Julio Cortázar (1914 – 1984), escritor, tradutor e intelectual argentino, disse em uma palestra em Cuba que a literatura é como uma partida de boxe, um combate que se trava entre um texto apaixonante e o leitor. Nesse combate, o romance (obras literárias mais extensas) ganha por pontos; o conto, por knock-out. Os bons contos são “incisivos, mordentes e sem tréguas desde as primeiras frases”. Os contos perduráveis, segundo Cortázar, são como a semente de uma árvore gigantesca – “essa semente irá crescer em nós, inscrevendo seu nome em nossa memória”.
Tendo sido um excelente contista, Cortázar foi também um apreciador de outros autores, e nos legou a sua lista dos 8 melhores contos que julga terem sido escritos na literatura mundial. Vamos conferir?
William Wilson, de Edgar Allan Poe, narra a vida de um homem constantemente confrontado por um doppelgänger que tem a sua mesma aparência e nome. Desde a infância, esse duplo parece imitar e, simultaneamente, servir como consciência moral do protagonista, surgindo nos momentos em que ele está prestes a cometer erros. A história explora a luta interna do narrador com sua identidade e moralidade, enquanto ele tenta escapar da influência perturbadora de seu duplo.
Conto que inspirou Chico Buarque em Geni e o Zepelim, Bola de Sebo se passa na Guerra Franco-Prussiana e gira em torno de um grupo de franceses que está fugindo de Rouen. Entre eles encontra-se “Bola de Sebo”, uma prostituta que, inicialmente desprezada, ganha apreço ao compartilhar sua comida com os famintos passageiros. Porém, uma decisão sua e a repercussão desta evidenciam a hipocrisia profunda que reina na sociedade.
Em Cinquenta Mil Dólares, Jack Brennan, um ex-campeão de boxe em fim de carreira, se prepara para uma luta contra um adversário mais jovem e em ascensão. Reconhecendo suas chances limitadas de vitória, ele e seu treinador Walcott elaboram um plano. Brennan aposta 50 mil dólares em si mesmo para perder, uma soma significativa na época. A história retrata o combate e as consequências da decisão de Brennan, sublinhando a dureza e as complexidades éticas do mundo do boxe, bem como os sacrifícios feitos em nome da honra e do sustento.
Em Uma Lembrança de Natal, o narrador evoca suas memórias de infância no Sul dos Estados Unidos durante os anos 1930, descrevendo os momentos especiais que compartilhou com sua idosa prima distante. A cada dezembro, eles participam da tradição de fazer bolos de frutas para o Natal, enviando-os para pessoas que conhecem (e algumas que não). Este conto terno é uma celebração da amizade, dos rituais familiares e da simplicidade dos prazeres da vida.
Em Um Sonho Realizado, observamos um homem obcecado por um sonho recorrente. Neste sonho, ele está numa sala escura e ouve o choro contínuo de uma mulher. Mesmo sem vê-la, ele sente uma conexão profunda com ela. A narrativa se desenrola com o protagonista tentando entender e dar sentido a esse sonho perturbador, ao mesmo tempo em que reflete sobre sua própria vida e relações. Onetti explora temas de solidão, desejo e a natureza efêmera dos sonhos, contrastando-os com a dura realidade. O conto é um profundo mergulho na psique humana e na tentativa constante de dar sentido às experiências internas em meio às complexidades da vida cotidiana.
No conto Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, Borges nos apresenta a descoberta fictícia de uma nação chamada Uqbar e posteriormente um planeta chamado Tlön. A história começa com uma discussão sobre uma versão peculiar de uma enciclopédia que menciona Uqbar. A partir dessa descoberta inicial, o narrador (que é o próprio Borges) se aprofunda em uma investigação, revelando a existência de um projeto vasto e secreto: a criação de um planeta imaginário em detalhes minuciosos, Tlön. O planeta tem sua própria filosofia, linguagem e física. À medida que o conto avança, os objetos de Tlön começam a aparecer na Terra, e a linha entre a ficção e a realidade se torna cada vez mais tênue. Borges explora temas de realidade, existência e a natureza da criação e percepção.
Neste conto de Tolstói, somos apresentados a Ivan Ilitch, um juiz de instrução que leva uma vida comum e burocrática. A história começa com a notícia de sua morte e, em seguida, retrocede para detalhar sua vida, casamento e carreira. Eventualmente, Ivan sofre uma lesão aparentemente insignificante, mas que se revela uma doença terminal. Enquanto sua saúde se deteriora, ele começa a refletir sobre a vida e a enfrentar a angustiante realidade da morte. Tolstói explora a inevitabilidade da morte, a superficialidade das relações humanas e a busca de um significado verdadeiro na vida.
Os Sonhadores é um conto que se passa na África e relata a história de uma jovem cantora de ópera que é convidada a cantar para um líder tribal local. Durante sua estadia, ela ouve a história de três sonhadores que tiveram visões sobre o nascimento de Jesus, mas cada um em uma época diferente. Em vez de seguir a estrela, como os Três Reis Magos, eles escolhem ficar para trás, esperando o retorno do Messias em suas respectivas eras. O conto, repleto de simbolismo e rica linguagem, explora temas como sacrifício, fé, tempo e a natureza transcedental dos sonhos e da arte.