“Assim como o aroma do corpo é excitante, também o é o da comida fresca e bem temperada. Os perfumes da boa cozinha não só nos fazem salivar, como também nos fazem palpitar de um desejo que, se não é erótico, é muito parecido”.
Esta reflexão é da escritora Isabel Allende, no seu livro Afrodite: Contos, Receitas e Outros Afrodisíacos, onde ela diz também que “um homem que cozinha é sexy…”
Se outras artes, como a literatura, a pintura e a fotografia têm exaltado a gastronomia, caracterizando-a como um código de comunicação, por que ela não emergeria (como protagonista ou compondo um momento mágico da trama) também no cinema?
Claro que há um extensa lista de filmes brilhantes onde a cozinha se torna palco e veículo de relações e emoções, e não resisto em citar A Festa de Babette (Babettes Gaestebud, 1987), O Jantar (La Cena, 1998), As Horas (The Hours, 2002)… Mas nestas histórias (ou deveria dizer “imagens”?) é nas mãos do sexo feminino que estão toda a sensibilidade e sensualidade da alquimia de sentimentos e alimentos.
O que eu pretendo é trazer a você, homem, a identificação com a capacidade de seduzir através da magia e do prazer que a culinária oferece, instigando-o a manusear os ingredientes e transformá-los numa convidativa refeição. Assim, que tal alguns filmes onde o clima é orquestrado pelo sexo masculino?
Imediatamente me vem à lembrança Vatel – Um Banquete para o Rei (Vatel, 2002), sob a direção de Roland Joffé, com Gerard Depardieu no papel que dá nome ao título. O filme, escolhido para abrir o Festival de Cannes de 2000, ambienta-se em 1671, no Château Chantilly, no norte da França, e seu ponto alto é a preparação de um banquete para o rei Luís XIV (Julian Sands), oferecido pelo Princípe de Condé (Julian Glover), que pretende, com isso, conquistar a simpatia do rei e salvar sua província de uma ruína econômica.
Mas quem seria suficientemente talentoso, para garantir sucesso no preparo das iguarias e de outros detalhes que proporcionassem a diversão real? Ninguém menos que François Vatel, cozinheiro e mestre de cerimônias do Princípe.
O banquete é realmente um primoroso espetáculo para os olhos e, se a tela nos permitisse, o seria também para o olfato e para o paladar. Mas em meio a toda a correria com a preparação, Vatel percebe a bela Anne de Montasier (Uma Thurman) e se apaixona por ela. Sem recursos de discursos poéticos ou gestos elegantes, Vatel coloca seu coração na elaboração de um buquet de flores, esculpido em açúcar, que envia aos aposentos da sua musa. E esta, é claro, não fica indiferente à demonstração de tanta sensibilidade.
Sensibilidade ao manipular os ingredientes e extremo prazer em preparar os alimentos e saboreá-los, é o que demonstra também Mário (Sérgio Castellito), na produção alemã, dirigida por Sandra Nettelbeck, Simplesmente Martha (Bella Martha, 2001).
O filme tem como espinha dorsal um olhar sobre o papel dos alimentos nas relações entre as pessoas, colocando como tema principal sua representação simbólica. Para ilustrar, é contada a história de Martha Klein (Martina Gedeck), a qual, apesar de competente chef num restaurante de alto padrão, em Hamburgo, parece não estabelecer uma relação harmoniosa e afetiva com o mundo à sua volta, ou sequer, prazer em comer os pratos que cozinha com tanto perfeccionismo.
Mas dois acontecimentos invadem a sua vida, transformando a forma de se relacionar com os alimentos e com as pessoas. Primeiro, em virtude da morte da irmã, Martha se vê tendo que cuidar de Lina (Martine Foerste), sua sobrinha de 8 anos, e lidar com as adaptações que precisam ser feitas na sua rotina.
Segundo, todos estes ajustes e o descontrole emocional que acarretam, levam a dona do restaurante a contratar um chef italiano, cuja intimidade e alegria com a cozinha trazem um novo espírito aos que participam deste pequeno universo.
