Esta semana, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho foi escolhido como o representante brasileiro que disputará uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, depois de 16 anos do país fora da categoria. O filme, adaptação do curta-metragem Eu Não Quero Voltar Sozinho, do mesmo roteirista e diretor Daniel Ribeiro, narra a história de um adolescente cego redescobrindo-se através de uma nova amizade.
Estrelado por Ghilherme Lobo, Fabio Audi e Tess Amorim, o belo e sensível longa foi muito bem recebido pela crítica, selecionado para uma mostra paralela no Festival de Berlim e premiado pela Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.
Talvez o filme nem fosse o melhor da lista de 18 longas brasileiros concorrendo à vaga de representante nacional. Talvez. Mas ele ganhou uma aura de queridinho do público e, provavelmente, era o que melhor unia qualidade a recepção do público geral. Retratando com sutileza questões como amizade, juventude, independência, deficiência visual e homossexualidade, tem boas chances de agradar a Academia.
Mas não é tão fácil saber o que a agrada ou não. Nos últimos três anos, o Brasil apresentou filmes bastante elogiados e diferentes entre si: O Som ao Redor em 2013, O Palhaço em 2012 e Tropa de Elite 2 em 2011. Todos foram ignorados pela premiação. Em 2007, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias esteve entre os 9 filmes pré-selecionados, mas ficou de fora da lista final de indicados.
Nesse sentido, o final dos anos 90 foi um marco para o cinema brasileiro. O Quatrilho recebeu uma indicação em 1996, mas perdeu para o holandês A Excêntrica Família de Antônia (Antonia). Dois anos depois, foi a vez de O Que É Isso, Companheiro? disputar a estatueta, mas vê-la indo para os holandeses de Karakter.
No ano seguinte, Central do Brasil era um candidato fortíssimo, que havia inclusive ganhado o Globo de Ouro e tinha Fernanda Montenegro concorrendo ao Oscar de Melhor Atriz. Mas o filme teve o azar de competir com um dos mais bem sucedidos filmes da história a concorrer na categoria, A Vida É Bela (La vita è bella). Já Fernanda viu Gwyneth Paltrow, por Shakespeare Apaixonado (Shakespeare in Love), levar o prêmio em seu lugar.
Muito antes disso, em 1963, O Pagador de Promessas, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, foi indicado à estatueta, vencida pelo francês Sempre aos Domingos (Les dimanches de Ville d’Avray). E em 1960, Orfeu Negro (Orphée Noir), uma coprodução ítalo-franco-brasileira ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas o prêmio foi entregue para a França, país do diretor Marcel Camus.
Porém, nem só de Melhor Filme Estrangeiro vive o cinema brasileiro no Oscar. Os dois longas do país mais representados na premiação não conseguiram sua indicação na categoria, apesar de terem tentado, mas conseguiram em outras.
O Beijo da Mulher Aranha, de 1985, foi uma coprodução com os Estados Unidos que concorreu a Melhor Filme. A obra também teve o argentino – radicado no Brasil – Hector Babenco indicado a Melhor Direção, além de indicações estadunidenses a Melhor Ator e a Melhor Roteiro Adaptado.
Cidade de Deus marcou presença no Oscar 2004, sendo nomeado a quatro categorias: Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Direção.
E também há participações brasileiras menos famosas na premiação. Nossa primeira indicação foi em 1945, quando uma música de Ary Barroso para o filme Brazil – não confundir com o longa de Terry Gilliam, de 1985, que também incluía Ary Barroso – esteve entre as doze indicadas a Melhor Canção Original. Em contraste com a canção de Sérgio Mendes e Carlinhos Brown para o filme Rio que, em 2011, tinha apenas dois concorrentes.
Recentemente, Uma História de Futebol foi indicado a Melhor Curta-Metragem em 2000 e Lixo Extraordinário (Waste Land), mais uma coprodução, concorreu a Melhor Documentário, em 2010.
O fato é que, pensando na qualidade do cinema brasileiro e nas chances que já tivemos no Oscar, é de se espantar que nunca o prêmio tenha vindo para cá. Uma injustiça que certamente será reparada com o tempo, mas que ainda pode demorar.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho ainda não estreou comercialmente nos Estados Unidos e, embora seja pouco provável, pode tentar repetir o sucesso internacional de Central do Brasil ou Cidade de Deus. Depois deles, não tivemos mais outra produção que carregasse consigo uma força que pudesse fazer dela uma favorita em sua categoria.
Mas também não é preciso tanto. The Way He Looks – título em inglês para nossa aposta à premiação do ano que vem – tem sim boas chances de ser indicado a Melhor Filme Estrangeiro.
Agora, imaginem se, além da indicação, o filme consegue o primeiro Oscar brasileiro. Em tempos de Silas Malafaias e assassinatos motivados por homofobia, ver um longa que fala com tanta naturalidade sobre um relacionamento homossexual fazendo história no nosso cinema talvez passasse alguma mensagem para as mentes mais retrógradas, libertando-as do ódio e preconceito.
Otimismo demais? Com certeza. Mas, bem, assim como o primeiro Oscar do Brasil, algum dia tem que acontecer.
Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.
Saiba Mais