A vida de Leo Fender, o guitar hero que não tocava

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Uma tarde dessas, eu estava arrumando as coisas para uma mudança de casa e encontrei um livro sobre Leo Fender. Foi presente da minha madrinha há muitos anos. Reli alguns trechos e lembrei desta história curiosa e particular.

Leo Fender foi incluído no Hall da Fama do Rock & Roll por ser uma das pessoas mais influentes da história da música contemporânea. Visionário, talvez tenha sido o mais importante desenvolvedor da guitarra elétrica – só que ele jamais soubera tocar o instrumento.

Sua ligação com a guitarra foi através da engenharia eletrônica – em 1938, Leo abrira em Fullerton, EUA, uma oficina para reparo de aparelhos de som. Chamava-se Fender Radio Service. Acabou desenvolvendo amplificadores para os músicos de country que eram, então, a última bolachinha do pacote. Por isso, em 1944, junto com Doc Kaufmann, Fender criou a primeira lapsteel elétrica, um tipo de guitarra que se toca no colo.

No final dos anos 40, já com a marca Fender, Leo observou uma oportunidade no blues e, posteriormente, no rock. Em 1949, criou o primeiro protótipo da Esquire (com o design que seria eternizado com o nome Telecaster), que seria fabricado e vendido a partir de 1950. Em 1953, sua mais famosa guitarra, a Fender Stratocaster, começaria a ser desenvolvida – ela que seria, posteriormente, a primeira guitarra fabricada em série.

Leo Fender não chegou a inventar, literalmente, a guitarra. Mas ele transformou no que é hoje. Antes de Fender, elas costumavam ser feitas em corpos ocos, como os de violão. Leo, inspirado na Rickenbaker e na Bigsby, usou um corpo de madeira maciça. A diferença fundamental, no entanto, estava no braço. Antes, corpo e braço eram feitos de uma mesma peça de madeira (ou eram colados). Leo notou, primeiro, que era mais prático que fossem encaixados; e segundo, que fossem feitos de madeiras diferentes, mais adequadas a suas funções.

Com isso, ele elevou a tocabilidade (tornou o “tocar guitarra” mais fácil e confortável) e trouxe um novo padrão de design, que seria copiado nos anos que se sucederiam.

Nada disso, no entanto, foi a maior contribuição de Leo Fender à musica. Seu maior feito foi transformar um trambolhão num instrumento prático: ele inventou o contra-baixo elétrico.

Lembra das gravações daqueles cantores do começo dos anos 50? Eles não usavam aquele enorme contra-baixo vertical porque era bonito – era porque o Fender Precision Bass ainda não havia sido criado, e aquela era a única opção. Conforme Fender desenhou o baixo elétrico, que podia ser empunhado como uma guitarra, e também um amplificador com auto-falantes maiores e, portanto, mais adequados ao som grave do baixo, praticamente redesenhou a sonoridade da música.

Leo Fender fez isso com apenas um olho. Ele perdera um de seus olhos por conta de um tumor que tivera na infância, e, segundo amigos, jamais superara o trauma. O assunto era tabu e ele sempre controlou as fotografias tiradas para que não se pudesse notar a prótese.

O interessante é que usar os dois olhos é fundamental para a noção de profundidade. Existe até uma brincadeira em que você tapa um dos olhos e tenta colocar o dedo em um lugar, pode ser um copo, por exemplo. Geralmente, você erra o alvo. Assim, me parece incrível que Leo tenha morrido em 1991, aos 81 anos, com os dedos intactos, depois de ter passado a vida mexendo com serras.

Leo Fender venderia a marca que tem seu nome à companhia americana CBS em 1965. Ela manteve o alto nível na fabricação dos instrumentos, mas jamais inovou em nada. Sob a CBS, o melhor feito da marca foi fabricar no Japão durante os anos 80 algumas das melhores safras de Fenders da história. Mas eram os mesmos modelos de sempre. E até hoje se produz o que foi criado nos anos 50.

Leo teve duas marcas posteriormente, ambas de alto nível. A MusicMan nos anos 70, ainda inovadora e inquieta, e a G&L (que significa George and Leo) nos anos 80, já no fim de sua capacidade criativa, apenas uma ótima fabricante de instrumentos.

Leo Fender mudou a história da musica e determinou a sonoridade que nós escutamos até hoje sem sequer tocar o instrumento que ele mesmo ajudou a inventar.

Emir Ruivo

Músico, poeta e produtor musical.

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