O texto a seguir, sobre o movimento artístico baseado no lema do Memento Mori, foi publicado originalmente no site Mutual Art.
“Lembre-se que vai morrer morrer”, é a tradução aproximada da expressão em latim Memento Mori, que é o nome dado a um símbolo de mortalidade usado ao longo da história da arte. O gênero em questão é normalmente ilustrado simbolicamente por meio de crânios, frutas em decomposição ou outros objetos transitórios como borboletas ou velas. Tratavam-se de imagens frequentemente grotescas, com vermes e parasitas se contorcendo entre os dentes do crânio, frutas apodrecendo – tudo para chocar os espectadores e fazê-los reconhecer sua própria mortalidade.
Muitas vezes interpretado erroneamente como uma obsessão mórbida pela morte, o Memento Mori carrega uma mensagem otimista. Desde o seu início, o símbolo era um lembrete para viver a vida ao máximo. Da Antiguidade até o século XX, a morte era vista como uma realidade meditativa que nos une a todos, em vez de algo a ser temido. Embora não seja estritamente um símbolo religioso, os afrescos da igreja às vezes apresentavam uma mensagem semelhante à do Memento Mori, incentivando os espectadores a meditarem sobre sua divindade. Um exemplo inicial disso é a Santa Trinita de Masaccio, 1427, que apresenta um esqueleto enterrado com a inscrição: “Eu já fui como você é e o que eu sou, você também será.”
O tema alcançou seu ápice no século XV, onde imagens de “danse macabre” (dança da morte) mostravam esqueletos ou cadáveres interagindo com figuras vivas. Essas imagens mostravam que a morte é universal, atuando como o nivelador final, ao mesmo tempo em que ofereciam uma visão humorística sobre os absurdos terrenos.
A alegoria adquiriu um vasto público de colecionadores europeus, sendo visualmente explorada em tudo, desde livros impressos até contas de oração de marfim.
“O grande volume de edições distintas [de livros retratando “danse macabre”] e o estado desgastado que muitos têm hoje evidenciam o intenso interesse da época”, disse Steven Perkinson, curador de uma exposição de 2016 intitulada The Ivory Mirror: The Art of Mortality in Renaissance Europe (O Espelho de Marfim: A Arte da Mortalidade na Europa Renascentista). “Em um período de prosperidade, esses objetos falam às pessoas que desfrutam de confortos materiais. “Eles nos lembram que as aparências são apenas uma ilusão”, acrescentou Perkinson, “que o status mundano desaparece como o vento e a morte nos igualará a todos.”
Uma fascinação por retratar a parte inferior do crânio surgiu no início do século 16. Perkinson acredita que essas imagens atuaram como um antídoto aos retratos renascentistas afluentes que enfatizavam as posses materiais como grandes joias e tecidos luxuosos.
“A vista frontal de um crânio mantém a estrutura reconhecível de um rosto humano”, ele observou, “apresenta cavidades onde estão os olhos e o nariz, seus dentes rastreiam a localização da boca e assim por diante.” Mas a parte inferior de um crânio não mostra semelhanças com o rosto humano. “Para distorcer o termo da física, é como se marcasse o horizonte de eventos da identidade humana, um ponto além do qual não há retorno possível ao eu particular.”
Em 1533, o artista Hans Holbein levou o Memento Mori um passo adiante. Rico em simbolismo, o seu quadro Os Embaixadores retrata um retrato de dois homens poderosos, Jean de Dinteville e Georges de Selve. No primeiro plano da imagem está um objeto flutuante acinzentado, anteriormente assumido como o osso de um peixe grande. No entanto, mova-se para a direita e a imagem é uma clara representação de um crânio.
Em um nível básico, esse crânio pode ser visto como um contraponto à vaidade dos retratados, algo que muitas pessoas da época intencionalmente solicitavam em retratos. Mas, segundo Susan Foister, curadora da National Gallery onde o retrato pertence, há mais a ser considerado.
“Ele escondeu esta referência a este crânio em plena vista”, ela explicou, acreditando que deveria ser visto em relação a um crucifixo de prata “deliberadamente parcialmente oculto” no canto superior esquerdo. Isso atua como um símbolo de esperança e salvação, algo que unia os cristãos da época. “Quando observamos esta pintura, somos tocados pela experiência da mortalidade que chega a todos, pela esperança de salvação e ressurreição final de acordo com a doutrina cristã.” Isso torna o Memento Mori duplamente significativo, fazendo uma referência clara à morte, mas nos lembrando de não temê-la.
Nas naturezas-mortas do século XVII da Europa do Norte, os símbolos Memento Mori e Vanitas são abundantemente apresentados. Estreitamente relacionado com o Memento Mori, o Vanitas baseia-se na natureza bíblica do livro de Eclesiastes. As pinturas Vanitas apresentavam posses materiais (vinho, instrumentos) ao lado de elementos próprios do Memento Mori (borboletas, crânios) para enfatizar sua falta de valor.
Avançando para 1886, acredita-se que a obra “Cabeça de um Esqueleto Queimando um Cigarro” de Vincent Van Gogh, um dos seus trabalhos mais macabros, foi influenciada pelo Momento Mori do século XVII. Pintada enquanto estudava arte em Antuérpia, há evidências que sugerem que ele prestou homenagem a Félicien Rops (Van Gogh possuía uma de suas obras e uma cópia de seu jornal de artes satíricas) e às gravuras de crânios de Hercules Segers.
A obra retrata a cabeça e o pescoço de um esqueleto emergindo de um fundo negro, um cigarro preso entre os dentes sorridentes. Alguns interpretaram isso como um símbolo de sua própria saúde debilitada, enquanto outros acreditam que era apenas Van Gogh mostrando sua habilidade na pintura anatômica.
Artistas modernos continuaram a explorar o tema tradicional, com o crânio eventualmente sendo mercantilizado em roupas, joias e outros bens materiais. Um dos artistas contemporâneos mais notórios que explora o Memento Mori e que, pode-se argumentar, capitaliza sobre a mercantilização do crânio, é Damien Hirst.
Muitas de suas obras abordam a morte e a transitoriedade da vida, apresentando símbolos como crânios, borboletas e objetos em decomposição. Mas, ao contrário das representações anteriores sobre a morte que causavam espanto, suas obras retratam-na como um destino que pode ser evitado com intervenções médicas.
Uma de suas obras mais icônicas, For the Love of God, de 2007, é uma réplica do crânio de um homem de 35 anos do século XIII, inteiramente incrustado com diamantes. Foi concebido para ser a obra de arte contemporânea mais cara do mundo, vendida por 100 milhões de dólares no mesmo ano em que foi criada. Alguns criticaram a obra por sua ostentação “sem gosto”, enquanto outros acreditam que ela “resume visualmente a loucura na véspera de uma queda econômica.”
Diferentemente dos primeiros Memento Mori que aceitavam a morte, as obras de Hirst parecem enfatizar a evasão do assunto. Ele explicou sobre a morte: “Você não gosta disso, então disfarça ou decora para que pareça algo suportável – a tal ponto que se transforma em algo diferente.”
A inevitabilidade da morte torna o Memento Mori eternamente relevante. Seja incrustado de diamantes ou contorcido com vermes, a mensagem que ele transmite permanece a mesma. Ma,s em uma época em que o assunto é tão temido, esses objetos “macabros” podem atuar como um lembrete otimista para aproveitar o que você tem enquanto você ainda pode.
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