Diário de John Lennon, 22 de setembro de 2012, Nova York:
De vez em quando eu penso na sorte que tive naquela noite de dezembro de 1980. Um pneu furado a caminho de casa, e foi o tempo para que um policial de rua notasse a atitude suspeita de um fã na frente do Dakota. “Ele tinha um revólver, Mr Lennon”. “Estranho. Muito estranho. Chamei um carro de polícia e levaram o homem embora. Ele dizia que só queria um autógrafo do senhor, mas não sei não. Recomendo que o senhor tome mais cuidado daqui por diante. Nova York é violenta.”
A curiosidade me levou a perguntar: “O nome dele?” O policial respondeu: “Chapman. Mark Chapman.” Mais de trinta anos depois, jamais esqueci este nome, Mark Chapman. Passei a parar o carro no estacionamento do Dakota. Nova York é perigosa. E se ele quisesse descarregar em mim aquele revólver? Yoko sempre disse que sou paranóico quando toquei neste assunto com ela. Mas Yoko nem sempre está certa.
Pode ser que aquela noite tenha precipitado minha decisão de desaparecer, como se fosse uma Greta Garbo do rock. Claro que a questão da idade também pesou.
Aos 20, eu compunha com a facilidade com que respiro. Podia fazer numa semana mais músicas do que cabem num elepê. Aos 40, passava meses sem nenhuma inspiração. Rock é coisa dos 20: ponto. Nada mais patético do que velhos requebrando, mal conseguindo segurar uma guitarra.
Poucas vezes, nas últimas décadas, me animei a pegar um violão. Fazer o que com ele? Compor? Não consigo. Cantar músicas antigas dos Beatles? Não quero. A melhor coisa que existe é não fazer nada, descobri. É a isso que venho me dedicando nos últimos trinta anos.
Escapei, com o recolhimento absoluto, da maldição do roqueiro ancião. Vejo os caras do meu tempo. Botox, implante de cabelo, tinturas bizarras, dentes artificialmente brancos. E cantando sempre as mesmas músicas, que eles com certeza detestam. Sinatra – de vez em quando ouço o Sinatra, mas não o velho, e sim o jovem — disse que detestava cantar My Way, mas era obrigado porque a platéia exigia. Disso me livrei. Poderia estar cantando Help até hoje.
Quando olho para trás e reflito sobre minha vida, admito que fracassei. Cantei, nos meus dias, a paz. Give Peace a Chance. All you need is love. You can say I’m a dreamer. Tentei. Isso eu fiz: tentei.
Eu me achava influente. Acreditei, por algum tempo, que o mundo ingressaria numa época de paz e amor. Via no futuro uma fraternidade sem fronteiras, sem religião, sem ganância.
Mas, em vez da utopia pela qual me bati, veio uma distopia devastadora. Você gira o mapa-múndi e onde você coloca o dedo há uma guerra, ou uma ameaça de guerra. Minha pregação deu em nada.
Mas dei o melhor de mim. Isso me conforta.
Não entendo os jovens músicos de hoje. Estão cegos pelo dinheiro para não ver que deveriam gritar pela paz, como nos anos 60? Por que eles não promovem manifestações pela paz? A Guerra do Vietnã terminou quando as pessoas foram às ruas exigir o fim dela, e não só nos Estados Unidos. Stop the war: eram lindos aqueles cartazes.
Ninguém pede, melhor, exige o fim da Guerra do Afeganistão, por exemplo? Ninguém protestou contra a Guerra do Iraque? O silêncio pode ser criminoso, nestas situações. A rebeldia libertária dos jovens, onde ela foi parar? E os hinos de paz dos artistas?
O que vejo, hoje, é Paul com uniforme de adolescente cantar, pela milésima vez, Hey Jude.
Confesso que, nos últimos anos, tive algumas vezes o impulso de promover manifestações pela paz, como naqueles dias da década de 1960.
Mas desisti. Ninguém ouve um senhor de 70 anos, e o reumatismo atrapalha meus movimentos. Mas francamente: esperava mais dos jovens. Eles ficaram conformistas como anciões antes de passar por aquela rebeldia indômita que ao longo da história sempre mudou o mundo.
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