Numa traição, o problema maior é de quem trai

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Escrevi tanto sobre traição nas últimas semanas, e presenciei um debate tão instigante entre os convivas desta coluna, que me lembrei agora há pouco de um conto menor de Machado de Assis que trata exatamente disso: Um Capitão de Voluntários.

Bem, o narrador é quem trai.

Tudo é sutil, como sempre, em Machado. O traidor é tomado por um remorso que não é grande senão por fazê-lo sentir-se pequeno; a traidora se atormenta, mas já não há volta: perde o velho amor e não quer mais quem pode ser o novo; e o traído, o capitão do título, vai estoicamente ao encontro de seu destino.

Não explode, não enlouquece, não comete crime nenhum em nome da honra. Apenas alista-se em uma guerra, a do Paraguai, onde se comporta com uma coragem temerária que sugere ao narrador que o amigo traído estava buscando, muito mais que o brilho das medalhas, a paz da morte.

Os sobreviventes que seguissem adiante com o peso da culpa.

Não sei dizer por que, ou talvez saiba, Um Capitão de Voluntários foi, durante um bom tempo, uma de minhas obsessões literárias. Li-o várias vezes, citei-o em contos outras tantas, sugeri sua leitura não sei em quantas ocasiões.

O capitão, nomeado apenas no final, é um grandioso desconhecido personagem da literatura brasileira. Bravo, forte, controlado, ele de alguma forma remete ao homem vivido por Clint Eastwood em Gran Torino naquele instante em que ele diz à sua improvável e jovem amiga chinesa que é preciso muito cálculo ao tomar uma decisão como a que as circunstâncias exigiam dele.

O capitão, e talvez daí venha minha enorme admiração por ele e por seu criador, é uma eterna lembrança de que, na traição, o ônus maior cabe a quem trai, e não a quem é traído.

Santo Agostinho, num momento em que freiras católicas se matavam em série depois de terem sido estupradas num convento tomado por bárbaros, estancou os suicídios ao afirmar que o opróbrio é de quem pratica e não de quem sofre a violência sexual.

A mesma lógica vale para a traição, por mais que, em sua incomparável leviandade amorosa, pareçam leves e felizes homens e mulheres que voltam de um encontro sexual e, na maior, afirmem que a reunião na firma demorou mais que o esperado e o celular tinha que permanecer desligado.

Fabio Hernandez

Fabio Hernandez, o Homem Sincero, escreve sobre relacionamento há quase uma década para revistas como VIP e Criativa. A Editora Camarinha lançou uma coletânea de suas melhores crônicas.

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