Você lembra do nosso texto sobre a arte da retórica? Chegou a hora de expandi-lo um pouco, oferecendo a vocês, queridos leitores, exemplos práticos advindos de cinco dos maiores mestres da oratória de todos os tempos.
(A oratória, que fique claro, é uma das principais manifestações da retórica, sendo focada no ato de se falar em público e para uma audiência de dimensão considerável).
De acordo com o jornalista americano George Plimpton (1927 – 2003), fundador e editor da Paris Review, um discurso contaria com quatro propósitos, que seriam:
Estes quatro propósitos foram aperfeiçoados por cada uma das célebres personalidades que mencionaremos nesse texto – a dizer, Demóstenes, Cícero, Winston Churchill, John F. Kennedy e Martin Luther King – cada um ao seu modo.
E nós ensinaremos você a tirar o melhor que puder de cada um deles e se tornar um especialista em oratória! Vamos em frente?
Considerado “o mais admirável orador em todos os gêneros da oratória” por Cícero, o ateniense Demóstenes consiste em um exemplo impressionante da imensa força da determinação.
Ainda pequeno, Demóstenes esteve presente em um julgamento no qual o orador Calístrato realizou um dos melhores desempenhos de toda a sua carreira, alterando com o seu talento um veredicto que parecia selado.
“O extraordinário sucesso de Calístrato causou a admiração geral”, escreveu o historiador e filósofo grego Plutarco, “e Demóstenes ficou sobretudo admirado com o poder da palavra, e percebeu que ela tudo domina e a todos domestica”.
No entanto, ele não fora agraciado pela natureza com o dom da oratória. Além de possuir um discurso confuso e maçante, tinha a voz fraca, a dicção pouco clara e o fôlego curto.
Numa certa ocasião, queixou-se a um amigo ator, alegando que pessoas cujo conhecimento era imensamente inferior ao seu alcançavam um sucesso muito maior. Seu amigo convenceu-o da importância de “acrescentar ao discurso a arte do ator”.
Frente a isso, nas palavras de Plutarco, Demóstenes
construiu uma sala de treino subterrânea para onde ia todos os dias sem exceção aperfeiçoar a declamação e exercitar a voz. Muitas vezes lá permanecia dois ou três meses seguidos, raspando apenas uma parte da cabeça, para que a vergonha o impedisse de sair, mesmo que tivesse muita vontade.
Para fortalecer a voz, Demóstenes fazia demoradas caminhadas na praia, falando alto diante do mar a fim de alcançar um volume que superasse o estrondo das ondas. Com o decorrer do tempo de treinamento, começou a correr enquanto realizava esse exercício.
Para aperfeiçoar a dicção, ele colocava pequenas pedras na boca. Estas dificultavam a sua fala, e obrigavam-no a aprimorar a sua pronúncia.
Para aprimorar a linguagem corporal e a expressão facial, olhava-se longamente em um grande espelho para ver se a sua expressão causava impacto.
E, como possuía o vício de mover um de seus ombros enquanto falava, colocava uma espada presa no teto, com a ponta voltada para baixo, a fim de ser ferido cada vez que realizasse um movimento involuntário.
Graças a seu tremendo senso de disciplina e a este treinamento meticuloso, “Demóstenes foi elevado à imortalidade como um símbolo da força avassaladora das palavras”, como colocou o jornalista brasileiro Paulo Nogueira.
Chegamos então ao estadista e filósofo romano Cícero, que exerceu durante longo tempo o ofício de cônsul e é considerado um dos maiores oradores de todos os tempos.
Se Demóstenes foi obrigado a esforçar-se desesperadamente para atingir a proficiência, Cícero parece ter nascido com a mesma: ele foi um pequeno prodígio da oratória, destacando-se desde a mais tenra idade pela sua inteligência, carisma e outros dotes naturais.
Segundo Plutarco, Cícero
brilhava pelos dotes naturais, e adquiria nome e fama entre os rapazes, a ponto de os pais destes irem fequentemente à escola não só para verem Cícero com os próprios olhos, mas também para observarem a sua famosa rapidez na aprendizagem e a sua inteligência.
