Ira. Luxúria. Gula. Preguiça. Inveja. Orgulho. Avareza.
Esses são os sete pecados capitais, que invadem e intrigam o universo humano como possibilidade, instinto, parte do animal que deve ser domado. Fascinam tanto quanto amedrontam.
Originário a todos os homens, quando na lógica cristã, tem-se Eva banida do paraíso pela soberba que a levou ao consumo do fruto proibido. Somos virtude, mas também pecado.
Proponho então, a você leitor, uma série de textos em que os sete pecados capitais, como parte integrante de nossa condição humana de pecadores, sejam abordados e relacionados a temas atuais, de maneira criativa, e que envolvam o universo masculino.
E, começando, hoje falaremos sobre a gula.
A gula, como pecado, diferencia-se da fome. Esta última é instinto, uma necessidade humana que nos garante a sobrevivência. Uma vez saciada, cessa.
Já a gula tem como característica o desejo. E o desejo pode mostrar-se infinito à medida que supera os limites do orgânico.
Talvez um dos mais interessantes pecados – e já sinto minha boca salivando por um hambúrguer -, a gula não é somente o desejo incontrolável por comida e também bebida. O guloso é aquele que incorpora a tudo e todos. Para que uma bolacha se há todo o pacote? Para que saciar-me com uma mulher, se posso seduzir a todas?
Temos gula por tudo àquilo que queremos mais e por isso, para além da comida, este pecado está relacionado ao egoísmo humano e à cobiça.
E é justamente a partir deste paralelo entre a comida e a cobiça e vaidade humana, que veio à mente o curioso tema de bulimia masculina. Esta curiosa patologia que envolve o comer compulsivamente e a vontade desmedida em ter o corpo perfeito. Desejos paradoxais de uma mesma doença.
A bulimia nervosa
Esse é um transtorno alimentar diagnosticado e catalogado, pela psiquiatria, como doença. Caracteriza-se por períodos de grande compulsão alimentar, seguidos por comportamentos não saudáveis e drásticos para a perda rápida do peso conquistado.
Muitos bulímicos se utilizam de forte indução ao vômito, uso de laxantes, abuso de cafeína e cocaína e (claro!) dietas extremamente restritivas, radicais e inadequadas.
Esta patologia, apesar de muito associada à anorexia (também distúrbio alimentar), diferencia-se desta por envolver grande variação de peso e descontrole alimentar entre os seus portadores.
Para que se faça uma imagem em nossas cabeças, em sua grande maioria os anoréxicos estão perigosamente abaixo do peso, extremamente magros e desnutridos. Já os bulímicos podem apresentar peso adequado e até mesmo acima do esperado para sua idade e tipo físico, devido às variações de peso e alternâncias entre grande ingestão de alimentos e períodos de expulsão. O peso também dificulta a observação de parentes, amigos e médicos do bulímico, impedindo o diagnóstico da doença.
É comum que pessoas que sofrem com a bulimia passem toda uma tarde comendo doces, caixas de chocolate, potes de sorvete e quilos de bolo, para então, por um sentimento de culpa e tentativa de evitar o ganho do peso, recorrerem a períodos de jejuns, excesso de prática de exercícios físicos, vômitos auto-induzidos, laxantes e diuréticos.
Como consequência a essas práticas tem-se:
- Problemas nos dentes e gengivas
- Desidratação
- Fadiga
- Ressecamento da pele
- Úlceras e fortes dores no estômago
- Arritmia cardíaca
- Irregularidade ou perda da menstruação em mulheres
- Perda da libido
- Fatalidade em até 20% dos casos
A gula, que excede a fronteira do orgânico da fome, é o pecado presente em todos os portadores dessa doença que comem até ultrapassar o limite de seus corpos. Passam mal e sentem dor. Em seguida vêm a culpa e a tentativa de recuperação do controle deste animal guloso que anteriormente apareceu.
A bulimia entre os homens
O culto ao corpo perfeito e escultural, tão comum na atualidade, é apontado como um dos maiores responsáveis pelo elevado número de homens que desenvolvem a bulimia, doença antes considerada exclusiva do universo feminino.
É comum ela vir associada a outras doenças como depressão e dependência química. Porém, uma característica que tem sido observada no padrão desta enfermidade entre os homens, é que estes abusam dos laxantes por ter maior facilidade em perder peso que as mulheres. E também costumam desenvolver os transtornos alimentares tardiamente, entre 18 e 26 anos, tendo o histórico de obesidade atrelado.
O início é o mesmo: o homem começa com uma dieta radical e restritiva, o que leva à fome incontrolável. Este desejo por mais, leva ao consumo desenfreado de comida e, imediatamente após, vem o sentimento de culpa: a indução ao vômito e ingestão de laxante.
Porém, enquanto nas mulheres a queixa está associada ao desejo por magreza, entre os homens o discurso muda: acham-se magros demais e desejam mais músculos e massa corporal. Eles relatam maior preocupação com a forma física e com a imagem corporal, no sentido de se obter uma aparência masculina, ao invés do desejo de serem magros. É por isso que associada à bulimia masculina há também o abuso na musculação e exercícios físicos.
No Brasil, ainda não existem estudos sobre a bulimia entre homens. Em centros de tratamento de transtornos alimentares como o Ambulim (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares) do Hospital das Clínicas da USP, e Proata (Programa de Orientação e Assistência aos Pacientes com Transtornos Alimentares) da Unifesp, a relação de homens entre os atendidos oscila entre 5% e 10%. Mas já se verifica um aumento no número de rapazes que procuram por atendimento.
A grande dificuldade está no diagnóstico da doença entre homens, já que a doença ainda é subestimada no sexo masculino e considerada exclusiva das mulheres. Há também maior resistência deles em buscar atendimento e despreparo do serviço público.
Além disso, existe aquela ideia clássica que de hombres são capazes de resolver sozinhos os seus problemas e não precisam de auxílio profissional especializado.
Características dos bulímicos
É comum que pessoas com transtornos alimentares tenham a auto estima excessivamente ligada ao próprio corpo, sendo este vítima desta atenção. São também ansiosas e perfeccionistas, e tem como funcionamento do pensamento a lei do “tudo ou nada”. São críticos, exigentes e possuem dificuldade em obter prazer e satisfação que não somente através da imagem de seus corpos.
O bulímico costuma envergonhar-se de seus problemas alimentares, e assim ocultam seus sintomas dificultando o diagnóstico e a procura por ajuda. Dessa forma, os períodos de compulsão alimentar (aqueles descritos anteriormente) ocorrem longe dos olhares de pais e amigos, sendo comum a ocultação da grande quantidade de comida a ser consumida.
Esta doença costuma causar sofrimento psíquico e afeta áreas diversas do sujeito. O bulímico não tem prejuízo somente na sua relação com a comida ou na sua relação com seu corpo, mas também em suas relações sociais – uma vez que festas e confraternizações envolvem alimentação e são evitadas.
Ele se vê atormentado por uma questão que lhe é cotidiana – o comer – e que não pode ser evitada, uma vez que todo indivíduo precisa se alimentar.
Tratamento
O tratamento mais eficaz é o multiprofissional, envolvendo acompanhamento psicológico, psiquiátrico e nutricional. Porém, é frequente que o paciente não reconheça a necessidade de tratamento e se recuse ou adie fazê-lo. Em certos casos, principalmente quando há sério comprometimento à saúde, faz-se necessária a internação. Psicoterapias associadas à antidepressivos e estabilizante de humor são comuns.