Nas páginas da história, Napoleão Bonaparte se destaca como um dos mais influentes líderes militares e políticos. Seu sucesso nessas áreas inspirou, inclusive, incontáveis livros e filmes, o último tendo estreiado hoje nos cinemas. Pois é: se você assistiu ou pretende assistir a película protagonizada por Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby, sugiro que leia esse texto até o fim.
Sob as camadas de genialidade estratégica, residia em Napoleão um homem profundamente apaixonado. As suas cartas à Imperatriz Josefina, algumas das quais reunimos nesse texto, revelam uma pessoa totalmente rendida ao amor.
E ela, a destinatária destas cartas apaixonadas, permanece uma figura enigmática na história do império francês. Foi, é evidente, o amor de sua vida, mas esta foi uma relação marcada por desafios e contradições. Josefina foi notoriamente infiel e manteve uma série de relações extraconjugais enquanto Napoleão conduzia suas campanhas militares. E, como disseram os historiadores, as suas cartas para ele não foram preservadas – segundo a historiadora Marielle Brie, porque “as cartas dela eram tão escassas e indiferentes quanto as dele eram frequentes”.
Nada disso, no entanto, causou uma ruptura entre o casal. Esta só veio dada a incapacidade de Josefina em gestar um herdeiro ao Império, que provocou uma tensão crescente. Napoleão, imerso em um amor profundo, mas confrontado com a necessidade de um sucessor, tomou a decisão dolorosa de deixá-la. Assim, casou-se com a jovem arquiduquesa austríaca Maria Luísa e assegurou-se da continuidade de sua linhagem. Este aspecto da vida de Napoleão evidencia a complexidade de um homem dividido entre o amor por uma mulher e as exigências implacáveis de seu destino como líder.
Anos depois de seu divórcio, as relações entre Napoleão e Josefina permaneceram amistosas. Ele a visitava em seu castelo com frequência, e permitiu que mantivesse o título de Imperatriz a despeito da separação. Em Santa Helena, durante o seu exílio, falou com ternura sobre suas lembranças da primeira esposa. “Se a história prestou muito pouca atenção ao seu segundo casamento”, coloca Brie, “certamente é porque o primeiro nos parece especialmente singular”.
Vejamos, agora, as cartas.
“Eu não amo você, absolutamente não; ao contrário, eu a odeio. Você é vulgar, perversa, tola.
Nunca me escreve; não ama o próprio marido. Sabe do prazer que as suas cartas lhe dão, e ainda assim não escreve seis linhas, redigidas tão casualmente! O que faz o dia todo? Qual é o assunto tão importante que a deixa sem tempo para escrever ao seu devotado amante? Que afeição sufoca e coloca de lado o amor terno e constante que prometeu a ele? Que ser maravilhoso pode ser esse novo amante que tiraniza os seus dias e te impede de dar qualquer atenção ao seu marido?
Josefina, cuidado! Numa bela noite, as portas serão arrombadas e lá estarei eu.
Na verdade, estou muito inquieto, meu amor, por não receber notícias suas; escreva rapidamente páginas, muitas páginas cheias de coisas agradáveis que preencham meu coração com os sentimentos mais doces e prazerosos.
Espero em breve esmagá-la em meus braços e cobri-la com um milhão de beijos, como se estivéssemos sob o equador”.
“Não houve um dia em que deixei de te amar; não passei uma noite sem te abraçar; nem mesmo bebi uma xícara de chá sem amaldiçoar o orgulho e a ambição que me forçam a permanecer separado da essência da minha vida.
No meio de meus deveres, seja liderando meu exército ou inspecionando os acampamentos, minha amada Josefina reina sozinha em meu coração, ocupa a minha mente, preenche os meus pensamentos.
“Recebi todas as suas cartas, mas nenhuma me marcou tanto quanto a última. Como, minha amada, pode me escrever algo assim? Não acha que minha posição já é cruel o suficiente, sem acrescentar às minhas tristezas e esmagar meu espírito?
Minha única e exclusiva Josefina, longe de você não há alegria; longe de você, o mundo é um deserto onde estou sozinho e não consigo abrir meu coração. Você levou mais do que minha alma; você se tornou o único pensamento da minha vida.
Quando estou cansado das preocupações do trabalho, quando sinto o resultado, quando os homens me irritam, quando estou pronto para amaldiçoar a minha vida, coloco minha mão no coração; seu retrato está lá, olho para ele, e o amor me traz felicidade perfeita, e tudo sorri exceto o tempo que devo passar longe da minha amada.
Com que bruxaria foi capaz de encantar todas as minhas faculdades e concentrar todo o meu ser na sua pessoa? Você morrerá apenas quando eu morrer. Viver para Josefina, essa é a história da minha vida que anseio.
Tento me aproximar de você. Tolice! Não percebo que estou me afastando. Quantos países nos separam!
“Meu irmão te entregará esta carta. Tenho o maior amor por ele e espero que conquiste o seu; ele o merece. A natureza dotou-o de um caráter doce e completamente bom; ele é repleto de boas qualidades.
Estou escrevendo para Barras para que ele seja nomeado cônsul em algum porto italiano. Ele quer viver com sua pequena esposa longe da agitação e dos assuntos políticos; recomendo-o a você.
Recebi as suas cartas dos dias 16 e 21. Há muitos dias em que não escreve. O que faz, então?
Não, minha querida, não estou com ciúmes, mas às vezes me sinto preocupado.
Venha logo; se demorar, me encontrará doente. O cansaço e a sua ausência são mais do que posso suportart. As suas cartas são a alegria dos meus dias, e meus dias de felicidade não são frequentes.
Junot está levando vinte e duas bandeiras para Paris. Volte com ele, está bem? Dor insuportável, miséria inconsolável, tristeza sem fim, se for tão infeliz a ponto de vê-lo retornar sozinho.
Minha amiga adorável, ele te verá, respirará em seu templo; talvez conceda a ele o sabor único e perfeito de beijar o seu rosto, e eu estarei sozinho e longe, muito longe.
Mas está vindo, não é? Estará aqui ao meu lado, em meus braços, em meu peito, em minha boca. Venha, venha! Mas viaje com cuidado. A estrada é longa, ruim, cansativa. Suponha que sofresse um acidente, ou que adoecesse. Venha com cuidado, meu amor adorável, mas penso em você a todo o tempo.
Recebi uma carta de Hortense [filha do primeiro matrimônio de Josefina]. Vou escrever para ela. Ela é encantadora. Eu a amo e em breve enviarei os perfumes que ela deseja. Leia atentamente o poema de Ossian, “Carthon”, e durma bem e feliz longe de seu marido, mas pensando nele.
Um beijo no coração, e outro mais abaixo, bem mais abaixo!”
À medida que fechamos o capítulo destas cartas apaixonadas, fica evidente que o amor de Napoleão por Josefina transcendeu as barreiras do tempo.
Essas palavras, carregadas de desejo, saudade e adoração, não são meras relíquias do passado, mas sim testemunhos vivos de um amor que se recusa a ser esquecido. Através destas cartas, Napoleão e Josefina continuam a inspirar, lembrando-nos de que o amor verdadeiro é tão vasto quanto os impérios e tão eterno quanto a própria história.
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