Famoso pela sua predisposição natural para a aprendizagem e pela sua inteligência superior, Cícero ainda assim não contou meramente com seus talentos inatos: desde cedo, dedicou-se ao estudo de filosofia, de direito e de oratória com os mais ilustres mestres de tais disciplinas em Roma, em Atenas, em Esmirna e em Rodes. Ele devotava-se com afinco à leitura dos grandes teóricos da oratória, tais como Aristóteles, e da filosofia, tais como Sócrates.
Entre muitas outras coisas, a atuação de Cícero na cena oratória nos ensina a acolher os nossos dons naturais e a desenvolvê-los. Por melhor que estes sejam, há sempre espaço para o aprimoramento.
“Se possuímos uma convicção inabalável e instintiva a respeito de Churchill, é a de que ele foi o maior orador dos últimos cem anos”, afirmou certa vez Boris Johnson, o atual primeiro-ministro britânico.
Mas, por mais que Churchill tenha sido um gênio em numerosos sentidos, é certo que não foi um prodígio da oratória. Ele era incapaz de improvisar e, quando discursava, não o fazia com o entusiasmo e a espontaneidade comuns aos grandes oradores da humanidade.
Por muito tempo, Churchill foi considerado um orador medíocre.
O motivo? Ele mesmo deixou claro que se importava menos com os princípios que defendia do que com a impressão que visava produzir. E a ausência de sinceridade nunca foi o melhor dos ingredientes para um orador.
Às vistas da Segunda Guerra Mundial, tudo isso mudou. Nesta, Churchill presenteou-nos com alguns dos mais sublimes discursos jamais produzidos, aliando a autenticidade ao seu espantoso talento como escritor.
(Churchill escreveu numerosos livros, tendo recebido o Nobel de Literatura no ano de 1953).
Coloquemos, lado a lado, Churchill e Hitler. Em termos de força demagógica, teatralidade e carisma, o segundo definitivamente supera o primeiro. Mas, no que diz respeito à força das palavras, Churchill ocupa o papel de destaque.
Vejamos um dos discursos que proferiu em meio à guerra, em 4 de junho de 1940:
Iremos até o fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos.
A impressionante habilidade literária de Churchill tornou-o um ícone. Suas palavras insuflaram a bravura nos corações de milhões de pessoas, que se sentiram energizadas, esperançosas e entusiasmadas mesmo diante do perigo.
Como disse Boris Johnson, “Hitler mostrou o mal que podia ser feito usando a arte da oratória. Churchill mostrou que a mesma podia ajudar a salvar a humanidade”.
Em setembro de 1960, John F. Kennedy e Richard Nixon, os dois principais candidatos à presidência dos Estados Unidos, realizaram o primeiro debate presidencial.
Kennedy era então uma figura relativamente desconhecida, consistindo em um senador de Massachusetts. Nixon, por sua vez, era um estadista experiente que já acumulara duas vice-presidências.
Entretanto, Kennedy destacou-se enormemente em relação ao seu adversário, o que o ajudou a vencer as eleições americanas.
E por quê?
Porque, enquanto Nixon — que estivera doente, mas ainda assim se recusara a usar maquiagem para disfarçar a sua palidez — demonstrava exaustão e rigidez, ele era a perfeita representação da serenidade e da autoconfiança. Sem jamais deixar de lado um sutil sorriso confiante, Kennedy dirigia-se sempre às câmeras — e não aos entrevistadores ou ao seu oponente –, como se estivesse falando diretamente ao espectador, com uma voz suavemente modulada. O resultado, segundo o especialista em oratória americano Richard Greene, foi que o então senador passou uma imagem
presidencial, mas calorosa e acessível. Forte e determinada, mas brincalhona e suave. Tudo ao mesmo tempo, e tudo da maneira certa.
