O acidente com Niki Lauda é uma de minhas primeiras recordações da F1. A comoção das pessoas ao meu redor com os gritos de “Meu Deus!” e “Vai morrer” ou mesmo “Já está morto!” chamaram minha atenção para o aparelho de TV.
O que vi foi uma bola de fogo e logo depois Lauda sendo colocado no chão, alguns metros adiante. Não cheguei a ver a batida ao vivo, mas não descarto a possibilidade de que tenha nascido aí o interesse que passei a ter pela F1.
Numa época em que a letalidade do esporte era altíssima, uma média de duas mortes por ano (com menos GPs que hoje) e quando mesmo os treinos livres eram uma roleta russa, o rosto deformado de Niki Lauda foi uma imagem que traduzia bem aqueles tempos de carros que rebolavam nas pistas mais do que dançarinas em palcos.
O circo da F1 parecia sempre fadado a pegar fogo. As multidões acampadas dentro dos autódromos, os fotógrafos e cinegrafistas arriscando-se à beira da pista, as equipes que corriam para cima dos carros na linha de chegada e o público extrapolando qualquer limite de bom senso… Todos expostos ao perigo quase na mesma intensidade que os pilotos.
Esse era o glamour daquela época retratada no filme “Rush”, de 2013. Se você ainda não assistiu, sugiro que o faça.
Talvez para os brasileiros, a escorregada maior do filme seja uma recriação pouco fiel de Interlagos, compensada nas citações feitas a Emerson que dão uma cutucada no orgulho brasileiro. Percebe-se o respeito que tinham pelo nosso “Rato” (já era bicampeão mundial por equipes distintas, Lotus e McLaren), mesmo apelido dado por Hunt a Lauda.
Além de muitíssimo bem filmado, com recursos digitais que nos fazem sentir o cheiro de gasolina, de borracha queimada, a adrenalina da velocidade e a insanidade de correr cegamente sob chuva, a rivalidade entre Niki Lauda e James Hunt não se perde em pieguice nem faz julgamentos moralistas.
James Hunt fazia o estilo bad boy hoje quase extinto na categoria, mas estava longe de ser único. O bom mocismo de Lauda é que era exceção. Hunt morreu cedo, não de acidente, em virtude de seus excessos igualmente fora das pistas.
O ponto do filme não é o maniqueísmo. Em entrevista ao site português “Autoportal”, Niki Lauda comentou logo após ver o filme: “Merda, aquele sou eu mesmo”, e lamentou Hunt não estar vivo para poderem assistir juntos numa prova de respeito que é a espinha dorsal da história.
Se não fosse Hunt, talvez Lauda tivesse sucumbido no hospital; se não fosse Lauda, talvez Hunt nunca tivesse lutado com tanta gana por um título mundial (e o de 76 foi o único de sua carreira, terminando apenas um ponto a frente de Lauda).
Portanto, escolha bem seus amigos mas, também seus rivais. São eles que manterão sua busca pela superação. É pelo nível deles que você será lembrado.