Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo. Após muito trabalho, nada mais digno do que um bom domingo para relaxar, não é mesmo?
Mas, o “relax” merecido é bastante diferente do que o conhecido pecado da preguiça.
Preguiçoso é aquele que nada faz e que se arrepia se ouve a palavra trabalho. Do latim prigritia, a pessoa com este pecado capital é caracterizada pela Igreja Católica como alguém que vive em estado de falta de capricho, de esmero, de empenho, em negligência, desleixo, morosidade, lentidão e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que a leva à inatividade acentuada.
Em outras e populares palavras: o famoso vagabundo!
Mas há quem se esforça, trabalha, e luta. Muitos são os hombres que acordam ao nascer do sol, enfrentam horas de trânsito, broncas de chefes, almoçam sem ao menos sentir a comida, preenchem burocracia e voltam vitoriosos para suas casas. São verdadeiros guerreiros do cotidiano.
E há aqueles que desejam toda essa luta, mas algo em seus corpos os impede: falarei hoje sobre um curioso distúrbio chamado narcolepsia.
O QUE É
Narcolepsia é um distúrbio do sono caracterizado por sonolência excessiva durante o dia, mesmo quando a pessoa dormiu bem à noite.
Os ataques de sono podem ocorrer a qualquer momento e em situações inusitadas: em pé dentro de um ônibus, durante a consulta médica, em meio ao almoço, dirigindo o automóvel, ou operando máquinas, por exemplo. É como um botão que desliga imediata e inusitadamente todo o corpo: um terror para quem vive.
O sono normal começa com o desligamento gradativo do controle muscular. Nessa fase, é um sono de ondas lentas. Cerca de uma hora e meia depois, a pessoa entra na fase do sono REM, na qual a atividade do cérebro é intensa e os olhos se movimentam.
Os portadores de narcolepsia saltam a etapa do sono de ondas lentas, e entram direto e subitamente na de sono REM.
CAUSAS
Fatores genéticos estão envolvidos nessa doença que é causada por alteração no equilíbrio entre algumas substâncias químicas (neurotransmissores) do cérebro, responsáveis pelo aparecimento do sono REM em horas inadequadas.
A cataplexia, que é a perda súbita e reversível da força muscular durante a vigília, é o único sintoma exclusivo da narcolepsia e estimulado por momentos de ansiedade e fortes emoções.
Como uma reação de moleza quando sofremos um assalto, recebemos uma excelente notícia ou atravessamos um período de estresse, pacientes com esta doença “reagem” em maior intensidade, desligando seus corpos.
Os outros sintomas presentes são: sonolência diurna excessiva, anormalidades do sono REM, paralisia muscular e alucinações.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico desta doença deve ser feito com atenção às queixas clínicas e pelo exame de polissonografia.
TRATAMENTO
Não há cura para o transtorno. O tratamento para esta doença é feito através de medicamentos que deixam a pessoa mais alerta e algum cuidados são necessários, como por exemplo:
- Tirar um cochilo, que é sempre reparador, nas crises súbitas de sono;
- Estar atento a sustos, ansiedade e crises de riso que podem desencadear um episódio de cataplexia;
- Evitar ingerir bebidas alcoólicas ou outras substâncias que induzem o sono.
ASPECTOS PSICOLÓGICOS
Porém, a grande questão desta doença está no sofrimento psíquico de quem a tem. Imagine não ter o controle de seu próprio corpo, sem saber quando ele irá desligar. Tarefas simples do cotidiano como cozinhar, cuidar de seu filho, beber uma cerveja com os amigos ou dirigir, tornam-se perigosas, pois a qualquer momento, inesperadamente, cai-se em sono profundo.
Para a grande maioria das pessoas, o sono é prazeroso e bem vindo ao final de um longo dia de atividade. Mas para quem sofre de narcolepsia, dormir é um ladrão que rouba anos de vida.
Lembremos que crises de narcolepsia são estimuladas por fortes emoções, então temos que sentimentos como a surpresa de uma promoção no trabalho, a ansiedade ao nascimento de uma filha, risadas no jantar com os amigos, tornam-se gatilhos para horas de sono. Prazeres que são impedidos de serem vividos.
Relatos de pacientes narcolépticos incluem a frustração e o desejo de viajar sem que cada nova descoberta em um país novo seja acompanhada de alguns minutos dormindo na rua.
E há também o preconceito: muitos pacientes são confundidos com alcoólatras, moradores de rua, ou preguiçosos por dormirem em lugares e momentos inadequados.
O distúrbio também afeta o trabalho, o estudo e a vida social dos pacientes, que têm de contar com a compreensão de companheiros, parentes e colegas, e às vezes utilizar capacete constantemente para se proteger das quedas inevitáveis e violentas (uma vez que já se cai apagado).
Com isso, temos que, para além do tratamento medicamentoso, é necessário que estes pacientes sejam escutados por profissionais psicólogos em seu sofrimento. Há o medo, a angústia, a sensação de descontrole, as frustrações, o preconceito vivido, a tristeza pelas perdas – sentimentos fortes e importantes que devem ser ouvidos e trabalhados.
Para que o leitor possa conhecer mais sobre esta doença, há um documentário chamado “A vida entre sonhos”, exibido pelo canal Discovery Home & Health, que conta as histórias de três mulheres neozelandesas que convivem com este problema.
Para as moças, cada dia representa uma batalha contra o sono. Elas são Justine, Cher e Sharon: mães, universitárias, mulheres envergonhadas por sua condição e que buscam tratamento para esta doença e o aprendizado na convivência com ela.
Abaixo colocamos parte de um documentário da National Geographic que fala sobre narcolepsia. Apesar do vídeo estar em inglês, é possível observar o rapaz dormir no meio das entrevistas e ter uma ideia de como essa condições altera por completo a vida de uma pessoa.