A renomada especialista em Austen, Patricia Meyer Spacks, listou 4 livros escritos por Jane Austen, e um sobre Jane Austen, que devem ser lidos por todos que desejam ter a alegria de consumir a obra dessa renomada autora inglesa que viveu no século XVIII e XIX, entre os anos de 1775 e 1817.
É importante notar que os livros estão em ordem cronológica, e não de importância.
“Razão e Sentimento” é uma escolha distinta das demais. Não diria que foi o que mais amei. Não diria sequer que eu o amei tanto quanto amei “A Abadia de Northanger”, o qual não incluí na lista. Contudo, estou fascinada por ele, visto que muda de forma para mim ao longo dos anos conforme o releio. Atualmente estou escrevendo um livro sobre reler (nota da tradutora: o livro foi publicado em 2011, e se chama “On Rereading”. Não há tradução para o português, mas o original pode ser encontrado na Amazon), então penso muito sobre o que acontece quando você relê algo.
Comecei com uma visão de “Razão e Sentimento” como um romance bastante estereotipado – muito semelhante a muitos romances do século XVIII que li. Há uma irmã boa e uma irmã difícil, e a irmã difícil se reforma e todos vivem felizes para sempre. Mas, conforme continuava a relê-lo, comecei a perceber que é de fato um romance muito sombrio, provavelmente o mais sombrio dos romances de Jane Austen.
Em primeiro lugar, por causa do muito real senso de perigo financeiro que paira sobre os personagens, ou pelo menos sobre os personagens que apreciamos. Não há nada semelhante em qualquer outro livro de Jane Austen (exceto a família de origem de Fanny Price em “Mansfield Park”, que é ainda mais assustadora, suponho). Mas, pensando nos casamentos no final, muito já foi escrito sobre o casamento de Marianne com um homem muito mais velho, um casamento anti-romântico. Mas o casamento de Elinor também não é muito atraente. Edward, diferente de qualquer dos protagonistas masculinos dos outros livros de Jane Austen, parece ser um homem seriamente deprimido. Ele é um rapaz muito apegado à mãe, nunca realizou nada em sua vida e não há nenhum indício de que tenha uma vocação como ministro – parece ser apenas o que ele acaba fazendo. Não se pode prever uma vida muito alegre para Elinor e Edward. Quanto ao Coronel Brandon, ele é, pelo menos em minha opinião, uma figura muito atraente. Mas certamente não é a figura com que Marianne sonharia, e parece que ela se forçou a aceitá-lo, em vez de aceitá-lo por verdadeiro sentimento. É verdade que Austen diz que Marianne aprendeu a amá-lo. Porém, ainda assim, não é um casamento muito alegre. Em todos os romances de Jane Austen, exceto “Orgulho e Preconceito”, no final Austen sugere algumas dificuldades vindouras no casamento. Geralmente isso é abordado de forma mais leve. Mas em “Razão e Sentimento” não é assim. Parece ser um romance sombrio disfarçado de romance leve, e acho isso muito interessante.
“Orgulho e Preconceito” é um caso muito especial para mim no momento, porque acabei de produzir uma edição anotada com cerca de 2.000 anotações. Lembro-me que na década de 1970 havia uma edição Penguin de “Orgulho e Preconceito”, anotada por Tony Tanner, que considero um crítico maravilhoso. Em sua introdução, ele destaca que tem apenas uma nota de rodapé e explica que isso se deve ao fato de Austen não precisar de nenhuma anotação – ela fala com todos ao longo dos séculos. Concordo absolutamente com essa afirmação; é verdade. Li “Orgulho e Preconceito”, estimaria eu, 40 ou 50 vezes. Ensinei-o em cursos de graduação e de pós-graduação. Dei aulas sobre ele em seminários para professores e escrevi sobre ele muitas vezes. E quando me pediram para anotá-lo, não estava muito entusiasmada com a ideia. Fui finalmente persuadida porque pensei que poderia anotá-lo de memória – conheço o livro praticamente de cor. Estava tão enganada. Lendo-o enquanto pensava sobre o que alguém gostaria de saber para entendê-lo melhor, descobri tantas coisas novas e percebi, realmente pela primeira vez, o quão complexo é esse romance. Acredito que sempre foi o meu favorito, como é o favorito de muitas pessoas entre os romances de Jane Austen. Mas sempre me senti vagamente envergonhada por isso enquanto estudiosa, porque não achava que era o melhor. Eu diria que “Persuasão” é o melhor dos romances de Jane Austen. Mas “Orgulho e Preconceito” é o que mais amei. Amei-o porque é um conto de fadas; é sobre a garota relativamente pobre que cresce e se casa com o Príncipe Encantado.
