Felicidade é um assunto que sempre rende boas discussões. Como já comentamos aqui no El Hombre, a Finlândia foi eleita pelo 6º ano consecutivo o país mais feliz do mundo. Os EUA, por sua vez, ficaram em 15º no ranking. A escritora finlandesa Marja Heinonen publicou um artigo na CNN explicando qual seria, na sua opinião, o segredo para os finlandeses serem (muito) mais felizes do que os americanos. A sua reflexão — que traduzimos abaixo para o português — vale a leitura, senhores.
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De acordo com o mais recente Relatório Mundial da Felicidade, meu país, a Finlândia, tem as pessoas mais felizes da Terra, uma designação que manteve por seis anos consecutivos. Imagino que essa notícia possa irritar alguns americanos, especialmente os que gostam de exaltar o Sonho Americano e de descrever seu país como o maior do mundo.
Desde 2002, o Relatório Mundial da Felicidade tabula a felicidade relativa das pessoas ao redor do globo, usando análises estatísticas para levar em conta fatores como o produto interno bruto per capita, apoio social, expectativa de vida, liberdade para fazer as próprias escolhas de vida, generosidade da população em geral e percepções do nível de corrupção na sociedade.
Os EUA ficaram em 15º lugar entre os 149 países da pesquisa. Isso foi uma anomalia? Não, os EUA não conseguiram entrar nos Top 10 em todos os últimos anos. No ano passado, estava em 16º lugar. Em 2021, ficou em 14º lugar. No ano anterior, 2020, estava em 18º. [Nota do ELH: O Brasil está no 49º lugar.]
Questionados ao longo dos anos sobre seu próprio nível de satisfação com suas vidas, os americanos consistentemente fornecem respostas que colocam os Estados Unidos nas classificações de dois dígitos, atrás de vários outros países.
Como outros países nórdicos, a Finlândia tem instituições bem funcionais e democráticas que fornecem aos seus cidadãos benefícios e segurança extensos. Os cidadãos de nossos países confiam em nossas instituições, algo que certamente não pode ser dito dos Estados Unidos no momento, que, de acordo com algumas avaliações, corre o risco de perder a própria democracia que tem sido seu cartão de visitas no cenário global. (Entre os outros países nórdicos, a Dinamarca ficou em 2º lugar; a Islândia ficou em 4º lugar; a Noruega ficou em 6º lugar.)
Claro, cada país tem uma história única e traçou um caminho singular para seu atual nível de contentamento nacional — ou falta dele. A Finlândia e outros países nórdicos não têm as profundas divisões de classe e a desigualdade econômica vivenciadas por alguns outros países — incluindo os Estados Unidos. Nossos sistemas econômicos não são construídos em cima de quem tem e quem não tem, um modelo darwiniano de sobrevivência do mais apto que na verdade incentiva divisões de classe e conflitos ao recompensar vencedores que muitas vezes parecem ter sucesso aproveitando-se dos menos afortunados.
Para aqueles de nós que vivem fora dos Estados Unidos, obviamente parte do que sabemos sobre a América é baseado em generalizações — alguns até chamariam de estereótipos — que são compartilhados pelo mundo todo. E ainda assim, eu acho que a maioria desses lugares-comuns guarda mais do que um grão de verdade.
O cientista político Ronald Inglehart ofereceu uma explicação de porque os habitantes dos países nórdicos consistentemente se mostram mais satisfeitos com sua sorte na vida. Em um relatório de 2020 intitulado “Excepcionalismo Nórdico”, que foi parte do Relatório Mundial da Felicidade daquele ano, ele disse que nossos países constituem “o principal exemplo de modernização bem-sucedida, maximizando prosperidade, solidariedade social, e liberdade política e pessoal.”
Outra característica da vida na América vista de fora é seu foco exagerado no dinheiro — ganhá-lo, obter mais dele e mantê-lo uma vez que você o tem. Eu costumava me perguntar por que meus amigos americanos gastavam tanta energia mental pensando em ganhar dinheiro. Eu cheguei à conclusão de que eles não tinham opção. Nos EUA, o futuro depende muito de quanto dinheiro você possui. Se você não pode pagar a mensalidade escolar ou cobrir seus custos de saúde ou reservar fundos para seus anos de velhice, a vida pode ser realmente miserável.
