O legado da trilogia “Se Beber, Não Case!”

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Quatro anos atrás, um grupo de amigos foi a Las Vegas e conquistou o mundo: Se Beber, Não Case! (The Hangover, 2009) agradou ao público e à crítica, ganhando diversos prêmios e indicações e fazendo mais de 460 milhões de dólares nos cinemas do mundo, algo raro para uma comédia em live action, ainda mais se considerarmos a ausência de grandes astros como Ben Stiller ou Jim Carrey.

O sucesso do filme não foi à toa. O longa adotou uma fórmula diferente da maioria das comédias que não pretendem ser nada além de uma comédia. Um quebra-cabeça pelo qual passam tanto o espectador quanto os personagens; situações completamente absurdas, porém realistas; e a imprevisibilidade constante. Isso somado a um roteiro inteligente, personagens extremamente carismáticos, atuações bastante competentes, uma direção segura e eficiente de Todd Phillips, e nenhum pudor para as piadas, são marcas fortes da obra.

Assim, seguindo a cartilha de Hollywood, ao fazer tanto sucesso, Se Beber, Não Case! logo virou uma franquia. A expectativa foi grande e surgiu Se Beber, Não Case! Parte II (The Hangover Part II, 2011), seguindo a mesma fórmula do filme original. A crítica desaprovou, assim como boa parte dos fãs da série. Mas as bilheterias mostraram o poder do Bando de Lobos, com quase 600 milhões de dólares arrecadados.

A proposta da continuação era repetir o que havia dado certo na primeira parte, fazendo o maior número possível de rimas narrativas nas situações. A dificuldade era evitar o clima de simples cópia e manter o grau de imprevisibilidade. Com alguns acontecimentos ainda mais absurdos do que os de Las Vegas, a aventura em Bangkok conseguiu arrancar boas risadas e surpreender em alguns momentos, mas sem o mesmo frescor original, que havia empolgado tantos fãs.

Eis então que chega o momento de se fechar o ciclo, concluir a história. Nunca é fácil encerrar uma longa obra. Tanto em séries de TV, quanto em séries de livros ou filmes, é quase inevitável que a expectativa pelo episódio final seja frustrada. A despedida é, por si só, algo frustrante. E a missão era ainda mais difícil para Todd Phillips e sua equipe, por causa de duas questões principais. Como evitar o desgaste da fórmula repetitiva? E como surpreender ainda mais os espectadores, já acostumados ao nível absurdo dos acontecimentos anteriores?

Logo, para julgar Se Beber, Não Case! Parte III (The Hangover Part III, 2013), é preciso tomar o cuidado para não cometer injustiças, exigindo demais da delicada conclusão da franquia.

Decidindo se desvencilhar da estrutura que consagrou a série, o filme, dessa vez, foca ainda mais em Alan (Zach Galifianakis) e Chow (Ken Jeong) e tenta fazer com que os personagens sigam em frente, já que não podem continuar naquela rotina para sempre. E já que Alan precisa, algum dia, crescer e se tornar mais independente de seus pais e de seus melhores amigos.

Com a intenção de levá-lo a uma clínica para tratamento, Stu (Ed Helms), Phil (Bradley Cooper) e Doug (Justin Bartha) embarcam com Alan para mais uma viagem. Porém, Doug é sequestrado por Marshall (John Goodman) — levemente citado por Black Doug (Mike Epps) na obra original — que dá ao Bando de Lobos a dura e perigosa missão de encontrar Chow e recuperar os milhões roubados por ele.

Investindo no clima de nostalgia, ao trazer de volta a cidade de Las Vegas e os personagens Black Doug, Jade (Heather Graham) e até o pequenino Carlos (Grant Holmquist); e inovando ao acrescentar um tom de heist movie (onde um grupo de pessoas planeja e executa um complexo plano para roubar algo) à série, Se Beber, Não Case! Parte III consegue cumprir o que era esperado. Faz rir, faz o espectador se surpreender com os absurdos (embora, obviamente, bem menos que nos filmes anteriores), e dá um destino aos personagens que propõe encerrar o ciclo de aventuras desmemoriadas dos amigos.

Não há como negar que é um filme inferior ao lançado em 2009. O frescor, a originalidade e a imprevisibilidade do primeiro capítulo não podiam ser alcançados dentro da mesma série. Mas também não há como negar que é divertido rever as esquisitices de Alan e Chow, a relação deles com Phil e Stu, e a capacidade do grupo de se colocar em situações comicamente perigosas.

Para os fãs da fórmula original, uma das melhores cenas da trilogia, após os créditos, se despede dos espectadores da melhor maneira possível, como se dissesse “Nós amadurecemos e temos que ir embora, agora, mas nos orgulhamos do que fizemos e agradecemos o carinho”. Ou, talvez, uma frase um pouco mais curta.

Se Beber, Não Case! sairá das telas dos cinemas e abandonará nossas expectativas, mas entrará para a história do cinema. Não apenas porque a série é uma das 20 franquias de maior sucesso nas bilheterias do mundo, competindo praticamente apenas com megaproduções. Mas principalmente porque, mostrando que comédias hollywoodianas podem se reinventar, não precisam ter medo de exagerar na dose das piadas, e que não precisam de grandes astros para atrair o cobiçado dinheiro, o primeiro filme pode ser considerado uma das comédias mais importantes desse século. Ao contrário das épicas noites vividas pelo Bando de Lobos, eles não serão esquecidos tão cedo. Esta não é uma daquelas séries, digamos assim, roofies.

CD Vallada

Formado em cinema pela FAAP, o paulistano CD Vallada foi colunista do Portal Higi e hoje traz suas análises da indústria cinematográfica ao El Hombre.

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