Texto publicado originalmente no “Politize!”, um portal de educação política, e reproduzido com autorização pelo El Hombre. Ele é uma trilha sobre as correntes de pensamento político. Veja os outros textos desta trilha aqui.
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“É melhor as falhas ocasionais de um governo que vive em um espírito de caridade do que as constantes omissões de um governo congelado no gelo de sua própria indiferença.” – Franklin D. Roosevelt (1882 – 1945), presidente dos Estados Unidos
A social democracia é uma variação do socialismo, surgida dentro do movimento operário ainda no século XIX. Hoje em dia, após mais de um século de evolução, essa corrente diverge do socialismo marxista, que busca substituir o sistema econômico capitalista (no qual os meios de produção estão nas mãos de indivíduos) pelo sistema econômico socialista (no qual os meios de produção são coletivizados).
A social democracia aceita o capitalismo, mas busca mitigar os efeitos desse sistema considerados adversos, por meio da política. Para isso, utiliza-se de intervenções econômicas e sociais e promove reformas parciais do sistema ao invés de substitui-lo por inteiro. A social democracia é um pensamento político de centro-esquerda e seus principais valores são a igualdade e a liberdade.
No campo político, a social democracia defende as liberdades civis, os direitos de propriedade e a democracia representativa, na qual os cidadãos escolhem os rumos do governo por meio de eleições regulares com partidos políticos que competem entre si.
No campo econômico, a social democracia encontrou nas teorias do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) a combinação perfeita para aliar os interesses sociais à mitigação de aspectos considerados problemáticos do capitalismo, como crises periódicas e elevado desemprego. Dessa combinação surgiu o Estado de Bem-Estar Social.
O que é o Estado de bem-estar social?
O Estado de bem-estar é uma organização política e econômica na qual o Estado tem um papel central na organização econômica, visando promover o progresso social e criar redes de segurança aos cidadãos “do berço ao túmulo”, ou seja, durante toda a sua vida. O Estado é o regulador da vida social e econômica do país.
No paradigma keynesiano, o Estado passou a ter a função de evitar ou amenizar as crises econômicas com intervenções anticíclicas na economia, que visam aumentar a demanda interna e reaquecer a economia. Esse aumento da demanda interna pode ocorrer pelo aumento da renda dos trabalhadores, pela abertura de linhas de crédito subsidiadas ou pelo gasto público direto em obras de qualquer espécie. Mesmo que essas ações causem um déficit público num primeiro momento, tudo se compensa quando um novo ciclo de expansão da economia se inicia.
O governo também passa a ter como objetivo a manutenção de um regime de pleno emprego e o aumento da renda dos trabalhadores, que resultariam em aumento da demanda interna, crescimento econômico e melhora das condições sociais. Além disso, o governo regula o mercado de trabalho, criando proteções e leis como o salário mínimo, a regulação da jornada de trabalho, negociações coletivas entre sindicatos e representantes de setores empresariais e uma gama de direitos trabalhistas. Aliás, os sindicatos são uma das bases políticas mais importantes na social democracia.
O Estado também participa de atividades econômicas que são consideradas necessárias ao desenvolvimento do país, mas que poderiam não ser atendidas adequadamente pela iniciativa privada, tanto por falta de interesse devido às margens de lucro pequenas, quanto pela impossibilidade de oferecer serviços adequados para toda a sociedade – como costuma ocorrer nos setores de energia (geração elétrica, petróleo, carvão), comunicações, transportes entre outros, e mais raramente na produção de bens de consumo.
Proteção do Estado ao cidadão
No campo social, o Estado passa a oferecer à população uma rede de segurança que garante um padrão mínimo de vida. Essa rede de segurança inclui a seguridade social, com benefícios como o seguro desemprego, auxílio durante períodos de enfermidade, licença maternidade, aposentadoria por invalidez ou por tempo de trabalho, entre outros. Também inclui programas de assistência social que visam auxiliar as pessoas mais vulneráveis da sociedade.