Como o sistema nórdico leva à felicidade nacional geral? Deixe-me usar minha própria experiência como exemplo. Meu pai era um trabalhador da construção civil e minha mãe trabalhava em uma fábrica. Graças a um sistema educacional exemplar, pude obter um doutorado praticamente de graça. Minhas duas filhas tiveram acesso a uma das melhores educações do mundo — novamente, praticamente sem custo. Como mãe solteira, não posso enfatizar o suficiente o quanto foi importante não ter que tirar do meu próprio bolso para pagar uma educação de qualidade para elas.
As taxas de creche são subsidiadas para todas as famílias na Finlândia. Antes de ir para a escola, minhas meninas puderam frequentar uma creche pública maravilhosa e altamente profissional a um custo extremamente razoável, o que me permitiu trabalhar.
Então há a questão das despesas médicas — uma enorme dificuldade financeira para muitas famílias americanas. Uma das minhas filhas teve uma doença esquelética crônica desde pequena, e o tratamento médico durou mais de uma década.
Sou grata por viver em um país onde as despesas médicas da minha filha eram acessíveis e não arruinaram nossas vidas. A maior parte das despesas foi coberta pelo sistema de saúde público. Na verdade, paguei menos de US$ 1.000 por suas estadias no hospital, visitas ao médico e 10 órteses personalizadas que ela teve que usar ao longo de uma década para ajudar a corrigir a curvatura de sua coluna. Nosso sistema de saúde universal financiado pelos contribuintes é de alta qualidade, mas sem pilhas de papelada confusa ou contas enormes suportadas pelo paciente.
Tudo isso faz parte do nosso estado de bem-estar social, pelo qual os países nórdicos são famosos. Percebo que “bem-estar social” é uma palavra suja para muitos nos Estados Unidos. Mas vários estudos confirmam que a generosidade do estado de bem-estar social tem um impacto tremendamente positivo na satisfação com a vida. A jornalista e escritora finlandesa Anu Partanen, que viveu por anos nos EUA, compartilhou comigo a visão de que os americanos estão muito mais enredados em dependências insalubres do que percebem. Ela escreve sobre isso em seu livro “A Teoria Nórdica de Tudo”.
Alguns nos EUA disseram que querem menos envolvimento do governo, não mais, e criticam a Finlândia como um “estado babá” socialista onde o governo tem muito a dizer sobre os detalhes da vida dos indivíduos. Na Finlândia, descobrimos que o governo realmente libera as empresas para se concentrarem no que fazem de melhor: negócios. E isso se provou ser uma benção não apenas para a economia, mas para a sociedade como um todo.
Partanen diz que, enquanto as empresas dos EUA lutam para administrar planos de saúde e encontrar trabalhadores educados, os governos nórdicos fornecem serviços públicos de alta qualidade para todos os cidadãos e oferecem educação de qualidade a todos, de forma que os empregadores não têm falta de candidatos qualificados para empregos.
A sobrevivência no nível mais básico, existencial, está no coração da felicidade, e em algumas sociedades como os EUA, ganhar dinheiro suficiente para viver confortavelmente pode ser um negócio complicado. No entanto, além disso, mais dinheiro não necessariamente cria maior felicidade, e pode fazer exatamente o oposto.
O economista Richard Easterlin observou há anos que a renda e a felicidade nem sempre estão ligadas. Um ingrediente muitas vezes esquecido, mas importante que faz uma enorme diferença em termos de aumento do sentimento de contentamento de uma nação, é o nível de disparidade de renda dentro da sociedade. Um país com diferenças de renda relativamente pequenas geralmente tem menos pessoas insatisfeitas — talvez porque haja menos necessidade de tentar “acompanhar seus vizinhos”.
Em um país como o meu, onde não existem grandes extremos de riqueza ou pobreza como nos EUA, a oportunidade de se desencantar com sua sorte na vida é muito diminuída. E aqueles infelizes o suficiente para cair abaixo da linha da pobreza na Finlândia sabem que há uma rede de serviços de bem-estar social e ajuda pública para ajudá-los a se reerguer.
Não existe um equivalente finlandês do Sonho Americano, prometendo riquezas eventuais após uma vida de labuta. Em vez disso, aqui nos países nórdicos percebemos que o segredo da felicidade está em uma espécie de igualitarismo e confiança em nossas instituições. Isso leva a uma coesão social — e felicidade — que o dinheiro simplesmente não pode comprar.
Fonte: CNN
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