Uma das críticas frequentemente feitas a Austen é que ela viveu durante a era das Guerras Napoleônicas e nunca menciona as guerras em seus romances. Lendo “Orgulho e Preconceito” desta vez, notei algo que nunca havia percebido antes. Quando Elizabeth e Jane voltam de Netherfield (quando Jane esteve doente e Elizabeth passou alguns dias com ela), as irmãs mais novas estão tagarelando e dando-lhes as notícias. É tipicamente muito trivial – elas relatam que seu tio entreteve os oficiais, que o Coronel Foster está prestes a se casar e que um soldado raso foi açoitado. Pensei, que estranho ela colocar que um soldado foi açoitado – o que isso está fazendo ali? E comecei a ler mais sobre o assunto e descobri a extraordinária brutalidade do exército britânico naquela era. Descobri a enorme diferença de classe entre os soldados comuns e seus oficiais, e aos poucos aprendi sobre a milícia. O fato é que a milícia só existe quando o país está em guerra, então o fato de um regimento da milícia chegar à cidade é, por si só, um sinal de que o país está em guerra. Na verdade, ninguém percebe, porque a vida da aldeia, a vida daquela pequena comunidade, é tão totalmente envolvente, tão totalmente absorvente para as pessoas nela, que elas não apenas não têm perspectiva sobre o que o mundo exterior poderia pensar, mas nem mesmo percebem que há perigo. Quando Lydia vai para Brighton, o motivo de a milícia estar em Brighton, descobre-se, é porque Brighton era o lugar mais provável de ser invadido pela França. Mas ninguém pensa por um momento que possa haver algum perigo em Brighton ou que algo precário possa estar acontecendo lá. Em resumo, acontece que a guerra está lá o tempo todo. Parte do ponto do livro, parte do ponto sobre esta comunidade na qual todos os julgamentos são rápidos e na maioria das vezes errados, é que os personagens simplesmente não estão cientes do que está acontecendo fora. Mas não é que é que Austen não esteja ciente.
“Emma” é realmente divertido, e ensinei-o várias vezes. Os alunos de graduação tendem a não gostar dele, porque as jovens que ensinei, em sua maioria em instituições de elite, geralmente foram criadas com um código de conduta muito preciso. A primeira coisa que todas sabem é que não devem se levar muito a sério, não devem se gabar, e assim por diante. Emma é extremamente arrogante; ela acredita que está certa em todos os seus julgamentos. Ela está feliz em fazer julgamentos sobre outras pessoas e, se estiverem errados, ela se arrepende brevemente, mas tende a continuar fazendo a mesma coisa novamente. Os alunos de graduação não entendem por que ela deveria ser levada a sério e por que deveria ser recompensada – do ponto de vista deles, ela deveria ser punida por se comportar da maneira que faz. Portanto, é sempre um prazer mostrar, textualmente, o quão séria Emma realmente é e o quanto ela pensa sobre questões éticas.
Há muita linguagem no livro sobre o quão atenciosa ela é com os outros, o quão conscienciosa ela é, é claro, em cuidar de seu pai. Mas também o quão consciente ela é, na maioria das vezes, sobre não ofender Miss Bates, sobre agradar Miss Bates. Ela é generosa, ela se importa, ela realmente tem um impulso benevolente, o que torna ainda mais chocante quando ela se permite insultar Miss Bates. Miss Bates diz algo sobre dizer uma coisa tola, e Emma diz, com grande polidez superficial: “Ah, mas a dificuldade será ela dizer apenas uma coisa assim.” E a maravilha desse insulto é que o leitor é conduzido, é provável que o leitor concorde com ela até aquele momento. Ouvimos Miss Bates dizendo coisas tolas uma após a outra. O comentário de Emma parece uma coisa espirituosa e apropriada a dizer – e então, é claro, somos forçados a perceber, junto com Emma, o quão terrível é dizer algo assim; somos repreendidos junto com ela.
A outra coisa que me fascina em “Emma” – Austen usa esse truque em outros romances também, mas não tanto quanto em “Emma” – é o grau em que ela pode relatar o discurso mais tedioso possível e fazer você gostar dele. Não é apenas Miss Bates tagarelando sem parar, mas também há uma maravilhosa cena à mesa de jantar em que o pai de Emma e sua irmã estão falando sobre seus respectivos boticários. É a essência do tédio – se você estivesse sentado naquela sala, ficaria louco de tédio, e ela de alguma forma consegue torná-lo hilariamente engraçado. É puro gênio.
É um grande livro. Ministrei um seminário para professores sobre “Emma” no Centro Nacional de Humanidades alguns anos atrás. Passamos duas semanas e quatro horas por dia nele. Os membros do seminário eram professores assistentes que estavam ensinando “Emma” em suas aulas – todos tinham ensinado repetidamente. Tivemos um tempo maravilhoso e juntos descobrimos tantas coisas novas. Todos pensaram no início que sabiam tudo sobre “Emma” e, no final, perceberam que havia muito mais a saber.
