Ultimamente tenho observado como nossas vidas giram em torno da comida. De três em três horas paramos para nos alimentar; mensalmente reservamos um bom tempo para fazer supermercado; semanalmente para fazer feira; regularmente frequentamos restaurantes, que estão espalhados em absolutamente todos os cantos de todas as cidades; paramos para cozinhar; temos que lavar louça; temos que arrumar a despensa, temos que jogar o lixo fora; e a todos os momentos estamos organizando nossas refeições, seja na cozinha, seja em nossas cabeças. Mas, ué, isso tudo é tão óbvio. Como poderia ser diferente? É quase impossível imaginar um mundo sem empresas como a Coca-Cola, o McDonald’s e a Monsanto; sem supermercados, mercadinhos e restaurantes; sem propagandas do Carrefour ou do Pão de Açúcar; sem cozinhas e sem despensas; sem pipoca e salgadinho; sem almoço e sem jantar. Minhas divagações de um mundo sem a necessidade da comida – ou melhor, sem tudo o que essa necessidade gera – portanto, não passavam de meras fantasias. Até eu conhecer Rob Rhinehart, o criador do Soylent.
Rob é um defensor da tecnologia e, eu até diria, um detrator da natureza. “A natureza não está do nosso lado. A maior parte dela tenta nos matar. A natureza é abundante em neurotoxinas, substâncias cancerígenas, fome, violência e morte. É a tecnologia que faz a nossa vida tão confortável”, é o que ele diz em seu site. É importante que saibamos disso para apresentar o Soylent: uma gororoba líquida que promete substituir toda e qualquer alimentação em termos nutritivos e energético. Mas, cara, da onde você tirou isso? “Eu sou a favor da hipótese de que o corpo não precisa da comida em si, mas apenas dos produtos químicos e elementos que ela contém. Então eu resolvi embarcar em uma experiência. E se eu consumisse somente os ingredientes crus que o corpo usa para obter energia? Seria mais saudável ou precisamos de todas as outras coisas que existem nas comidas tradicionais? Se realmente funciona, como seria ter uma dieta perfeitamente balanceada? Eu só quero ter uma boa saúde e gatar o mínimo possível de tempo e dinheiro com comida.” Ah, se é assim sim…
Rob é um engenheiro que não se conforma com o tempo que perdemos fazendo comida, lavando louça, escolhendo alimentos, indo em restaurantes. Ele acha que essas horas podem ser melhor utilizadas, como numa leitura, numa conversa com os amigos, nos estudos. Por isso ele realizou uma pesquisa para descobrir quais são substâncias que o corpo necessita para sobreviver, qual a quantidade de cada uma, e começou a procurá-las em fontes que ele chama de cruas. Ou seja, ele não pega o potássio da banana, que carrega outros nutrientes, mas de um pó que é potássio concentrado — e só. Dos produtos conhecidos por nós, apenas o azeite (para obter gordura) e o sal (para obter sódio) são utilizados por ele. Depois de realizar a pesquisa e juntar as substâncias, o rapaz passou a realizar as misturas e fez de sua cozinha um verdadeiro laboratório químico. O resultado? “Um líquido espesso, sem cheiro e bege, que eu não sabia se ia me matar ou se ia me dar super poderes, mas delicioso, doce e suculento”, segundo suas próprias palavras.
A partir de então Rhinehart começou uma experiência de um mês, onde iria consumir apenas o Soylent e nada mais. O primeiro dia foi bem, o segundo também – mas o terceiro não. Ele diz ter sentido o coração acelerar e a energia cair subitamente. Decidiu checar a fórmula da bebida/comida e descobriu que ela não tinha nada de ferro. Então providenciou o nutriente, passou a misturá-lo em suas refeições e tudo ficou bem.
Após o fim dessa primeira experiência ele disse estar se sentindo como o homem de seis milhões de dólares. Seu físico melhorou visivelmente, sua pele ficou mais saudável, seus dentes mais brancos, seus cabelos mais grossos e sua caspa foi embora; sua memória melhorou muito, sua capacidade de ler aumentou e ele passou a ler artigos científicos com mais efetividade; a música se tornou mais agradável e a beleza e a arte em sua volta lhe encantavam como nunca; passou a dormir melhor e a acordar mais disposto e mais alerta; sua energia estava sobrando e a academia parecia muito mais atraente. Enfim super poderes. Ao realizar os exames sanguíneos os resultados não detectaram nenhum problema. E tudo isso em apenas um mês. Um mísero mês.
“Oh, Rob, me passe a fórmula, por favor”, você deve estar pensando. Você e mais 665 pessoas. Foi esse o número de comentários ao final do texto em que ele escreveu como foi o primeiro mês da experiência. O engenheiro não precisa mais de geladeira, frigideira, fogão e nem cozinha – tudo o que necessita é de uma fonte de água. Seus objetivos de poupar tempo e dinheiro (além de se alimentar de forma saudável, ele deixa claro) foram alcançados. Se antes gastava 2 horas por dia para se alimentar, hoje gasta 5 minutos; se antes gastava cerca de US$450 por mês para comer, agora gasta US$155. De brinde, Rob não faz cocô e gasta muito menos lixo do que antes.
A ideia saiu do papel no começo do ano, em janeiro, e o moço relatou como foram os primeiros três meses se alimentando basicamente da bebida em seu site. Assim como no terceiro dia de experiência, ele teve que fazer alguns ajustes durante o processo para integrar à mistura alguma substância que estava faltando. Mas Rob diz enfaticamente que está muito satisfeito com o Soylent. Apesar de ter realmente adotado sua invenção como alimento diário, ele, vez ou outra, come como gente. Ou melhor, como a gente. Isso é importante para não perder a vida social, por exemplo. Uma ou duas vezes por semana vai com amigos a restaurantes. Inclusive, agora pode até se dar ao luxo de comer em lugares um pouco mais caros, já que poupa bastante em casa.
O rapaz acredita tanto em sua invenção que sua ideia é difundir o produto. Ele acredita que o Soylent pode resolver muitos problemas do mundo, a começar pela fome e desnutrição, mas passando também pela ideologia ecológica, já que grande parte do lixo é produzido pelos pacotes e embalagens de comidas. Ah, e a ausência de dejetos, é claro.
O projeto iria para algum site de crowdfunding, a princípio o Kickstarter, mas ele mesmo criou uma página na web para recolher fundos. Ou melhor: ele e mais quatro pessoas. Os caras arrecadaram dos bolsos de 6,471 pessoas em um mês o valor de US$ 797,223 (a meta era US$ 100,000). O projeto cresceu tanto que eles já estão vendendo o produto. São 11 opções de pedidos diferentes (com um pacote incluindo até camiseta) que vão de US$ 65 (uma semana de Soylent) a US$ 770 (três meses). Puxa, Rob, está meio caro, não?
Só tem um problema nessa história: se o Soylent for mesmo tudo o que Rob Rhinehart diz que é e se as pessoas aderirem ao projeto, as gigantes da indústria alimentícia se sentirão ameaçadas com o produto. Dá para imaginar a encrenca? Não, ok — ainda estou viajando um pouco. Mas, sinceramente, eu me animo com o projeto de vida que o Soylent idealiza. Como o próprio Rob diz, as refeições passariam a ser programas sociais, assim como a cervejinha do Happy Hour. Não precisaríamos nos privar daquilo que muitas vezes é um prazer – tampouco sermos escravos daquilo que quase sempre é somente um dever. Perfeito.
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