Eu não sinto saudades suas. Você está aqui, afinal. Seu cheiro ainda está impregnado nos travesseiros. Seus livros ainda estão na estante, seu riso ainda ecoa pela sala. Seu corpo, imóvel, ainda toma a cama inteira. Há rastros seus em toda a parte.
Não dá para sentir saudade de quem está bem aqui, dá? Eu já não sei ao certo. Tenho sentido, eu acho, mas tenho deixado para lá. Deixar para lá virou a minha solução predileta.
Eu não sinto saudades suas, porque você ainda chega sempre no mesmo horário. Você ainda se deita ao meu lado e até toma café comigo de vez em quando. Está tudo ali: seus olhos, sua risada, seu programa predileto e seu mau-humor de todo dia.
Só não tem mais a gente. Não tem mais aquele jeito de me abraçar que era só seu. Não tem as nossas bobagens de sempre. Nossa alegria de viver mesmo com as contas atrasadas. Só sobrou o “tanto faz”, o “cê que sabe”, o “deixa pra lá”. A gente já não se escolhe mais, quase nunca.
Não tem as nossas confidências, os nossos domingos maravilhosamente preguiçosos e as nossas aventuras que não contamos nem para o espelho. Contávamos um para o outro, mas… não mais.
Então, mesmo que o som do seu violão pareça trazer alegria para cada cômodo, o gosto de solidão já não demora a amargar na minha boca.
Meu vinho, agora, só precisa de uma taça. Não tem mais brinde. Nossa companhia já não nos apetece. E nos olhamos, longamente, com um abismo imenso preenchido pelos móveis entre nós. Nos olhamos – por mais incrível que pareça – apaixonadamente.
Quase matamos a coisa mais linda do mundo com essa nossa mania de enquadrar tudo à normalidade. A merda do curso natural das coisas. Ainda existe eu, ainda existe você e ainda existe o nosso amor. É por isso que eu não sinto saudades suas. Eu sinto saudade de nós.
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