Uma parte importante do papel do Estado na área social é o provimento de serviços públicos abrangentes e de qualidade. Nesse paradigma, o Estado é considerado o melhor provedor de serviços básicos, pois atenderia a toda a sociedade igualmente independente de poder econômico ou localização geográfica, em contraposição aos serviços privados, que podem ficar restritos a uma parte da população.
Entre os serviços públicos providos pelo Estado de bem-estar social, costumam estar inclusos a assistência médica ampla e gratuita, programas habitacionais, educação infantil, educação superior, bem como educação básica, segurança, infraestrutura, justiça, entre outros. É claro que essa ampla gama de serviços e tarefas do Estado necessita de recursos, que serão obtidos da sociedade por meio de uma carga tributária mais alta.
O progressismo na social democracia
A social democracia sofre de uma aparente contradição, pois ao mesmo tempo em que é coletivista em assuntos econômicos (ao defender a intervenção do Estado na economia e prover serviços públicos abrangentes), é individualista nas questões de ordem social e moral. A social democracia não tem como um de seus valores a manutenção da ordem social vigente ou a defesa dos comportamentos tradicionais.
Nesse contexto, a social democracia adapta-se bem às ideias progressistas no campo social. Esse fato acaba gerando certa confusão nas pessoas, que acabam enxergando indistintamente as ideias progressistas das ideias de centro-esquerda, sem perceber que na verdade o progressismo é contraposto mais pelo conservadorismo e não pela direita como um todo, como será discutido em outros posts desta trilha.
Críticas à social democracia
A social democracia não está imune a críticas, evidentemente. A aplicação prática desse modelo evidenciou alguns de seus problemas estruturais. Uma das críticas é a tendência a baixos níveis de crescimento econômico, pois muitas vezes os objetivos sociais acabam tornando-se antagônicos à eficiência econômica, como quando o governo aumenta artificialmente o valor dos salários, mantém taxas de câmbio desequilibradas para evitar a inflação, usa empresas estatais ineficientes para prover bens e serviços ou aumenta os impostos para financiar o Estado.
Outra crítica comum é que a busca do Estado em mitigar ao máximo os riscos inerentes à vida implicaria menor autonomia das pessoas e seria uma tentação para políticos transformarem o Estado em uma instituição paternalista. Em adição, o avanço do Estado em mais esferas da vida social, com imposição de mais regras e burocracia, deixaria menor espaço para a liberdade de decisão individual.
Alguns de seus críticos apontam que o próprio sucesso do sistema pode acionar os mecanismos de seu enfraquecimento. O aumento da segurança social, tanto pela previdência – como a ampliação das situações cobertas ou do número de beneficiários – quanto por meio de programas sociais impõe aumentos de gastos públicos que devem ser cobertos por encargos sociais, a maioria dos quais incide sobre a folha de pagamento.
Nesse cenário, o custo do trabalho eleva-se e os empresários buscam alternativas para diminuir a necessidade de mão de obra, como a automatização ou a transferência para outros países. Essa situação compromete o objetivo de manter o pleno emprego. Por conseguinte, há mais pessoas desempregadas, que impõem um custo maior à seguridade social, que por sua vez conta com menos contribuintes para sustentá-la. Ou seja, pode-se iniciar um ciclo vicioso que resultará em uma crise de sustentabilidade do sistema.
Nota: este post foi adaptado de trecho de “O Livro Urgente da Política Brasileira“, de Alessandro Nicoli Mattos. Baixe agora mesmo para aprender ainda mais sobre a política!
Autor: Alessandro Nicoli de Mattos
Engenheiro em Elétrica, trabalha na área de exatas mas gosta de estudar História, Economia e Política no seu tempo livre. Dos três ebooks gratuitos que já publicou, “O Livro Urgente da Política Brasileira” é o último e busca explicar a política e o Estado brasileiros da forma mais objetiva e visual possível, como gostam os engenheiros. Acredita que na democracia é necessário participar, mas sempre com conhecimento de causa, e, assim, educar os conterrâneos sobre política também é exercer a cidadania.