Com Kennedy, podemos aprender que o essencial é transmitir duas qualidades: acessibilidade e autoridade. A acessibilidade faz com que sejamos considerados humanamente agradáveis, ao passo que a autoridade denota poder e status. Os políticos mais carismáticos tendem a ser aqueles cujo comportamento manifesta ambas as coisas.
O conteúdo é essencial, mas a tonalidade e a linguagem corporal são tão importantes quanto.
Ou bem mais importantes, se levarmos em conta a pesquisa realizada por Michael McCaskey e Peter Thompson. Eles concluíram que os aspectos paralinguísticos do discurso, tais como o tom de voz e a entonação, consistem em 38% do processo de comunicação, que a linguagem corporal (que inclui expressões faciais, gestos e contato visual, entre outras coisas) conta por 55% e que somente os 7% restantes cabem ao conteúdo.
Ao final desse debate, a maior parte dos espectadores reconheceu Kennedy como o vencedor. E os políticos nunca mais subestimaram a importância da aparência física e da linguagem corporal, especialmente em contextos televisionados.
Mesmo que você nunca tenha ouvido diretamente algum discurso de Martin Luther King, é provável que conheça as seguintes palavras:
Eu tenho um sonho em que um dia esta nação se erguerá e viverá para sempre o verdadeiro significado do credo: “Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, de que todos os homens são criados iguais”. (…) Eu tenho um sonho em que os meus quatro filhos pequenos serão julgados não pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.
Este é definitivamente um dos discursos mais belos e inspiradores de todos os tempos, e para muitos o mais inspirador. Com ele, Luther King inspirou milhões de pessoas de diversas etnias, gêneros e idades a demandarem justiça racial. E, também com ele, King transformou-se no homem mais admirado e temido dos Estados Unidos — uma autoridade moral preeminente e, ao mesmo tempo, segundo o FBI, o “líder afro-americano mais perigoso da nação”.
Assim como Cícero, o ativista foi um prodígio da oratória. Desde a mais tenra infância, participara (e quase sempre vencera) de numerosas competições voltadas para discursos e para debates.
O tempo, e os longos anos de atuação como pastor em uma igreja batista, tornaram-no ainda melhor. Além de desenvolver o carisma que fez dele um ícone, o seu treinamento religioso o equipou com o conhecimento das convicções morais e sociais de sua audiência, assim como as necessidades e os desejos da mesma. A sua autoridade derivava não apenas da Bíblia, da teologia e daqueles que o precederam, mas de sua potência inigualável.
Entre muitas outras coisas, o que podemos aprender com King é o uso da autoridade moral.
Durante a sua carreira, toda ela dedicada aos direitos civis, King fez mais do que desafiar a consciência coletiva americana: ele implantou na mesma a sua autoridade moral, sendo esta fortalecida pela eminência de suas convicções pessoais.
Um exemplo?
Em abril de 1967, apenas um ano antes de ser assassinato, King denunciou a Guerra do Vietnã durante um sermão em Manhattan. Em suas palavras,
É inevitável que falemos a respeito das prioridades do governo. Estamos gastando uma fortuna em morte e em destruição — e não na vida, e não no desenvolvimento construtivo. Quando as armas da guerra se tornam uma obsessão da nação, isso ocorre em detrimento das necessidades sociais.
Muitos dos companheiros de King se preocuparam. As suas declarações poderiam prejudicar o movimento pelos direitos civis ao conquistar a inimizade dos líderes da nação, tais como o então presidente Lyndon Johnson. Estudos indicaram que 73% dos americanos discordavam de King (no caso dos negros, 45%), e que 60% acreditavam que a sua oposição à guerra traria problemas às causas pelas quais lutava.
Mas ele persistiu, recusando-se a abaixar a cabeça.
E por quê?
Porque o que dizia não era feito para agradar a quem quer que fosse. King era fiel às suas convicções. E, segundo Jones, seu principal conselheiro e amigo íntimo, ele jamais teria comprometido a sua autoridade moral apenas para “se adequar ao contexto”.
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