Ontem estava assistindo ao jogo do Palmeiras quando algo ordinário aconteceu: a torcida começou a xingar o juiz. E, então, logo em seguida algo extraordinário: eu comecei a filosofar durante uma partida do Verdão.
Não que eu tenha optado por isso. Foi meio automático. De repente eu pensei: “Esses caras estão xingando o juiz mas a maioria não deve nem saber o nome do rapaz”. A ideia simplesmente pulou na minha cabeça.
E, assim, conclui rapidamente que a galera, na real, estava pouco se lixando para o árbitro. O ódio delas não era do juiz, o moço desconhecido, mas daquilo que ele representava: uma ameaça ao objetivo do seu time de vencer a partida.
Óbvio!
E, como um carro velho embalando numa descida, meu raciocínio foi se desenrolando até me levar, também em breve tempo, a uma conclusão generalizada: não é possível odiar a alguém. Isso! É impossível odiar uma pessoa.
Então, por favor, deixe-me te levar pelos meandros do meu raciocínio enferrujado para você me dizer se essa conclusão faz ou não sentido.
Você já deve ter sentido ódio de alguém. Raiva que seja. Irritação, fúria, cólera — tanto faz. Certamente esses sentimentos já passaram pelo seu coração. Mas você já parou para perceber o porquê de estar sentindo tais emoções?
O ódio não é nada além de uma expressão violenta de uma insatisfação. A gente fica com muito ódio quando algo acontece diferente do que desejávamos. Quando somos contrariados.
Nessas situações também podemos “simplesmente” ficar tristes. A tristeza seria, então, a expressão melancólica de uma contrariedade. A resignação seria uma expressão conformada — e por aí vai.
E, voltando ao raciocínio, o ódio é a expressão agressiva.
Esse sentimento nasce de uma expectativa frustrada. A gente odeia o fato de não conseguir atingir tal objetivo.
Por exemplo: eu tenho o desejo de ficar rico. Faço um planejamento detalhado para isso e estou caminhando bem rumo ao planejado. Eis que aparece alguém na minha vida, se faz de amigo e me passa a perna, frustrando meus planos. Como consequência, eu vou sentir ódio mortal dessa pessoa.
Ou quando alguém me difama. Eu vou ter raiva porque as pessoas passarão a fazer um julgamento negativo de mim. E tudo por conta daquele indivíduo. Eu odeio ele!
Será?
Perceba, minha raiva não é daquele ser humano — é da situação que ele me colocou. O que eu posso estar fazendo, inconscientemente, é uma transferência do sentimento de um lugar para o outro e me perceber odiando a pessoa. Mas, desculpe-me dizer, esse é um equívoco de leitura e que dificulta demais nossa busca por paz.
Concluido o raciocínio de que não odiamos pessoas, peço licença para prosseguir no texto porque muitos vão pensar: “Essa pseudo fliosofia pode ser bonitinha, mas não me serve de nada”.
Hum… Serve sim. Essa consciência traz benefícios práticos para nossas vidas.
Como? É simples! Ao considerar como objeto do ódio alguém que não seja nós mesmos, estamos transferindo a responsabilidade de nossas frustrações. Nessa ilusão, o ódio significa que vemos a outra pessoa como o pivô central de alguma infelicidade nossa.
Agora, — nessa você há de concordar comigo! — se minha felicidade está sob domínio de um outro alguém, eu estou fodido! Viverei eternamente como uma marionete. E ninguém deseja ser joguete nas mãos dos outros.
Então tratemos de mudar essa realidade.
Ao tomar consciência de que nosso ódio nasce de nossas frustrações, fica fácil concluir que para deixar de odiar basta não criar expectativas. Ok, talvez isso não seja possível – então aprender a lidar melhor com elas já é um bom caminho.
As outras pessoas não têm o poder de originar algo em nossos sentimentos. Elas funcionam apenas como ferramentas disparadoras. Suas ações repercutem em nossa intimidade e despertam reações nossas – e se as reações são nossas, podemos fazer delas o que quisermos, oras! Basta estarmos conscientes disso, o que é uma raridade.
É engraçado pensar assim, mas geralmente funcionamos como uma máquina programada: aperta-se esse botão e gera-se a reação X; aperta-se aquele botão e gera-se a reação Y. Só que em vez de botões, reagimos com estímulos comportamentais: alguém nos estimula com um comportamento X e a reação é essa; com um comportamento Y e a reação é aquela.
Pode reparar, costumamos repetir comportamentos. São hábitos. Nós estamos engessados em nossos próprios hábitos comportamentais. Somos seres humanos, mas abrimos mão de nossas possibilidades autônomas de pensamento para viver semi-automaticamente.
E o ódio é uma manifestação disso.
A única forma de se livrar dessa prisão é refletir muito sobre nossos sentimentos. Em vez de se entregar à raiva, converse com ela, compreenda-a, questione-a. As respostas são a chave para sua liberdade.
Só que aqui, sorry, a caminhada é solitária.