“Nunca fui capaz de responder à grande pergunta: o que quer uma mulher?”, teria escrito Freud, em carta a Marie Bonaparte. A famosa questão do pai da psicanálise tornou-se quase que uma obsessão entre os homens ao redor do mundo. Parece, no entanto, que o jornalista norte-americano Daniel Bergner acaba de encontrar essas respostas, em suas investigações no mundo científico, acompanhando estudos sobre o desejo feminino. “O que realmente as mulheres querem?” é o livro que todos os homens deveriam ler.
É a própria ciência, tão responsável por alimentar preconceitos sobre elas que fornece respostas capazes de desmistificar a libido das mulheres diante do olhar questionador do jornalista. Bergner duvida de conceitos consolidados pelo evolucionismo, põe na berlinda o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), conhecido como bíblia da psiquiatria. Vai encontrar em outras pesquisas, que se dizem marginalizadas, respostas que considera mais satisfatórias.
Há um encontro de tensões do pensamento contemporâneo: os decretos pró-virgindade direcionados principalmente às meninas e moças por cristãos protestantes, as ondas de pânico e protecionismo sexual que tomam conta da cultura laica quando o assunto são meninas, e não meninos, e a tese amplamente aceita – e insensatamente apoiada – da psicologia evolutiva de que, em relação aos homens, que são programados para caçar gratificação através do sexo, as mulheres são manipuladas por seus genes para procurar conforto nos relacionamentos.
Ao ligar vaginas a um pletismógrafo (aparelho que mede variações no tamanho do órgão devido ao afluxo do sangue) e pôr as mulheres diante de cenas pornográficas e até de coito entre bichos, o autor verifica que existe algo de instintivo e animalesco em nossa conduta sexual – o que vale tanto para os homens, como para as mulheres. E instintos não demonstram se guiar pela reprodução e perpetuação da espécie – como sugerem os evolucionistas – mas sim pela sobrevivência em busca de prazer.
As tradições culturais e as ideias disseminadas pelo senso comum tem cuidado de oprimir os apelos instintivos na sexualidade feminina. “A monogamia está entre os ideais mais estimados e enraizados da nossa cultura”, apontou o jornalista. Um dos efeitos é que mulheres tendem a omitir e reprimir seu desejo – por temerem as tão banalizadas represálias sociais do slutshaming. Porém o que tem se observado é que a libido feminina tende mesmo a desaparecer na monogamia.
A virgindade feminina é cultuada desde a antiguidade. Eram com as virgens que os homens mais tinham interesse em casar – a fim de garantirem, assim, que teriam filhos legítimos. Não existia, à época, testes de DNA ou mesmo métodos anticoncepcionais para assegurar a hereditariedade.
Pouco mais tarde, o cristianismo instituiu a noção de “pecado original”, apontando a castidade como sinal de pureza. O sexo foi demonizado e tudo o que se referia a sexualidade foi posto às margens da sociedade.
Porém o casamento se manteve ao longo do tempo como um dos pilares da sociedade. E foi também para as mulheres do passado talvez a única perspectiva de ascensão social. Por isso a mulher se empenhava em permanecer virgem para “se dar valor” – ou seja, conseguir um rico bom marido.
Com a consagração do amor romântico, a ideia de “valor feminino” segundo o seu bom comportamento passou a girar em torno de outra perspectiva: ser amada. Garotas que não se comportam bem (de novo, que não demonstram serem castas e puras), além de não merecerem amor, tornam-se automaticamente alvo do slutshaming – o que as faz terem vergonha da própria sexualidade.
O homem, ao contrário, nunca teve que “se guardar” para ser capaz de arranjar uma companheira ou mesmo ser amado. Além do que, em um passado não muito distante, esposas eram senhoras respeitadas dentro de casa, de forma que os homens buscavam prazer principalmente na rua – nos bordéis, e não no casamento.
Então a ideia de que homens são mais libertinos que mulheres tem um componente cultural muito forte, edificado historicamente. Eles sempre tiveram mais liberdade para exercer sua sexualidade, essa é a verdade.
A psiquiatra Rosemary Basson criou um diagrama onde descreve as “razões para o sexo” na psique feminina. A tabela, em que possibilidade de uma mulher transar por puro desejo é a apontada como a mais improvável, foi adotada pela bíblia profissional da psiquiatria – que define parâmetros da “normalidade” no comportamento humano.
Em seu diagrama, Basson apresentou uma imagem do desejo feminino como intrinsecamente lento para se construir, resultado de uma série de decisões; dificilmente seria pura vontade. ‘Não estamos falando de uma fome inata’, disse ela.
Seguindo-se esse esquema, a dedução a que se chega é que compromisso, fidelidade, confiança, familiaridade sejam capazes de despertar erotismo na mente da mulher. No entanto, ao investigar as fantasias sexuais femininas, Bergner descobre que elas se masturbam pensando em orgias em locais públicos, sexo com desconhecidos, cenas de estupro, incesto, relações extraconjugais, sadomasoquismo… Parece que os médicos não estão tratando as mesmas mulheres.
O pressuposto de que, enquanto o desejo masculino pertence ao reino animal, a sexualidade feminina tende naturalmente ao civilizado; a crença de que nos cérebros das mulheres as regiões mais avançadas, os domínios da ponderação e do autocontrole são construídos pela hereditariedade para habilmente silenciar a libido; a premissa de que a ligação emocional é, para as mulheres, um afrodisíaco potente e ancestral; a ideia de que o erotismo feminino as torna guardiãs, imperfeitas mas predestinadas, da monogamia… que verdades nascentes emergirão se essas crenças continuarem a ser quebradas?
Seja ao ouvir o relato de diversas e mais variadas mulheres, seja ao analisar os resultados de pesquisas científicas sobre o desejo feminino, Bergner demonstra que a sexualidade delas não se distingue das volições masculinas, como se presumia. Talvez seja hora de parar de se perguntar “O que quer uma mulher?” e assumir que as vontades delas são apenas tão naturais quanto as dos homens.
Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.
Saiba Mais