“Persuasão” é realmente o melhor dos livros de Jane Austen. Como muitos já destacaram, ele difere em tom dos demais. Faz-nos perceber que Austen estava escrevendo no início do século XIX, ao lado de pessoas como Wordsworth e Coleridge, e que ela era capaz de sentir e expressar as mesmas emoções. É uma verdadeira história de amor, do começo ao fim. Você realmente sente que é uma história romântica – tanto com um ‘r’ minúsculo quanto com um ‘R’ maiúsculo –, na qual torce para que os amantes fiquem juntos desde o início. Não é uma surpresa, como em “Emma”, quando o romance dá certo. Não se trata de uma heroína espirituosa sendo conquistada, como em “Orgulho e Preconceito”. É sobre uma mulher que é praticamente invisível no começo, quase literalmente invisível, ninguém a percebe, que se transforma em uma pessoa vívida no final, como resultado de um amor ressuscitado. Reli recentemente e fui profundamente tocado por ele. É um romance de Jane Austen genuinamente comovente, de uma forma que os outros não são.
Isso acontece ele realmente se concentra no amor. Não se foca em mais nada – não é sobre sagacidade, não é cômico, tem muito pouca comédia. Há um comentário ocasional do narrador que possui um toque irônico ao qual estamos acostumados nos livros de Jane Austen. Mas a maior parte dele é absolutamente direta. Em “Razão e Sensibilidade”, há um momento em que Marianne fala das belezas do campo e Elinor lhe diz: “Nem todos têm a sua paixão por folhas mortas, Marianne.” Mas em “Persuasão”, a protagonista, Anne Elliot, passeia pelo campo no outono e reflete sobre as belezas da estação, e isso é levado muito a sério. O leitor é levado a sentir a beleza do outono e a compartilhar esse sentimento com ela. Há muita conversa sobre poesia em “Persuasão”, e o clima é quase poético.
Acredito que para a maioria dos estudiosos a escolha entre o melhor romance de Jane Austen recai entre “Persuasão” e “Emma”. Anteriormente, pensava que “Emma” era o melhor, mas recentemente decidi que “Persuasão” é o superior. Creio que a maioria dos estudiosos se decidiria por um ou outro.
Decidi que não deveria ter uma lista composta inteiramente por romances de Jane Austen. Então, ao pensar em uma obra de crítica literária, me ocorreu que muitos bons livros foram escritos sobre Austen, sob diferentes perspectivas.
“A Companion to Jane Austen” é um livro recente, e é o tipo de obra que está se tornando cada vez mais popular: um livro com ensaios de várias pessoas. No entanto, ele se diferencia de muitos desses livros, pois os tópicos dos ensaios são frequentemente inesperados. E os acadêmicos que escrevem os ensaios são, sem exceção, entre as pessoas mais renomadas escrevendo atualmente.
Há um ensaio individual sobre cada um dos principais romances de Jane Austen, e o ensaio sobre “Orgulho e Preconceito” é de Michael Wood – intitulado “Time and her Aunt”. Trata-se de uma linha em “Orgulho e Preconceito”, quando Elizabeth e seus tios passeiam pelos terrenos de Pemberley, a propriedade de Darcy. Darcy aparece de repente e a frase “time and her aunt” surge nesse contexto. Michael Wood escreve um ensaio brilhante sobre a importância do tempo e da tia na vida de Elizabeth. O tempo, como ele aponta, é essencial para esse encontro específico. Se tivessem ido a Pemberley um dia depois, não teriam sido admitidos, pois Darcy estaria lá. Se tivessem ido um dia antes, o teriam perdido. Se tivessem chegado mais cedo naquele dia, não o teriam encontrado. Eles o encontram porque estão lá no momento exato. E a tia, na interpretação de Michael Wood, representa o mundo doméstico, predominantemente feminino. Há muitos homens no romance. Mas é o mundo feminino que realmente faz os julgamentos e controla a ação, e a tia de Elizabeth simboliza tudo isso. Escrever algo novo sobre um romance de Jane Austen que já foi tão discutido como “Orgulho e Preconceito” é uma façanha, e este é um ensaio realmente inovador e interessante. Também há outros ensaios sobre temas muito inesperados, como Jane Austen e música, que basicamente registra sua relação com instrumentos musicais: seus hábitos ao praticar, sua dedicação em tocar o pianoforte todas as manhãs (embora ela não fosse aparentemente uma musicista notável) e relatos de como ela usava música em suas obras. O livro está repleto de coisas sobre as quais você nunca pensaria; você aprende sobre coisas antes mesmo de ter a chance de refletir sobre elas. Isso sem contar, ao terminar o livro, você tem uma boa noção dela como pessoa. Existem muitas biografias. Há uma biografia que acho muito boa de Claire Tomalin, “Jane Austen: A Life”.
Esse texto foi publicado originalmente no site Five Books. Caso seja fluente em inglês e deseje ler o original, clique aqui.
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