Lou Reed, morto ontem aos 71 anos, nunca foi um artista popular, mas sua influência no rock é avassaladora. Seu tom agradavelmente monocórdio, as letras falando da vida bandida de Nova York e seus personagens, a crueza e a simplicidade do som, a atitude… Isso foi copiado por todo o mundo. Para citar alguns que fizeram covers de suas músicas: Bowie, U2, Duran Duran, The Runaways, Jane’s Addiction, Susan Boyle, Beck, Nick Cave, REM e Joy Division.
A causa da morte não foi esclarecida. Ele fez um transplante de fígado há pouco tempo. Reed foi longe, se se levar em conta que ele viveu o que ele cantava. Os travestis, drogas, prostitutas, bares, de suas músicas não lhe eram estranhos. Foi viciado em heroína, cocaína e mais algumas coisas. A franqueza com que abordava esses assuntos em sua arte foi revolucionária.
Como Dylan, usava referências literárias. Como Dylan, era culto (gravou um disco chatíssimo recitando Edgar Allan Poe). Tinha também um talento notável para mudar a imagem e para a autossabotagem. Era assumidamente grosso e mal educado, especialmente com jornalistas. Eu o vi num show em que não deu um mísero “boa noite”, desfigurou suas canções em arranjos absurdos, tocou de costas e foi embora sem bis.
Lou foi um dos fundadores do Velvet Underground em Nova York nos anos 60. Logo a banda seria adotada por Andy Warhol, que se tornaria seu empresário e guru. Por sugestão de Warhol, o grupo incorporou a alemã Nico como vocalista. Em 1967, lançaram o incrível “The Velvet Underground & Nico”, o famoso “disco da banana”.
Enquanto os hippies dominavam a Terra falando em paz e amor, maconha, LSD e roupas coloridas, os velvets só se vestiam de preto e Lou declamava que estava esperando seu traficante com 26 dólares no bolso. Havia também menções a sadomasoquismo, um hino à heroína de 7 minutos e a história de uma menina rica chorando sozinha em seu quarto. Tudo embalado num barulho primitivo. Ninguém tocava bem, mas a chamada “química” entre os membros resultou num punk poderoso, eventualmente melódico, antes disso existir.
“The Velvet Underground & Nico” estabeleceu um padrão que se manteve posteriormente: vendeu uma mixaria. Foram 30 mil cópias (Brian Eno criou uma tirada clássica sobre a influência do LP: cada uma dessas 30 mil pessoas montou uma banda). Lou saiu em 1970. Seu primeiro trabalho solo continha regravações do Velvet. Nada aconteceu, também.
Até “Transformer”, de 1972, produzido pelo amigo e fã David Bowie, junto com o guitarrista Mick Ronson. “Walk on the Wild Side” estourou no rádio. E ainda tinha a memorável “Perfect Day”, com sua infinita beleza melancólica, e “Satellite of Love”, com um backing de Bowie de levar às lágrimas o mais empedernido coração descrente.
Foi o pico de seu sucesso. Foi também quando o próprio Bowie, mais vários artistas e grupos, incorporaram Lou em seu trabalho. Quando o punk surgiu, em Nova York, todos sabiam Lou Reed de cor e salteado. Na época, sua ambiguidade sexual e sua ingestão de substâncias estupefacientes se tornaram uma lenda urbana. Era intratável. No álbum ao vivo “Take No Prisoners”, detonou o crítico do Village Voice, Robert Christgau, e seus colegas. “O que ele faz na cama?”, dizia um verso.
Em 1980, casou-se com Sylvia Morales e se limpou. Ficou, também, menos contundente em sua poesia (ninguém é de ferro). “Songs for Drella”, de 1991, era uma homenagem dele e do amigo de Velvet John Cale ao falecido mentor Andy Warhol. Sempre surpreendendo, apareceu num show para o papa João Paulo II no Vaticano em 2000 e fez um dueto improvável com Luciano Pavarotti em “Perfect Day”. Seu último disco é “Lulu”, em parceria com o Metallica — um dos grandes êxitos comerciais de Lou, o maior fracasso do Metallica. Estava casado com a performática Laurie Anderson.
“O rock’n’roll é tão grande que as pessoas deveriam começar a morrer por ele. Você não entende. A música lhe deu seu ritmo para que você pudesse sonhar… As pessoas simplesmente têm que morrer pela música. As pessoas estão morrendo por qualquer coisa, então por que não pela música? Morrer por ela. Não é bonito? Você não morreria por algo bonito?” De certa forma, foi o que ele fez.