“Entre Abelhas” mostra que Porchat é ainda mais do que esperávamos

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Quando o canal humorístico do YouTube chamado Porta dos Fundos estreou em 2012, o integrante mais famoso era, sem dúvida, Fábio Porchat.

Dez anos antes, havia ido ao Programa do Jô como espectador, junto com vários colegas da faculdade de administração, e ganhou a oportunidade de interpretar uma cena escrita por ele mesmo, que tinha Os Normais como base. O que foi a deixa para que o jovem desistisse da faculdade e virasse, profissionalmente, ator, roteirista e humorista.

Nos anos seguintes, consolidou-se como roteirista de programas de humor da Globo – como Zorra Total e Junto & Misturado, no qual também atuou -, além de ficar famoso por suas performances de comédia stand-up.

Nesse meio tempo, também fez trabalhos de menor repercussão junto do amigo Ian SBF – que viria a ser um dos criadores e diretor do canal de humor.

Assim, quando o Porta dos Fundos começou a fazer sucesso, foi muito por conta de Porchat, que, além de um dos criadores, um dos atores e um dos roteiristas, era também o nome que mais tinha poder de chamar espectadores.

Seu tipo de humor – tanto como roteirista quanto como ator – agrada muito o público ao apostar mais em aflições cotidianas, mas por vezes críticas, também. Sua interpretação se equilibra muito bem entre o natural e uma afobação ou desespero do personagem.

Provavelmente é o mais verborrágico, expressivo e caricatural do grupo, mas sem cair num exagero. Consegue fazer um humor ao mesmo tempo popular e inteligente.

Porchat aos 18 anos no Programa do Jô

E agora ele mostra um outro lado seu, em Entre Abelhas – um lado mais contido. Não que seja uma mudança tão grande quanto quando Jim Carrey resolveu provar que poderia ser também um excelente ator de drama. Até porque o longa escrito por Ian SBF – que ainda dirige – e Porchat – que iniciou o roteiro há 10 anos – não deixa de ser, também, uma comédia.

O filme conta a história de Bruno (Porchat), que, após terminar um namoro com Regina (Giovanna Lancellotti), começa a deixar de enxergar – e ouvir – algumas pessoas, recorrendo à ajuda da mãe (Irene Ravache, excepcional, como de costume).

Sem dar muitas explicações e nem exatamente estabelecer as regras dessa condição – por exemplo, o que Bruno vê quando uma pizza é comida por um “amigo invisível”? -, o roteiro concentra-se em como o protagonista lida com essa situação. O cenário surreal é usado para refletir sobre aspectos de nossa personalidade, mas sem dar nenhuma resposta fácil, deixando a interpretação para o espectador.

Como eu disse, a obra é uma comédia, entre outras coisas. Tem momentos inspirados de humor, como quase todas as cenas contendo o fútil melhor amigo Davi (Marcos Veras) ou, principalmente, o desconhecido Nildo (Luiz Lobianco). Porém, cada vez mais, é perceptível como a vida de Bruno está muito mais triste do que engraçada.

Com muita sutileza, o filme consegue passar o desespero de toda a situação, nos fazendo lamentar profundamente pelo que o protagonista está passando, e nos emocionando com cenas de uma beleza dramática que seria impossível em qualquer outra premissa.

Num cinema brasileiro dominado – em número de salas – por comédias “mais do mesmo”, é muito bom ver um filme tão profundo e que tem, ao mesmo tempo, potencial para atingir um grande número de espectadores. Afinal, o cinema brasileiro é muito mais que comédias pastelão e dramas policiais, e todo mundo deveria saber disso.

Ele interpreta Bruno em “Entre Abelhas”

Com cores frias, uma trilha sonora precisa e recorrendo a métodos mais naturais para contrapor a visão de Bruno à realidade, Entre Abelhas é, sem dúvida, um dos filmes brasileiros mais melancólicos dos últimos anos a chegar ao grande público.

Chame de “dramédia”, de “tragicomédia” ou do que for, é uma obra que consegue, com muita sensibilidade, ser um riquíssimo exemplar do gênero.

Assim, podemos dizer seguramente que Fábio Porchat chegou a um novo ponto da carreira. Como mencionado, em termos de atuação, não é um divisor de águas, mas é um intérprete mais contido e que dá mais valor a pequenos gestos e expressões.

Porém, aqui ele mostra que, seja na frente ou atrás das câmeras, é muito mais versátil do que estávamos acostumados.

Se antes poderia haver um certo preconceito por ele ser “meramente” um humorista – um gênero inferior do audiovisual, alguns acreditam -, pronto, Porchat agora provou ser realmente um artista.

Depois de seu surgimento repentino no Jô, sua carreira na Globo, seu incrível sucesso no stand-up e no Porta dos Fundos, e agora sua sensibilidade com Entre Abelhas, fica o aguardo para saber qual será sua próxima empreitada.

Mas seja qual for, quem não apostar em algo popular e de qualidade já sairá perdendo.

Seu vídeo sobre a Tim foi um dos propulsores da carreira
CD Vallada

Formado em cinema pela FAAP, o paulistano CD Vallada foi colunista do Portal Higi e hoje traz suas análises da indústria cinematográfica ao El Hombre.

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