Nas páginas da história, Napoleão Bonaparte se destaca como um dos mais influentes líderes militares e políticos. Seu sucesso nessas áreas inspirou, inclusive, incontáveis livros e filmes, o último tendo estreiado hoje nos cinemas. Pois é: se você assistiu ou pretende assistir a película protagonizada por Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby, sugiro que leia esse texto até o fim.
Sob as camadas de genialidade estratégica, residia em Napoleão um homem profundamente apaixonado. As suas cartas à Imperatriz Josefina, algumas das quais reunimos nesse texto, revelam uma pessoa totalmente rendida ao amor.
E ela, a destinatária destas cartas apaixonadas, permanece uma figura enigmática na história do império francês. Foi, é evidente, o amor de sua vida, mas esta foi uma relação marcada por desafios e contradições. Josefina foi notoriamente infiel e manteve uma série de relações extraconjugais enquanto Napoleão conduzia suas campanhas militares. E, como disseram os historiadores, as suas cartas para ele não foram preservadas – segundo a historiadora Marielle Brie, porque “as cartas dela eram tão escassas e indiferentes quanto as dele eram frequentes”.
Nada disso, no entanto, causou uma ruptura entre o casal. Esta só veio dada a incapacidade de Josefina em gestar um herdeiro ao Império, que provocou uma tensão crescente. Napoleão, imerso em um amor profundo, mas confrontado com a necessidade de um sucessor, tomou a decisão dolorosa de deixá-la. Assim, casou-se com a jovem arquiduquesa austríaca Maria Luísa e assegurou-se da continuidade de sua linhagem. Este aspecto da vida de Napoleão evidencia a complexidade de um homem dividido entre o amor por uma mulher e as exigências implacáveis de seu destino como líder.
Anos depois de seu divórcio, as relações entre Napoleão e Josefina permaneceram amistosas. Ele a visitava em seu castelo com frequência, e permitiu que mantivesse o título de Imperatriz a despeito da separação. Em Santa Helena, durante o seu exílio, falou com ternura sobre suas lembranças da primeira esposa. “Se a história prestou muito pouca atenção ao seu segundo casamento”, coloca Brie, “certamente é porque o primeiro nos parece especialmente singular”.
Vejamos, agora, as cartas.
Primeira carta de Napoleão a Josefina (29 de dezembro de 1795)
“Eu não amo você, absolutamente não; ao contrário, eu a odeio. Você é vulgar, perversa, tola.
Nunca me escreve; não ama o próprio marido. Sabe do prazer que as suas cartas lhe dão, e ainda assim não escreve seis linhas, redigidas tão casualmente! O que faz o dia todo? Qual é o assunto tão importante que a deixa sem tempo para escrever ao seu devotado amante? Que afeição sufoca e coloca de lado o amor terno e constante que prometeu a ele? Que ser maravilhoso pode ser esse novo amante que tiraniza os seus dias e te impede de dar qualquer atenção ao seu marido?
Josefina, cuidado! Numa bela noite, as portas serão arrombadas e lá estarei eu.
Na verdade, estou muito inquieto, meu amor, por não receber notícias suas; escreva rapidamente páginas, muitas páginas cheias de coisas agradáveis que preencham meu coração com os sentimentos mais doces e prazerosos.
Espero em breve esmagá-la em meus braços e cobri-la com um milhão de beijos, como se estivéssemos sob o equador”.
Segunda carta (30 de março de 1796)
“Não houve um dia em que deixei de te amar; não passei uma noite sem te abraçar; nem mesmo bebi uma xícara de chá sem amaldiçoar o orgulho e a ambição que me forçam a permanecer separado da essência da minha vida.
No meio de meus deveres, seja liderando meu exército ou inspecionando os acampamentos, minha amada Josefina reina sozinha em meu coração, ocupa a minha mente, preenche os meus pensamentos.
Terceira carta (3 de abril de 1796)
“Recebi todas as suas cartas, mas nenhuma me marcou tanto quanto a última. Como, minha amada, pode me escrever algo assim? Não acha que minha posição já é cruel o suficiente, sem acrescentar às minhas tristezas e esmagar meu espírito?
Minha única e exclusiva Josefina, longe de você não há alegria; longe de você, o mundo é um deserto onde estou sozinho e não consigo abrir meu coração. Você levou mais do que minha alma; você se tornou o único pensamento da minha vida.
Quando estou cansado das preocupações do trabalho, quando sinto o resultado, quando os homens me irritam, quando estou pronto para amaldiçoar a minha vida, coloco minha mão no coração; seu retrato está lá, olho para ele, e o amor me traz felicidade perfeita, e tudo sorri exceto o tempo que devo passar longe da minha amada.
Com que bruxaria foi capaz de encantar todas as minhas faculdades e concentrar todo o meu ser na sua pessoa? Você morrerá apenas quando eu morrer. Viver para Josefina, essa é a história da minha vida que anseio.
Tento me aproximar de você. Tolice! Não percebo que estou me afastando. Quantos países nos separam!
Quarta carta (24 de abril de 1796)
“Meu irmão te entregará esta carta. Tenho o maior amor por ele e espero que conquiste o seu; ele o merece. A natureza dotou-o de um caráter doce e completamente bom; ele é repleto de boas qualidades.
Estou escrevendo para Barras para que ele seja nomeado cônsul em algum porto italiano. Ele quer viver com sua pequena esposa longe da agitação e dos assuntos políticos; recomendo-o a você.
Recebi as suas cartas dos dias 16 e 21. Há muitos dias em que não escreve. O que faz, então?
Não, minha querida, não estou com ciúmes, mas às vezes me sinto preocupado.
Venha logo; se demorar, me encontrará doente. O cansaço e a sua ausência são mais do que posso suportart. As suas cartas são a alegria dos meus dias, e meus dias de felicidade não são frequentes.
Junot está levando vinte e duas bandeiras para Paris. Volte com ele, está bem? Dor insuportável, miséria inconsolável, tristeza sem fim, se for tão infeliz a ponto de vê-lo retornar sozinho.
Minha amiga adorável, ele te verá, respirará em seu templo; talvez conceda a ele o sabor único e perfeito de beijar o seu rosto, e eu estarei sozinho e longe, muito longe.
Mas está vindo, não é? Estará aqui ao meu lado, em meus braços, em meu peito, em minha boca. Venha, venha! Mas viaje com cuidado. A estrada é longa, ruim, cansativa. Suponha que sofresse um acidente, ou que adoecesse. Venha com cuidado, meu amor adorável, mas penso em você a todo o tempo.
Recebi uma carta de Hortense [filha do primeiro matrimônio de Josefina]. Vou escrever para ela. Ela é encantadora. Eu a amo e em breve enviarei os perfumes que ela deseja. Leia atentamente o poema de Ossian, “Carthon”, e durma bem e feliz longe de seu marido, mas pensando nele.
Um beijo no coração, e outro mais abaixo, bem mais abaixo!”
À medida que fechamos o capítulo destas cartas apaixonadas, fica evidente que o amor de Napoleão por Josefina transcendeu as barreiras do tempo.
Essas palavras, carregadas de desejo, saudade e adoração, não são meras relíquias do passado, mas sim testemunhos vivos de um amor que se recusa a ser esquecido. Através destas cartas, Napoleão e Josefina continuam a inspirar, lembrando-nos de que o amor verdadeiro é tão vasto quanto os impérios e tão eterno quanto a própria história.