Claro que estou falando de Mário. Imeditamente ele conquista Lina e, aos poucos, faz com que Martha vá se despindo do seu lado contido e distanciado, abrindo-se para o prazer do perfume, da textura, do sabor, e do toque da comida.
Não, você não leu errado; sim, eu escrevi “toque”. Em um jantar preparado por Mário, na casa de Martha, a refeição é servida sobre uma toalha colocada no chão da sala, e os talheres são abolidos, numa proposta de Mário para que os alimentos sejam antes sentidos na ponta dos dedos (às vezes entre eles) e levados à boca, com as mãos. A cena é fantástica.Há uma sedutora alegria no saborear a refeição, o momento, a vida.
Sedução é também o que respira e inspira, logo nas primeiras cenas, O Amor está na Mesa (American Cuisine, 1989, com roteiro e direção de Jean-Yves Pitoun). Primeiro, quando Loren (Jason Lee) fala, com encantamento, do aroma dos pratos que o pai preparava. Logo em seguida, quando Miller (Linda Powell) experimenta uma calda que o mesmo acaba de preparar e, num suspiro de êxtase, classifica os sabores como “intensos e distinguíveis”.
Loren é um talentoso cozinheiro da Marinha americana, mas após uma briga que ocasiona sua expulsão, e após se entediar, por um breve período, na pizzaria da irmã, atravessa o oceano para disputar uma vaga no conceituado restaurante francês, comandado pelo genioso cheff Louis Boyer (Eddy Mitchell).
Então, neste universo dinâmico e quase enlouquecedor, mas também envolvente ao paladar e ao coração, entre as confusões de choques culturais, o jovem Loren acaba conquistando a admiração de Louis e, mais importante, o amor da filha do cheff, Gabrielle (Irène Jacob).
Continuo passeando pela França! Não porque este país seja o berço da culinária, mas porque é num pequeno vilarejo, no sul da França, que o requinte e a sutileza da gastronomia francesa se deixa invadir pela explosão arrojada das especiarias indianas.
Abrem-se os “portões” de A 100 Passos de um Sonho (The Hundred-Foot Journey, 2014), de Lasse Hallstrom e, assim como o vendedor de ouriços, imediatamente me encanto com a forma como o pequeno Hassan “tateia” com este ingrediente. Anos mais tarde ele parte com a família, para a Europa, decididos a perpetuarem os sabores criados no seu restaurante, na Índia.
Após transpor alguns obstáculos, Hassan (Manish Dayal) conquista a aspirante a cheff, Marguerite (Charlotte Le Bon), a dona do restaurante rival, Madame Mallory (Hele Mirren), Paris e a terceira estrela Michelin. Sua sensibilidade e criatividade em estabelecer diálogos harmoniosos entre as duas culturas gastronômicas, e compor sinfonias de aromas e sabores, seduzem o corpo e a alma.
Vale lembrar que o diretor sueco já havia explorado antes o universo dos sabores, em Chocolate (Chocolat, 2000), pelo qual recebeu 5 indicações ao Oscar, e onde Vianne Rocher (Juliette Binoche), impregnava um fictíco lugarejo francês, com os enebriantes textura e perfume do chocolate.
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Não, não se desespere; você não precisa perder horas consultando livros de alta gastronomia, comprar ingredientes caríssimos, ou passar a tarde inteira na cozinha preparando um requintado jantar.
Coisas simples também seduzem, encantam. Foi uma omelete que conquistou o paladar da Madame Mallory, e protagonizou um momento em A Grande Noite (Big Night, 1996), dirigido por Campbell Scott e Stanley Tucci.
Como Água para Chocolate (Como Agua para Chocolate, 1992), dirigido por Alfonso Arau, nos conta como o que trazemos no coração transborda sobre os alimentos, portanto cozinhe com prazer, doe-se, divirta-se. Comidas são memórias. Crie um momento inesquecível.
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