Uma querida amiga minha, Mariza Montalbán, uma morena de fazer cego olhar para trás e gritar “uau!”, me perguntou outro dia: “O que a Lenira fez para que você fosse tão apaixonado por ela naqueles tempos? Quero a receita.”
Ela se queixou, depois, de que jamais sentiu em nenhum de seus namorados uma paixão parecida com a que viu em mim pela Lenira, long, long time ago, como diz aquela música tão linda, American Pie. Não, pelo menos, depois da segunda semana. A beleza soberba de Mariza Montalbán tem sido suficiente para inspirar paixões arrasadoras, sim.
Mas não duradouras.
Foi assim com seu último namorado, Hugo, um jornalista amigo meu. Fui eu quem apresentou um ao outro. A paixão abrasiva de Hugo por Mariza durou seis dias e onze horas. Nem um minuto mais. Outro dia vi Hugo num bar animadíssimo com uma garota bem menos bonita que Mariza. Depois ele me disse que a nova namorada, Pietra, pelo menos não corrigia o seu inglês precário. (Hugo chama Spike Lee de Espique.)
A pergunta de Mariza me obrigou a pensar nas razões pelas quais fui, no passado, um escravo físico e intelectual de Lenira. E cheguei a uma conclusão: isso tudo tem muito mais a ver com atitude do que com beleza. A beleza pode acender uma paixão num homem. Mas só a atitude é capaz de mantê-la. Lenira tinha uma dose assombrosa disso. De atitude.
Lenira fazia você acreditar na ilusão de que era o único homem no mundo. Lenira olhava você como se estivesse olhando para o Brad Pitt. Lenira punha os olhos dela nos seus e não tirava de lá nem para piscar. Um, vários homens bonitos podiam passar por nós, Lenira só tinha olhos para mim.
I only have eyes for you, me ocorre agora aquela música romântica americana. Lenira parecia prestar atenção em cada sílaba que eu pronunciava, como se eu fosse Montaigne, ou Flaubert, ou Pitágoras. Mesmo quando eu dizia uma tolice espantosa, Lenira reagia como se acabasse de ouvir uma frase inspirada, genial. Lenira ria da piada mais sem graça que você poderia contar. Seu supremo talento era fazer tudo isso sem aparentar falsidade.
Lenira realmente parece achar você um cara especial.
Isso, na verdade, é tudo que um homem quer de uma mulher. Que não o faça sentir mais um na multidão. Minha bela amiga Mariza Montalbán é o oposto. Mariza sempre dá um jeito de deixar claro que ela é especial. Mariza olha para os homens de cima para baixo. Parece estar fazendo um favor a eles por estar ali em sua companhia.
Numa mesa de bar ou restaurante, olha sempre para outros homens bonitos que entram. Parece entediar-se depois de alguns minutos de conversa com seu acompanhante. Seus olhos erram pelo ambiente como besouros, ou bizorros, como dizia Hugo. E, porque lavou louça seis meses num restaurante londrino, se acha no direito de corrigir impiedosamente o inglês de seus namorados, como fez com o convictamente monoglota Hugo. Mariza é zero em atitude.
Lenira era 10 com louvor nessa disciplina. Um dia, no começo da carreira, eu estava arrasado. Uma promoção que eu esperava ansiosamente na redação me foi afinal negada. Meu chefe preferiu promover uma colega mulher com quem devia estar tendo um caso. Eu sabia que escrevia muito melhor que ela, mas sabia também que jamais teria 90 de busto como ela. E então dancei. Quando contei a história para Lenira virou-se para mim e disse: “Você é melhor que todos eles.”
Já faz muito tempo que essa frase foi pronunciada. E já faz também muito tempo que Lenira é apenas uma recordação de doçura intermitente para mim.
Mas desde aquele dia, sempre que um vento frio sopra sobre minha alma, sempre que eu procuro sentido para as coisas sem encontrar, sempre que tenho vontade de fugir para dentro de mim mesmo e não retornar, aquela frase de Lenira tão, tão, sei lá, tão pungente, ainda que tão distante da realidade de um escritor vulgar como eu, um loser como os americanos dizem, aquela frase, eu dizia, me volta aos ouvidos como um cobertor numa noite de inverno. Tudo que no fundo o homem quer é que pelo menos para sua namorada ou mulher ele seja melhor que todo mundo.
Lenira me fazia sentir assim.