inúmeros homens estão sendo traídos. Por que só você e eu, entre todos os homens, haveríamos de estar livres do risco de sermos enganados?
A maior das ilusões é achar que o que acontece aos outros não pode acontecer a nós, gosta de dizer tio Fábio, formidável em sua voz estentórea. Isso vale para tudo: doenças, perdas, demissão, ciúmes.
Quando entendemos que todos têm seus problemas, que não somos apenas nós que carregamos um peso considerável, as adversidades perdem pelo menos parte de seu impacto.
E então recorro a mais uma frase de tio Fábio: o que distingue as pessoas é a maneira como elas lidam com os problemas. Os mais fracos sucumbem até diante de uma brisa. Os mais fortes aceitam a vida como ela é, com suas inevitáveis asperezas. E resistem a tempestades.
Ser traído não torna melhor ou pior ninguém, não engrandece nem diminui ninguém. É um fato tão comum quanto tudo o que existe sob o sol. Ao transformá-lo em algo extraordinário, damos-lhe um peso cruelmente equivocado e sofremos muito além do razoável.
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