O sonho da imortalidade acompanha a humanidade deste os seus primórdios. Poderíamos dizer que nunca estivemos tão perto de
alcançá-la – mas, paradoxalmente, também nunca estivemos tão longe. Entretanto, há sempre aqueles otimistas; o cientista Ray Kurzweil, diretor de engenharia da Google, é um deles.
Em uma apresentação na conferência Global Future 2045 World Congress, no domingo (16), ele expôs seus pensamentos: acredita que será possível reprogramar as células de forma que se recuperem de doenças e, algo que já é realizado atualmente, criar tecidos e órgãos a partir de células em impressoras 3D. Ele afirma que já existem terapias para curar problemas de coração, câncer e todo tipo de doença neurológica – tudo com base na reprogramação de software; terapias estas que serão um milhão de vezes mais potentes em 20 anos.
Na semana passada, Dmitry Istkov, multimilionário russo, também apresentou a Iniciativa 2045 – que pretende criar avatares humanos nos quais possa-se carregar todo o conteúdo do cérebro humano.
Isto tudo, talvez, esteja um pouco exagerado. Não vamos esquecer que as previsões futurísticas feitas nas décadas passadas não se concretizaram a tempo; muitos deram prazos demasiadamente curtos para revoluções estrondosas, que ainda estão longe de ocorrer.
Estas ideias embarcam em uma série de dificuldades. O corpo humano não foi feito para durar tanto tempo assim – tudo tem um limite de duração. Você deve lembrar que os nossos cromossomos parecem uma série de X – e o ponto de ligação destes X chama-se telômero. A cada replicação da célula, eles vão subindo, subindo e, quando chegam à ponta do X, acabou – a célula
morre. Portanto, inevitavelmente, tudo se esgota (exceto, talvez, por células do fígado e neurônios que, se estimulados, podem continuar vivos até o resto do corpo ceder, sendo uma das células mais peculiares do corpo).
A técnica de reprogramação de células, apesar da afirmação de Kurzweil, ainda é muito incipiente. Cientistas estão esenvolvendo, agora, o que chamam de terapia gênica – cuja proposta é levar, através de vírus modificados, genes para o DNA do corpo, permitindo que sejam incorporados. Daí, para reprogramar tudo, ainda falta muito.
Ao mesmo tempo, os cientistas se veem diante da dificuldade dos telômeros – como evitar seu processo natural? E como substituir as células faltantes? Porque a terapia com células tronco, também, ainda está no berçário, atravancada justamente por pensamentos retrógrados governamentais que complicam sua pesquisa em muitos países. Ainda não conseguimos pegar uma célula-tronco totipotente, ou seja, uma que pode se transformar em virtualmente tudo, e transformá-la; ainda dependemos daquelas que podem se transformar em uma ou outra linhagem – como células da linhagem do sangue, do osso, etc.
Se não forem revistas diversas políticas internacionais, a tecnologia das células-tronco continuará a avançar em passos lentos. Para ocorrer a revolução prevista por Kurzweil, é necessário o mesmo tipo de esforço conjunto que foi feito para o Projeto
Genoma. Mas vamos tentar de outra forma e imaginar que consigamos construir partes do corpo e tecidos na impressora 3D: como implantá-los? Porque, inevitavelmente, o corpo inteiro deverá ser trocado – e, por corpo inteiro, isto inclui até mesmo coluna vertebral e pele. Como trocar toda a pele de um ser humano? Talvez, criar um corpo inteiro novo – mas, como transplantar o cérebro para este corpo novo? Pois ele não resiste a mais do que três minutos sem oxigênio.
Aí entra, quem sabe, a ideia de Itskov. Avatares. A interface cérebro-computador, sonho de neurocientistas como Miguel Nicolelis, entretanto, é outro tipo de pesquisa que está bem no início. O conhecimento que temos do cérebro ainda pode ser comparado ao conhecimento que tínhamos do corpo na época de Hipócrates, dada a enorme complexidade do seu funcionamento. Há iniciativas de cientistas de mapear todo o cérebro – a mais recente a Eyewire, que pretende mapear os neurônios dos nervos oculares de ratos. É um trabalho que envolverá computadores, cientistas e leigos de todo o mundo, levará um tempo indeterminado, e é ainda 300 mil vezes menor do que o que temos no cérebro.
Difícil, não? Embora estejamos caminhando bem com próteses ligadas diretamente a nervos, ainda não conseguimos transformar pensamentos e conhecimentos em bits. E isto é o essencial para que consigamos fazer um upload de nossa mente em chips de computador. Afinal, o cérebro não funciona em código binário – ele funciona de uma forma análoga à física quântica, onde a quantidade de impulsos, a direção, o sentido, a interconexão dos neurônios e o todo interferem e dão uma característica
única a cada pensamento.
Se um dia nos tornaremos imortais? Não descarto esta possibilidade. Mas, por mais otimistas que sejamos, 20 anos é muito pouco tempo para conseguirmos. Até lá, talvez devêssemos nos preocupar com o que concretamente nos faz imortais: nossas ações e legado. Porque serão as gerações futuras que irão desfrutar disso – da nossa imortalidade e, talvez, da deles.
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