Os amigos e as namoradas

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Vi, numa revista americana, um anúncio que de alguma forma me comoveu. Acho que era de uma seguradora. Dois garotos estão encostados um no outro e lê-se o seguinte: “Lembra o tempo em que você podia contar com alguém?”

Toquei no anúncio porque decidi falar, mais uma vez, dos amigos. Mais especificamente, das dificuldades que algumas mulheres acham que os amigos têm influência negativa sobre nós. E sentem um terrível ciúme deles.

Como se cada centímetro de espaço que concedemos a nossos amigos representasse um centímetro a menos para elas. Elas mais ou menos nos dizem o seguinte: ele ou nós.

Algumas dizem isso de forma mais clara, outras recorrem a sutilezas, mas a essência da mensagem parece sempre a mesma: amigo bom é ex-amigo.

A MÁGOA INESQUECÍVEL

Lembro com detalhes o que aconteceu com meu amigo Totó. Éramos adolescentes e nossa turma era simplesmente incomparável. Duvido que houvesse outra turma, em todo o mundo, tão fantástica. Éramos unidos, diversos nas partes mas coesos no conjunto, e nos amávamos tanto.

Sabíamos que, desde que estivéssemos juntos, conquistar o mundo era uma tarefa bem fácil para qualquer um de nós.

Pois um dia o Totó arrumou a primeira namorada séria. E a primeira providência dela foi afastá-lo de nós. Relembro a cena ainda com pesar: o Totó passando de mãos dadas com ela na outra calçada, longe da esquina em que nós ficávamos.

Claro que essa namorada passou. Mas a mágoa da troca de calçada jamais foi esquecida pelos amigos. (Não me julgo um cara rancoroso, mas também eu jamais esqueci. Releio o que escrevi e noto que nem sequer o nome da namorada mencionei. Revanchismo. Mas aqui vai: Eliane.)

PRESENÇAS COMPLEMENTARES

E então digo o seguinte. É um grande erro das mulheres a compulsão de detestar nossos amigos. Eles quase sempre estão do lado de nossas namoradas e nossas mulheres. Sobretudo quando estamos procurando, descaradamente, novas namoradas e novas mulheres.

“Você não vai fazer uma coisa dessas com a Maria” ou “a Maria dá de dez nessa mulher atrás de quem você está correndo”. Eis algumas das frases que ouvimos de nossos amigos quando nos lançamos a aventuras.

Eles, como certos cães de aparência assustadora mas com alma de bebê, só atacam quando são atacados primeiro. No caso do Totó, por exemplo, fomos atacados primeiro. Toda a campanha sanguinolenta que movemos contra a namorada foi apenas uma resposta ao golpe vil que recebemos.

Mulheres e amigos são complementares, como uma boa colher de Nescau e um copo de leite gelado. Cada parte tem sua função. A presença do Nescau não diminui o leite, nem a presença do leite diminui o Nescau.

É uma imagem meio capenga, admito, mas preciso considerar que fui subitamente assaltado por uma feroz vontade de tomar um copão de Nescau gelado. (Copázio, corrigiria minha mãe, que jamais conseguiu dar um português decente a este seu filho.)

UM TRIBUTO À VELHA TURMA

E antes que meu espaço se encerre, quero dizer que dedico esta coluna à minha velha turma.

A melhor turma do mundo em todos os tempos. Parece que os vejo ao meu lado agora. E reparo naquele ali, baixinho, de blusão de couro e chiclete na boca, o mais esperto de todos nós. É o Edu, o Eduardinho.

Vejo o Edu como o Senhor do Mundo em cima de uma pequena moto azul de 50 cilindradas que ganhou aos 18 anos, os olhos com o fulgor arregalado de quem não conhece obstáculos que não possa transpor. E o vejo depois num paletó ridículo, que ele jamais usaria.

Mas fora atirado de sua moto numa guia e estava num caixão. E então me ocorre que o Edu não viveu o suficiente para assistir à falência de seus sonhos de menino, como todos os seus amigos que sobrevivemos e seguimos em frente.

E então eu penso que se essa coluna fosse musicada, tocaria agora uma música de Hendrix chamada Angel. E me arrepio. Uma vez, lá para trás, nós, da velha turma, estávamos ouvindo Angel enquanto fumávamos um baseado no quarto do Fernão.

Um trecho da música fala de alguém que voa pelos céus. O Mingo disse: não dá pra ver o Edu voando pelos céus?

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Fabio Hernandez

Fabio Hernandez, o Homem Sincero, escreve sobre relacionamento há quase uma década para revistas como VIP e Criativa. A Editora Camarinha lançou uma coletânea de suas melhores crônicas.

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