Quando falamos de carros, muitos são os adjetivos que usamos para defini-los. É comum na conversa ouvirmos as pessoas dizerem que determinados modelos são bonitos, são econômicos, são arrojados e por aí vai.
Mas também se ouve muito falarem que tal carro é, digamos, simpático. Já ouviram isso? Muitos, por exemplo, definem assim modelos como o Fusca, a Kombi, o Fiat 500 e etc. Mas como é que um carro, um objeto sem vida, pode ter uma qualidade que requer personalidade para existir?
Pois bem, uma dupla de psicólogos australianos chegou a uma conclusão inusitada, curiosa, mas que faz muito sentido: as pessoas tendem a escolher carros que lembrem o desenho do próprio rosto. Mesmo que pareça brincadeira, o estudo é muito sério.
Anos atrás cientistas já haviam provado que as pessoas identificam semelhanças entre a frente dos carros com rostos humanos, enxergando-as como tal. Baseados nessa premissa, Stefan Stiegar e Martin Voracek, da Universidade de Viena, conduziram esta nova pesquisa para provar que, além disso, as pessoas também se identificam com carros que se pareçam com elas. O estudo inclusive foi publicado no Swiss Journal of Psychology.
O teste que foi feito é até bem simples: Stiegar e Voracek escolheram 30 pessoas e colheram fotos em preto e branco do rosto e do carro de cada uma. Eles tomaram o cuidado de escolher pessoas que efetivamente escolheram seus carros (não usaram, por exemplo, gente que ganhou de presente ou coisa parecida, e que não tiveram opção de escolha).
Com este material em mãos, eles montaram cartões com a foto de um carro na parte de cima e com seis fotos de pessoas logo abaixo. Ali estava o verdadeiro proprietário do automóvel rodeado por outros 5 rostos aleatórios. O objetivo era montar um “ranking” numerando cada pessoa com um valor de 1 a 6, em que 1 correspondia ao mais provável e 6 ao menos provável dono do veículo. Simples assim. Devia-se responder apenas olhando a foto do automóvel.
Sem dar nenhum detalhe sobre o que pretendiam com isso, os pesquisadores convidaram um grupo bem heterogêneo de participantes para o teste – homens e mulheres com idades que variavam entre 16 e 78 anos. E o que ocorreu foi que a grande maioria das pessoas testadas acertou em cheio o dono mais provável e, quando perguntados o porquê de terem feito as escolhas que fizeram, responderam que o rosto do candidato escolhido lembrava o desenho do carro. No final, o fator determinante da escolha havia sido mesmo a semelhança “física”.
Para se ter certeza de que os participantes não estavam agindo sob influência de estereótipos de gênero ou de status (como associar um carro de luxo a alguém que pareça rico, por exemplo) conduziram uma segunda bateria de testes só que mostrando os automóveis de lado ou de traseira. O resultado foi que o número de respostas certas caiu quase à zero.
Isso mostrou que, toda vez que a foto não apresentava a parte frontal do veículo – com a grade central e os faróis dianteiros bem evidenciados – as pessoas perdiam totalmente suas referências e ficavam sem dados para elaborar uma associação.
Existe um estudo recente que mostra que as pessoas também tendem a escolher seus cães dessa forma, ou seja, adotando aqueles que lembram a si próprias.
Utilizando estes resultados como um paralelo, Stiegar e Voracek fizeram um teste final distribuindo aos participantes cartões semelhantes ao do primeiro teste, porém trazendo a foto do automóvel acima e a foto de 6 cães logo abaixo. A pergunta era “Qual dos cães tem mais probabilidade de pertencer ao dono do carro acima”.
O sistema de ranking usado também foi o mesmo e, incrivelmente, o resultado foi igual ao do primeiro teste. O nível de acertos era sempre muito alto quando a foto do carro mostrava a frente, e baixíssimo quando mostrava apenas a lateral ou a traseira.
Em 2012 cientistas também provaram que as áreas do cérebro que as pessoas utilizam para identificar outras pessoas são as mesmas que são utilizadas para identificar modelos diferentes de carros.
Enfim, no final das contas este estudo é interessante por mostrar que nós, de forma inconsciente, tratamos nossos carros como se fossem pessoas. E não apenas porque alguns de nós dão nomes à eles ou os tratam de forma carinhosa, mas também porque eles trazem traços inteligíveis a nós. E essa identificação nos ensina muito sobre essa incrível capacidade humana de colocar um tanto de si mesmo em tudo o que criamos.
Ps: os estudos foram citados nesse artigo da Scientific American.
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