Música e amor. Não existe um grande amor sem uma grande música para marcá-lo. Se não existe a música é porque não existe e nem existiu o amor. Essa a minha tese amorosa musical.
Outro dia escrevi que opostos, ao contrário da crendice, se repelem – e não se atraem – nas relações entre homem e mulher. Isso vale para o gosto musical. Dois gostos musicais diferentes podem ser um indício de dificuldades no amor. Li algo parecido num romance do escritor inglês Nick Hornby, e concordei imediatamente.
Mas não era sobre isso que eu queria escrever. Ou melhor: é sobre música, mas não exatamente sobre gostos musicais. É sobre as músicas que, como num filme em que de repente aparecem cenas passadas, automaticamente nos remetem a uma certa época e a uma certa pessoa. As músicas dos amores. As melodias imortais de cada um de nós.
Falei em filme e me lembrei de A Mulher do Lado, de Truffaut. E então sou obrigado a abrir um breve parêntese. Para mim é o melhor filme sobre o amor que já foi feito. O mais perturbador, o mais surpreendente, o mais poético. E o mais cruelmente veraz.
Um homem e uma mulher que tiveram uma paixão intensa e neurótica se encontram tempos depois. Ambos estão casados. Mas reatam a ligação na sordidez tentadora da clandestinidade.
A mesma carga neurótica logo reaparece. Estou agora mesmo comovido ao me preparar para escrever a frase que simboliza aquele amor trágico: nem com você, nem sem você. A narradora da história diz essa sentença grandiosa no começo do filme e depois a repete no final. Nem com você, nem sem você.
Numa cena, a mulher diz para o homem que as músicas que falam melhor sobre o amor são as mais simples, as mais despretensiosas. Porque elas expressam com clareza, sem rebuscamentos, sem artifícios literários, os sentimentos que realmente nos tocam: eu sinto falta de você. Eu tenho medo de perder você. Você é tudo para mim. Coisas assim. Palavras majestosamente banais ou banalmente majestosas.
Truffaut nunca foi tão gênio como ao elaborar essa cena e ao colocar aquela frase na boca da heroína do filme.
Quanto a mim, eu tenho as minhas músicas. A minha pequena e preciosa coleção de melodias imortais. Muitas vezes corro até elas. Mas às vezes também fujo delas. Às vezes, desesperadamente, para esquecer o que não deve ser lembrado. Mas é uma fuga afinal inútil: alguns sons sempre nos alcançam, ainda que por caminhos misteriosos, e cumprem a dupla função de nos enlevar e nos machucar.
Por isso os amamos e odiamos ao mesmo tempo. Eles são, para usar a sublime frase de Proust para descrever a desgraça amorosa de Swann, os refrões perdidos da felicidade.
Agora mesmo no trânsito ouvi, sem querer, uma das minhas músicas. Juro que eu não queria. Eu estava apenas, como sempre, errando de uma estação para outra no rádio do carro, sem rumo como um velho vagabundo.
De repente, como num ataque traiçoeiro, fragmentos daquela melodia invadiram meus ouvidos e em seguida meu coração. Mudei imediatamente de estação, mas não adiantou.
É uma música em inglês. E bem tola, como anotou a mulher do filme de Truffaut. O final da letra diz, numa versão livre que ouso fazer, mais ou menos o seguinte: depois de todos os amores da minha vida, você ainda será o maior, e eu seguirei me perguntando por quê. E então me ocorre que passamos a existência inteira nos fazendo exatamente essa pergunta: por quê.
E por mais que nos esforcemos jamais encontramos a resposta.
Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.
Saiba Mais