O texto abaixo, sobre Henry David Thoreau e a desobediência civil de acordo com o autor, foi publicado originalmente The Marginalian. Faz-se necessário indicarmos, antecipadamente, a leitura do livro “A Desobediência Civil”, publicado em 1849.
“A verdade sempre repousa com a minoria,” escreveu o grande filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard em seu diário em 1846. Ele refletia sobre o indivíduo versus a multidão e as razões pelas quais nos conformamos. Em sua opinião, “a minoria tende a ser formada por aqueles que realmente têm uma opinião. A força de uma maioria é ilusória”.
Na mesma época, do outro lado do Atlântico, Henry David Thoreau, começava a lidar com o tema dos direitos das minorias e da justiça civil. Ele fora profundamente afetado pelos horrores da guerra entre México e Estados Unidos, que agravaram a indignação contra a escravidão que nele fervilhava há anos.
Tendo se beneficiado recentemente da orientação da pioneira do feminismo Margaret Fuller, o jovem escritor dedicou-se imediatamente a expressar sempre que possível sua revolta em palavras, no que se tornou, enfim, a sua obra-prima: “Desobediência Civil”.
Publicado em 1849, essa obra-prima política e socialmente consciente influenciou, portanto, gigantes da cultura. Ensinamentos nela contida influenciaram definitivamente o conde russo Liev Tolstói e Mahatma Gandhi (cuja correspondência sobre paz, violência e a natureza humana está repleta de ecos de Thoreau). E, do mesmo modo, Thoreau inspirou, por exemplo, o conceito de revolução não-agressiva de Martin Luther King Jr.
Mais de meio século antes das mulheres conquistarem o direito ao voto, Thoreau escreve:
Deixe cada homem tornar conhecido desde já que tipo de governo comandaria seu respeito, e isso será um passo para obtê-lo.
Afinal, a razão prática pela qual, uma vez que o poder está nas mãos do povo, uma maioria existe e está mais propensa a governar, não é porque estão mais propensos a estar certos e muito menos porque é o mais justo a ser feito. É somente porque eles são fisicamente mais fortes. Entretanto, um governo no qual a maioria governa em todos os casos não pode ser baseado na justiça.
Seria plausível existir um governo em que não é a maioria quem decide sobre o certo e o errado, mas sim as nossas consciências? O cidadão deve, por um momento, ou no menor grau, renunciar a sua consciência ao legislador? Por que então todo homem possui uma consciência? Penso que devemos ser homens primeiro, e súditos depois.
Não é desejável cultivar um respeito pela lei, tanto quanto pelo correto. A única obrigação que tenho que assumir, semelhantemente, é fazer a qualquer momento o que eu acho certo, bem como evitar o que eu acho errado. Dessa forma, é uma verdade que uma corporação não tem consciência; mas uma corporação de homens conscientes deverá ser uma corporação com consciência. A lei nunca fez os homens um pouco mais justos; e, por meio de seu respeito por ela, até os mais bem-intencionados são diariamente feitos agentes da injustiça.
Em um sentimento de aguda atualidade, enquanto somos chamados a confrontar as atrocidades do sistema de justiça criminal de hoje e as injustiças sistêmicas do encarceramento em massa, Thoreau acrescenta:
Sob um governo que aprisiona injustamente, por exemplo, o verdadeiro lugar para um homem justo é também a prisão.
Para o clamor intuitivo do que deve ser feito, que ecoa profundamente na alma de qualquer ser humano que conseguiu permanecer desperto, Thoreau responde:
Lance uso de seu voto inteiro, não apenas uma tira de papel – mas, principalmente toda a sua influência. As minorias são impotentes enquanto se conformam à maioria. Nem sequer são uma minoria então; mas elas se tornam irresistíveis quando obstruem com todo o seu peso. Em outras palavras, se a alternativa é manter todos os homens justos na prisão ou renunciar à escravidão e à guerra, o Estado não hesitará em escolher a primeira. Mas, se mil homens não pagassem seus impostos este ano, isso não seria uma medida violenta e sangrenta, como seria pagá-las e permitir que o Estado cometesse violência e derramasse sangue inocente depois que recolhesse este dinheiro. Essa é, de fato, a essência de uma revolução pacífica, se tal é possível.
“Desobediência Civil” é uma leitura indispensável para todo ser humano democraticamente inclinado e socialmente consciente, desperto para a justiça. Esperamos que este artigo, bem como a reflexão por ele provocada, possa levá-lo, assim, a um maior senso de compaixão diante das injustiças que assistimos todos os dias.
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