Eduardo tem 22 anos e prepara-se para a primeira viagem ao exterior: vai passar três meses em Londres, estudando o idioma e trabalhando como barman. Quando volta, sua mãe quase não o reconhece no aeroporto: o rosto do filho está completamente coberto pela acne.
A mãe sugere ser uma reação à mudança no cardápio e acredita que retornar ao “arroz e feijão” irá eliminar as espinhas – o que não acontece. Isso porque a culpa não é do chá inglês: em Londres, Eduardo percebeu que a faculdade de Administração que havia feito e a carreira que seguiria ao lado do pai, após retorno ao Brasil, não eram seus desejos. Ao descobrir isso, somatizou a ansiedade e o estresse.
Psicosomatizar está relacionado a tudo o que sentimos, não conseguimos “dar conta” e transformamos em sintoma orgânico. É quando uma tristeza, um estresse, uma ansiedade, ou uma excitação são de difíceis elaboração e acabam “escapando” para áreas do corpo para além de nossa mente.
O termo, criado em 1818 pelo psiquiatra alemão Johann Christian Heinroth, referia à necessidade, defendida por ele, de uma visão médica que se opusesse à predominante na época, segundo a qual todas as doenças tinham origem somente em processos orgânicos. A palavra de origem grega (psiqué; alma, espírito e soma; forma, corpo) compreende o ser humano de forma integral, onde não há separação ideal entre mente e corpo. E com isso pode referir a qualquer tipo de sintoma, seja ele físico, emocional, psíquico, profissional, relacional, comportamental, social ou familiar.
Retornando ao nosso caro Eduardo, que agora tem o rosto coberto por espinhas, vemos que as pessoas que sofrem com problemas de pele, em geral, sabem que irritação, preocupação e tensão podem piorar os sintomas.
Segundo médicos e psicólogos, a tensão e a sobrecarga emocional crônicas desequilibram as defesas do corpo – principalmente se faltam estratégias pessoais adequadas de superação (por exemplo, acompanhamento psicológico, hábito de praticar meditação e espaço entre os afazeres diários para simplesmente se dedicar a atividades prazerosas), e o deixam vulnerável para o aparecimento desses incômodos dermatológicos.
Para além das espinhas, outras doenças de pele inflamatórias como a neurodermite, a psoríase (uma manifestação autoimune que causa uma forte descamação da pele) ou o vitiligo (perda gradativa da pigmentação da pele) também participam do hall das doenças psicossomáticas que pioram justamente quando estamos diante de uma situação na qual nos sentimos avaliados, enfrentamos uma grande frustração ou em casos de conflito.
São inúmeros os eventos, patológicos ou não, que têm origem na mente e se manifestam na superfície da pele. Coceiras, suor, e as mais variadas doenças cutâneas provêm deste íntimo e curioso relacionamento entre o que sentimos e o nosso corpo.
E daí o enrosco: a correria do dia-a-dia, as preocupações e chateações em exagero, e o estresse têm como consequência o aumento das espinhas e doenças de pele. E, ao perceber o rosto coberto pela acne ou a coceira da psoríase, ficamos irritados, tristes e com baixa auto estima, que em nada auxiliam a melhora do quadro clínico.
Em muitos casos o desenvolvimento de doenças na pele parece ser um recurso utilizado por quem as tem para alívio da ansiedade: são pessoas inseguras e pouco tolerantes a frustrações. Pesquisas identificaram nestes pacientes comportamento defensivo, caracterizado por repressão dos próprios sentimentos, e raiva intensa. Como as doenças dermatológicas implicam “espessamento” da pele, é possível recorrer à psicanálise para traçar uma analogia: a pessoa afetada constrói uma espécie de couraça com a qual se protege do mundo.
Muitas vezes, os problemas físicos e psíquicos entram em um ciclo vicioso: o estresse estimula as reações inflamatórias da pele e a coceira aumenta. Os pacientes se coçam, o que piora ainda mais a inflamação.
Assim, principalmente as noites se tornam uma tortura: as pessoas dormem mal, sua disposição e desempenho durante o dia diminuem e elas tendem a sentir o estresse “normal” de fora de maneira acentuada, o que prejudica ainda mais os sintomas. Além disso, devido às alterações visíveis da pele, frequentemente se sentem envergonhadas e emocionalmente fragilizadas.
Médicos e psicólogos utilizam cada vez mais técnicas de relaxamento e psicoterapia para complementar os procedimentos medicamentosos de tratamento dermatológico. Durante os atendimentos – que podem configurar-se em forma de grupo – é importante que os profissionais ofereçam informações sobre a doença, ensinem, por exemplo, como agem os desencadeadores típicos das crises e como evitá-los. Os pacientes aprendem como cuidar corretamente da pele e o que podem fazer contra a coceira.
Administração do estresse e técnicas de relaxamento estão também entre os temas abordados. Além disso, os participantes têm a oportunidade de trocar experiências e buscar os possíveis sentidos que os sintomas ocupam em sua história de vida.
Para você que ainda não tem problemas somatizados, mas reconhece que vive sob grande pressão e estresse, é bom ficar ligado e fazer o que está ao seu alcance para não desenvolver nenhum processo de patologia dermatológica. E aqui vale apostar em ferramentas cotidianas, como meditação, leituras, músicas e terapias psicológicas que, nesse caso, funcionariam como prevenção.
Porque, como dizem sabiamente, é melhor prevenir do que remediar.
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