Quando li uma reportagem na revista Fapesp sobre a façanha do capitão Robert Falcon Scott, eu devo dizer que fiquei aterrorizado. O ano era 1911, e este capitão decidiu conquistar o pólo sul. Para se ter uma ideia, a Antártica era um continente desconhecido até o século XIX, quando foi efetivamente avistada por um russo e pisada por um americano (John Davis), em 1821. Somente 90 anos depois o seu centro seria conquistado.
Scott propôs uma aventura, devo dizer, no mínimo gananciosa. Seu intuito era estabelecer pontos de pesquisa, conforme avançava mais e mais em direção ao polo, no verão, e, ao mesmo tempo em que o conquistava, traria também material para inúmeras pesquisas. Seria relativamente altruística, se o seu desejo por coletar informações e não deixar nada para trás não o tivesse feito perder a corrida contra o norueguês Amundsen, que avançou com trenós e uma equipe mais leve, com a única intenção de conquistar o polo, e culminasse com a morte de todos os integrantes de sua equipe.
A aventura de Sir Fiennes, muito diferente da realizada por Scott, contará com todas as maravilhas modernas: equipe de apoio com cabanas aquecidas, banheiro, laboratório, dormitório; comida, combustível, papel higiênico; roupas de quatro camadas, radares e outros equipamentos especiais; e até mesmo aquecedores de ar, pois à temperatura de -60 graus Celsius, o seu pulmão literalmente congela em segundos, levando à morte em minutos. O pico de frio já registrado na Antártica é de -89,3ºC, em 1983, e a média no inverno é de 48 graus negativos no centro do continente. Seu trajeto, de 3800 quilômetros cobertos a pé, será feito nos seis meses do outono e inverno antártico, quatro destes na mais completa escuridão, e todos sem a possibilidade de qualquer auxílio externo, pois não há quem chegue ao continente neste período do ano, devido às condições meteorológicas.
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Scott, ao contrário, não tinha nada disso. O relato aterrorizante descrito na revista fala sobre homens morrendo de fome – pois a comida não era suficiente, dada a necessidade diária absurda consequente ao frio – e com os dentes todos quebrados de tanto se baterem. Na ânsia de juntar informações para a ciência, o que atrasou em muito sua expedição, Scott chegou ao pólo para encontrar a bandeira norueguesa e morreu com seus companheiros em sua cabana, durante uma tempestade que durou vários dias. Com sua expedição, foram coletados 15 quilos de materiais, que serviram de base para inúmeros artigos científicos. Eles renderam, inclusive, dados que corroboraram a teoria da evolução de Charles Darwin. Scott, infelizmente, não aproveitaria nada disso.
Sir Fiennes, sustentando como exemplo este capitão, quer realizar um feito igualmente memorável e provavelmente muito mais louco – afinal de contas, qual a sua intenção em cruzar aquele deserto de gelo? Diversos países – inclusive o Brasil – já dispõem de bases de exploração naquele continente, que funcionam durante todo o ano. Que avanço este dispendioso projeto de 20 milhões de reais trará para a ciência?
Muito provavelmente, nenhum – isto se não terminar em tragédia, como o de Scott. Parece mais uma fanfarronice deste homem de 68 anos, que já deu a volta ao mundo a pé, encontrou as ruínas perdidas da cidade de Ubar, tentou caminhar até o pólo sul, ficou atolado no ártico, ocasião em que perdeu os dedos da mão esquerda, infartou, correu sete maratonas consecutivas em sete continentes, escalou o Elger pela face norte e o Everest e cruzou a Antártica no verão.