É difícil reservar o espaço de Hombre da Semana nessa edição para um homem que não esteja relacionado com o finale de Breaking Bad – e isso vem de alguém que, com muita vergonha, ainda não assistiu ao último episódio da série, assumidamente.
Mas ao invés de falarmos sobre Walter White, Jesse Pinkman ou das atuações geniais dos atores, nada mais justo do que reservar esse momento para o hombre por trás da série: Vince Gilligan.
E não é necessário ter assistido ao último episódio de Breaking Bad para reconhecer o divisor de águas que a série foi na cultura moderna – basta ser um pouco informado e utilizar as mídias sociais para ver a repercussão que o seriado teve no mundo todo.
Mais do que um marco, Breaking Bad é também um símbolo da revolução que acontece na TV, ultrapassando em termos de qualidade o que é produzido no cinema, trazendo personagens, tramas e temas muito mais interessantes. Pegando carona com o que Sopranos e Mad Men começaram, Breaking Bad marca o ápice do sucesso das séries de TV nos dias de hoje – algo que era sonhado pelos cineastas da Nova Hollywood mas que só foi alcançado neste século.
E por trás deste sucesso está a mente do criador Vince Gilligan. O roteirista/produtor entrou na indústria de forma curiosa. Fã do seriado Arquivo X, Gilligan, formado em cinema na NYU, escreveu um roteiro amador e mandou para a FOX. Os executivos do canal gostaram tanto, que produziram o roteiro e contrataram Gilligan que acabou atuando também como produtor pelo restante da série e do spinoff que ela gerou – e que depois foi cancelado.
Depois de tentar vender o projeto Breaking Bad para alguns estúdios que decidiram não bancá-lo, o produtor conseguiu um pedido da FOX de 9 episódios para a primeira temporada. A ideia de Gilligan era subverter os protagonistas usuais vistos na TV, apresentando um personagem central que lentamente se transformaria em um antagonista.
Entrando no movimento de anti-heróis vistos na TV americana atualmente, Gilligan criou um cenário conturbado repleto de personagens complexos e tridimensionais, encarando diversos dilemas morais. O fato de ser uma série gera uma possibilidade de explorar os temas abordados de uma forma impossível de se fazer em filmes. O desejo de Gilligan era mostrar uma humanidade por trás das decisões tomadas por seus protagonistas, levando o público a torcer por eles mesmo condenando suas atitudes.
É incrível notar a maestria que Gilligan tem como roteirista. Diferente da maioria das séries, o produtor parecia desde o começo saber a história que queria contar e a hora de parar. A sensação é que Vince já tinha escrito todas as 5 temporadas antes de apresentar o projeto para a FOX – mesmo sabendo que, na verdade, o produtor foi muito flexível com sua criação (Jesse Pinkman, por exemplo, a princípio morreria na primeira temporada; Hank também teria um papel muito menos ativo).
Breaking Bad desenvolve no tempo certo os conflitos entre os personagens e planta sementes na trama que às vezes acabam sendo colhidas muito mais tarde. Os personagens vão se desenvolvendo, se transformando em pessoas diferentes, suas relações ficam mais complexas, assim como seus conflitos, levando a um clímax impressionante que não perde o fôlego durante a 5a temporada toda.
Depois de três temporadas que não passaram nem perto do sucesso recente alcançado pelo seriado, Breaking Bad se tornou um hit de audiência depois da parceria que firmou com o Netflix – após entrar no canal da internet, sua audiência aumentou consideravelmente, levando o programa a ser a febre que é.
A última temporada de Breaking Bad, que foi dividida em duas partes, teve cada um de seus episódios repercutidos de forma poucas vezes vista. Os maiores sites da indústria faziam recapitulações dos episódios que haviam acabado de ser exibidos. E o finale teve mais de 10 milhões de espectadores (uma média considerada muito boa para um canal fechado como a AMC) nos EUA e quebrou recorde de pirataria, com 500 mil downloads nas doze horas logo depois de sua exibição, com grandes chances de ser um dos mais baixados de 2013.
Gilligan conseguiu criar não apenas um dos maiores seriados da história da TV. Tornou real o sonho de cineastas como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, fazendo algo que eles não conseguiram fazer. Por essas e outras ele é o hombre da semana.