“Conheci, em 1733, uma jovem mulher que pensava como eu, e que passou muitos anos no interior, cultivando a sua inteligência”.
É assim que Voltaire, um dos principais nomes da filosofia ocidental e então o filósofo mais celebrado de toda a Europa, descreve Émilie, Marquesa du Châtelet, com quem manteve um longo relacionamento.
Émilie du Châtelet, ao contrário da maioria das mulheres de sua época, recebeu das mãos de seu pai uma educação diferenciada. Tendo reconhecido a inteligência da filha, ele lhe ensinou latim, inglês, grego e italiano. Além de seu talento para as línguas, ela provou ser um prodígio em matemática: traduziu para o francês uma obra de Isaac Newton, Mathematica Principia – e, como se isso não bastasse, incluiu seus próprios comentários relativos aos cálculos do grande físico britânico. A sua tradução é usada nos colégios franceses até os dias de hoje.
Mas, acima de qualquer coisa, du Châtelet foi uma pessoa que dedicou-se a viver a sua (curta) vida ao máximo, em todos os sentidos: ela dedicou-se arduamente aos estudos, à leitura, aos seus principais hobbies, como os jogos de cartas, ao prazer, ao amor que dedicou aos muitos homens com quem se envolveu em sua juventude, e também à filosofia.
No âmbito filosófico, ela escreveu um tratado sobre a felicidade extremamente interessante, o qual, ainda que controverso em alguns pontos, pode nos ajudar um pouco melhor a trazer esse elemento elusivo – a alegria de viver – para as nossas vidas. Ao contrário dos filósofos do Estoicismo, os quais eu particularmente prefiro, du Châtelet enfatiza enormemente o quanto o prazer pelo prazer é essencial para a sua noção pessoal de felicidade.
“Acredita-se comumente que é difícil ser feliz, e tem-se razão mais que suficiente para isso”, começa du Châtelet em seu livro. “Só percebemos com toda a clareza os meios de tornarmo-nos felizes quando a idade e seus muitos entraves opõem-lhes obstáculos”.
De fato, muitas pessoas só compreendem o segredo da felicidade quando estão mais maduras e mais velhas. E esse não é um problema: independentemente da sua idade, se você descobrir como ser feliz isso é válido.
Mas, nesse texto, buscamos trazer algumas das principais ideias da filósofa e mostrar de que modo estas podem se adequar às nossas vidas, tornando-nos mais leves, mais otimistas, mais felizes e mais satisfeitos.
Vamos começar?
Você quer ser feliz? É claro que sim.
Ao mesmo tempo, é comum que não entendamos exatamente o que nos faz feliz nem quais os planos de ação que devemos tomar para promover a nossa felicidade. Para Châtelet, existe um meio simples: obedecermos alguns princípios essenciais. Estes são…
Achou estranho? Bem, vamos falar um pouquinho mais sobre cada um deles.
“Devemos começar por dizer a nós mesmos – e por nos convencermos disso – que nós nada temos a fazer nesse mundo a não ser nos proporcionar sensações e sentimentos agradáveis”.
E o senso de dever?, você poderia perguntar.
Para du Châtelet, e não estamos dizendo que isso é certo ou errado, o senso de dever é preciso, mas deve ser inteiramente secundário.
Ao seu ver, a felicidade exige que nos deixemos levar pelas paixões, experiências e sensações positivas. “Le Nôtre tinha muita razão em pedir ao Papa tentações em vez de indulgências”, diz com bom humor.
Algumas pessoas, inclusive os estoicos, argumentariam que as paixões nos fazem infelizes, e não felizes. Du Châtelet admite que esse argumento pode ser válido, mas não se deixa mudar de ideia:
Eu não disponho da balança necessária para pesar o bem e o mal que as paixões fizeram aos seres humanos; deve-se, contudo, observar que os infelizes são conhecidos porque necessitam dos outros, porque lhes agrada narrar suas desventuras e porque aí buscam remédio e alívio.
As pessoas que são felizes nada buscam e não anunciam sua ventura aos outros; os infelizes são bastante interessantes; os felizes, desconhecidos. Esse é o motivo pelo qual, quando dois amantes se reconciliam – quando seu ciúme finda, ou quando os obstáculos que os separavam são superados –, eles deixam de ser adequados para o teatro; acaba-se a peça para os seus espectadores.
A virtude, nesse contexto, é bastante importante: ela serve para fazer com que as paixões nos beneficiem e sirvam à nossa felicidade, e para evitar que elas nos escravizem. A virtude é que nos faz entender que há determinadas paixões às quais é preciso proibir a entrada em nós.
Uma delas, segundo du Châtelet, é a ambição, “porque de todas as paixões é aquela que mais faz com que a nossa felicidade dependa dos outros”. E, na verdade, a autora afirma, “quanto menos a nossa felicidade depende dos outros, mais nos é fácil ser feliz”.
A ambição, para du Châtelet, é nociva porque nos leva a desejar coisas que estão muitas vezes distantes de nosso alcance. Para ela, devemos amar as coisas que temos, saber usufruir delas, saborear as vantagens de nossa condição, não contemplar demais os que nos parecem “mais felizes”, empenhar-nos em aperfeiçoá-la e aproveitá-la da melhor maneira possível.
Para que possamos ser felizes, precisamos nos livrar da ansiedade, que é, segundo du Châtelet, o mais perfeito exemplo de uma “disposição de espírito que opõe-se a qualquer deleite e a qualquer espécie de felicidade”.
E a que paixões você deve se entregar para ser feliz?
Talvez ela – que, como eu disse, foi uma das principais intelectuais de seu século – seja meio suspeita em dizer isso, mas eis a sua afirmação: “Por essa razão de independência, o amor pelo estudo é, de todas as paixões, a que mais contribui para a nossa felicidade”.
“E o amor?”, você poderia perguntar. “Devemos a ele renunciar sendo que é entre os grandes prazeres aquele que mais nos coloca nas mãos de uma pessoa?”
Não, diz du Châtelet, e abre aqui uma exceção. É verdade que, quanto mais a nossa felicidade de nós depende, mais é garantida. E é também verdade que o amor, que ode nos oferecer os maiores prazeres e nos tornar imensamente felizes, coloca-nos inteiramente na dependência dos outros.
Mas, para ela, esse não é motivo o suficiente para desistir dele. É possível ser feliz no amor? Sim, mas é difícil – ou, como coloca a filósofa, “é razoável que tal felicidade fosse rara; caso fosse comum, seria preferível ser homem a ser deus”.
Nesse caso, o melhor que temos a fazer é nos dar conta que, embora separações, desventuras e brigas possam ocorrer, teremos aproveitado ao máximo o deleite e os prazeres que o amor tinha a nos oferecer.
E, também, diz ela, compreender quando as coisas precisam encontrar o seu desfecho. Pois, ao seu ver, “não há paixão que não seja possível superar quando existe a convicção de que a mesma só pode servir à nossa felicidade”.
Correr atrás da sua ex-namorada? Mandar mensagem para o ex-noivo às quatro da manhã, e expressar tristeza pelo rompimento? Tolice, diz du Châtelet:
O que nos desorienta nesse ponto no início de nossa juventude é que somos incapazes de reflexões, praticamente não temos experiência, e imaginamos que recuperaremos o bem [a pessoa] que perdemos de tanto que o seguimos; mas a experiência e o conhecimento do coração humano nos ensinam de modo incisivo que ao corrermos atrás as coisas nos escapam.
O gosto é uma coisa involuntária, que não se persuade e que raramente se reanima […] Nada degrada tanto quanto as atitudes que se tomam por conquistar um coração gelado ou inconstante: isto nos avilta aos olhos daquele que tentamos conservar e aos olhos das pessoas que poderiam se interessar por nós; mas, o que é bem pior, isto nos torna infelizes, faz com que nos atormentemos em vão.
Amar ou não amar? Amar, diz a filósofa, porque “seria ridículo recusar-se a esse prazer pelo receio de uma desventura vindoura que talvez somente se sentiria após ter sido muito feliz – e então haveria compensação”.
A saúde por si só já é um mérito: quando estamos adoentados, é raro encontrarmos legítima satisfação e felicidade na vida. Mesmo um resfriado é o bastante para diminuir de um modo bastante considerável o nosso bem-estar.
Para du Châtelet, esse item está atrelado ao anterior. Isto é, é preciso que tenhamos uma boa saúde para satisfazermos nossas paixões. E, segundo ela, isso por si só já faz da saúde o maior entre todos os bens. Embora a célebre escritora americana Dorothy Parker, com o seu senso de humor inigualável, dissesse que “dizem que o dinheiro não compra saúde, mas eu poderia me satisfazer com uma cadeira de rodas cravejadas de diamantes”, é inegável que a felicidade e a saúde estão intimamente atrelados.
A maioria de nós nasce saudável, e o número daqueles que morrem por morte violenta tende a ser relativamente baixo em lugares com um índice de desenvolvimento humano razoável – de modo que um de nossos maiores desafios é preservar a nossa saúde, não a destruindo por meio de excessos, gula, estresse, vícios e falta de sono, entre outras coisas.
Isso é chato? Às vezes, sim. Mas, como coloca a própria du Châtelet, “quando existe a forte convicção de que, sem saúde, não se pode fruir de nenhum prazer e de nenhum bem, é fácil nos resolvermos a fazer alguns sacrifícios para conservá-la”.
“Devemos a maioria de nossos prazeres à ilusão, e infeliz de quem a perde”, anuncia a autora nas primeiras linhas do capítulo dedicado às ilusões.
Ela nos oferece o exemplo a seguir: em uma peça de teatro, rimos ou choramos porque nos entregamos à ilusão e porque “acreditamos”, ao final de quinze minutos, que é o personagem, e não o ator, quem está falando. Ou, como coloca a autora: “Alguém teria algum instante de prazer, durante uma apresentação teatral, se não se entregasse à ilusão?”
Portanto, argumenta ela, nos entregarmos à ilusão é um meio necessário para alcançarmos a verdadeira felicidade.
Faça da vida, meu caro amigo, uma obra de arte. E, também, aprecie as obras de artes: cinema, teatro, livros.
…ou, como colocaria a filósofa, “decidamos por qual caminho desejamos enveredar e façamos o nosso melhor para semeá-lo de flores”.
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